sexta-feira, 7 de novembro de 2014

Má notícia: o vosso "hamster" morreu


Desculpem lá a maldadezinha, lampiões; não foram só vocês a serem "comidos" desta vez.

O colunista do jornal Expresso, Daniel Oliveira, assina naquele jornal um artigo onde dá conta da enorme desilusão que foi para nós o guerrilheiro galhofeiro Banana Gusmoso, e o rumo que levou a primeira nação do seculo XXI, Timor-Leste. Ao contrário do seu colega Miguel Sousa Tavares, mais crítico e "sedento de sangue" no seu comentário aos microfones da SIC Notícias, Oliveira faz uma abordagem mais romântica, mais ao estilo do velhinho faduncho do desgraçadinho, bem ao jeito lusitano, o nosso jeito de tipo porreiro a quem a máxima "não ter dinheiro para fazer cantar um cego" nos deixa a suspirar, e a desejar que fossemos antes o cego - soubessemos nós cantar, pelo menos. Sim, Timor "deve-nos bastante" como brada o MST, cerrando os punhos de ódio e grunhindo "malditos" entre dentes, apelando a que os restantes profissionais que lá temos, quer na área da saúde, que no ensino, façam "birra" e voltem para casa, solidários com os magistrados portugueses expulsos do país por andarem a meter o bedelho onde não eram chamados - enfim, a fazerem o seu trabalho, mas quem os encomendou tal sermão?

Sim, parece que teremos sido demasiado paternalistas e até um pouco ingénuos ao assumir que outro país estaria interessado no modelo democrático que idealizámos como o mais justo, o mais tolerante e o que melhor serve os interesses quer do estado, quer da população, como sugere DO. Fizemos daquele barbudo semi-louco que nos entrou pelo televisor vai para lá de vinte anos, isolado na mata, perseguido por um regime totalitário, dizendo lutar pela autonomia do seu povo, um resíduo do antigo império português atirado para os confins do mundo, uma porção de território do tamanho do Algarve situada entre a Indonésia e a Austrália, um verdadeiro herói. Ao olhar para aquele pobre de Cristo, conseguimos de alguma forma rever-nos: ali estava um herói, e logo numa época em que nos diziam que "já não há heróis". Queríamos aquele gajo e povo dele livres, pá! Ele passou a nosso Che Guevara na versão "macaquinho de estimação". Ninguém se lembrou de lhe perguntar se queria destronar aquele regime autoritário para substitui-lo pelo seu regime autoritário pois não? Ou o que pensava ele fazer no caso de Timor-Leste alcançar a tão almejada autonomia, e se no caso de se tornar presidente, que direcção queria dar ao país. Em vez disso apaparicá-mo-lo, demos-lhe doutoramentos em Coimbra (tenho sérias dúvidas se o tipo sabe realmente ler), e camisolas do Benfica. Ah, garanhão!

Faço aqui um pequeno parêntesis para recuar até Novembro de 1991, data do massacre do Cemitério de Santa Cruz, momento em que Timor-Leste passou de algo que nunca tinhamos ouvido falar ou já tinhamos esquecido a causa-mor, a princípio, meio e fim de tudo o que representava a liberdade, a democracia, pomba branca, pomba branca, salta mas é para dentro da panela e vem fazer de jantar. Foi assim: ninguém fazia a puta da ideia do que se passava em Timor-Leste até chegarem aquelas imagens de vídeo-amador onde se via um grupo de indígenas lá da Papua e arredores a correrem num cemitério com o barulho de sirenes como pano de fundo. Dava para perceber que não era uma "rave party" ou um concerto de "grunge", coisas em voga na época, mas o que nos deixou com os olhinhos humedecidos foi a célebre imagem daquele rapazito baleado, a esvair-se em sangue, mais para lá do que para cá. Não se lembram? Permitam que vos refresque a memória:



Aí está: isto é prova de que se tratou de um MASSACRE! Isso mesmo, um massacre: um corpo caído, ensaguentado, toda a alma de um povo ali no sofrimento daquele mártir, que afinal...não morreu. Agora deixem-se de merdas e vejam se seguem este raciocínio, para variar: pensavam que o gajo tinham morrido, não foi? E quem já sabia que ele não morreu e que agora vive todo porreiro das canetaças na Austrália, gostava que ele tivesse mesmo morrido, não é? Vá lá, já disse, deixem-se de merdas; foi esta imagem que vos motivou. Quando viram que ele não morreu, disseram assim com um ar de quem comeu e não gostou: "olha...afinal o tipo está vivo". Porque afinal foi isto que vos fez passar de "Onde raio é Timor?" para "Libertem Timor-Leste!", não foi mesmo? Pouco vos importava então que nunca tivessem conhecido um único indonésio, mas passaram a odiar esse povo, e o seu presidente de então, Suharto, nome que nunca tinham ouvido na vossa insignificante vida. Assim de um dia para outro passaram a cantarolar as cantigas do Resistência (esses é que foram espertos) e a acender velinhas por um povo de que nada sabiam (e muito pouco passaram a saber) a milhares e milhares de quilómetros de distância. Foram vocês que disserem "bem feita" quando a ilha de Sumatra foi fustigada por incêndios florestais no Verão de 1997, não foram, ó tansinhos?

Não me quero aqui armar em espertalhão, mas em finais de 1991 e início de 1992 estava eu no 11º ano, e começaram a circular pela minha escola petições para entregar aqui e ali em nome do pobre e massacrado povo mauber. Algumas destas petições consistiam apenas de assinaturas, nada mais, e sabe-se lá se eram a favor da autonomia de Timor-Leste ou uma declaração a autorizar a doação de um rim. Na altura questionei, mesmo que timidamente, a razão de tudo aquilo. Afinal tinhamos alguma informação do que realmente se passava naquela latitude, ao ponto de nos entregarmos de corpo e alma a essa causa? Claro que nem ousei fazer a pergunta duas vezes, senão era apedrejado até à morte pelos "democráticos libertários" daquele povo, que iam ver logo em mim um general Wiranto, com as mãos manchadas de sangue daquele povo, coitadinho. Buh, uh, uh. Quando vim para Macau, um ano e meio depois, tomei contacto com os refugiados timorenses. Gente boa, gente como outra qualquer - uns porreiros, outros filhos da puta, como em todo o lado. Não pensem que passavam o dia a rezar, a chorar e a acender velinhas. Alguns que residiam no Centro da Ilha Verde passavam o dia por aí a caçar empregadas domésticas filipinas, naquilo que se chama normalmente de "engate". Um deles foi detido depois de uma das tais filipinas que engatou ter dado à luz um filho seu e os dois terem decidido matar o recém-nascido e deitá-lo numa lata do lixo. Se isso significa que os timorenses são "maus bichos", por causa de um simples caso? Claro que não, diz tanto como um tipo caído depois de ter levado um balázio sem sequer ter morrido provar que aconteceu um "massacre" - e aconteceu mesmo, mas nada do jeito que pensámos.

Os timorenses, pasme-se, são pessoas de carne e osso: pensam, falam, andam com duas pernas, sentem, mentem, têm ambição, deixam-se seduzir, gostam de dinheiro, de conforto, tudo isso, tal e qual como nós. A ideia parva de que precisavam de nós para alguma coisa alimentou a ilusão de que contribuimos com as assinaturas ou a nossa "pressão junto da comunidade internacional" (essa é muito boa...) para a sua independência. As razões porque Timor-Leste deixou de ser uma província indonésia e obteve a independência em 2001 foram basicamente duas: a situação política instável na Indonésia, e a pressão da Austrália, que sabendo existir petróleo nas águas do mar de Timor achou mais conveniente negociar com um bando de corruptos sem experiência do que com os astutos indonésios. Na altura que deixámos os estudantes timorenses entrar nas nossas universidades quase sem saberem ler e escrever (passo o exagero) comentei este assunto com um colega meu chinês, que me disse então "os portugueses acham que devem muito aos timorenses" - a teoria de MST, mas ao contrário. Este é que é problemas meus amigos; a história, a amizade, os favores, etcetera e tal são muito difíceis de traduzir em numerário. Não existe câmbio para essa moeda. MST defende que "os professores e os médicos, assim como outros técnicos, deviam também regressar a Portugal". Para quê? Para engrossarem os números do desemprego, ou aturarem gente parva? Por alguma razão preferem andar lá por Timor-Leste. E acha que os timorenses se importam? Quem é que nos disse que eles não querem ser corruptos, sacanas ou ingratos? Eles é que sabem. A vida é deles, porra!

Agora são capazes de estar a pensar: "ó Leocardo, estás a ser mauzinho, pá, nem toda a gente é assim, só com com os interesses materiais em vista". Epá deixem de ser anjinhos, e oiçam bem isto: o mundo é assim, quem não tem dinheiro quer tê-lo, quem tem quer ter mais, quem tem suficiente quer ter muito, e quem tem muito quer mais ainda, e nunca chega. Capisce? Vamos usar uma metáfora; eu sou o tipo que vos vai anunciar a morte do vosso "hamster" de estimação, ok? O vosso "hamster" morreu, e é por isso que estava tão teso e frio. É por isso que cheirava a cadáver, e quando vocês pensavam que isso se devia à falta de banhinho e foram lavá-lo, cairam-lhe as pernas. É por isso que as formigas andavam à volta dele, e não porque ele andou por cima da caixa da marmelada. Entenderam agora? Se por acaso são pessoas com ideais, sim senhor, tiro-vos o chapéu, mas permitam-me que vos dê dois conselhos: olhem para um lado e para o outro quando atravessam na passadeira, que não é garantido que não são atropelados, e duvidem sempre das boas intenções, fiquem na vossa e não tentem mudar o mundo, senão f...-se. Que o digam os tais magistrados, que a esta hora já devem ter estar em Lisboa, ainda sem saber bem o que lhes aconteceu. É que este é um "truque" que não ensinam na faculdade de Direito.

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