sexta-feira, 29 de agosto de 2014

O Senhor e o senhor



Se há actores recentes no palco da RAEM em que não consigo perceber a direcção que leva, um deles é o Bispo José Lai, nome de baptismo de Lai Hong Seng, nascido em Macau em 1946, tornando-se em 2003 o primeiro bispo nascido no território a tornar-se a sua principal figura da Igreja Católica. Incrível como passaram dez anos desde que José Lai substituíu Domingos Lam, que durante quinze anos liderou a Diocese  de Macau. Com as devidas distâncias, considero que José Lai está para o seu antecessor como o Cardeal Josef Ratzinger está para o actual Papa Francisco. Quem estivesse mais distraído, nem ia acreditar que o actual Bispo de Macau deve obediência à Santa Sé, ao Vaticano, que o nomeou. Não sendo eu católico ou seguidor de outra denominação religiosa, fica difícil analisar o desempenho do bispo de Macau como religioso, no entanto posso tentar fazê-lo como figura pública que é com um papel influente no território (nem que seja pelo avultado património da Diocese, quer religioso, quer material, quer especialmente imobiliário). Nesse particular, não sabendo eu rezar ou dizer a missa, não o posso ajudar muito.

Estes dez anos de José Lai como pastor do rebanho na cidade que um dia ganhou o Santo Nome de Deus, e se mantém como bastião do catolicismo na Ásia não tem tido a vida fácil, sobretudo fora da prática do seu ofício divino. No início não surgiram grandes problemas, rezavam-se as missas, celebravam-se os casamentos organizavam-se as procissões, davam-se os baptismos, as extremas-unções, e não sei houve algum exorcismo, mas se calhar estava na altura de pensar seriamente nessa hipótese. A estrada passou a ficar mais acidentada desde o caso Ao Man Long, em 2007, e acentuou-se com a chegada de Chui Sai On a Chefe do Executivo. E não foi por coincidência, pois José Lai tem sido muito pouco crítico quando devia ser, e muito cúmplice em situações algo delicadas, dando a entender que "abençoa" alguns excessos e certas condutas pouco "cristãs". Viu o seu nome envolvido no "caso das campas", através de um alegado acto de censura ao jornal "O Clarim", propriedade da própria Diocese, e no processo de despedimento do professor Eric Sautedé da Universidade de S. José, uma parceria da Igreja de Macau com a Universidade Católica. Houve quem tivesse aplaudido a sua aprovação da polémica placa que proibía a entrada a não-católicos na Igreja da Sé, mas prefiria que tivesse mais firmeza e mais isenção noutros temas. Até eu lhe batia palmas.

Uma nova polémica - ou não - tem a ver com a actual crise política em Macau, com a realização do "referendo civil", uma investida do sector democrata que deixa em xeque o Executivo local. Só que neste tabuleiro de xadrez o bispo dá uma ajuda ao rei (ou será ao imperador?), e em declarações proferidas ao jornal em língua chinesa Cheng Pou, José Lai apela aos residentes de Macau que "confiem no Executivo", e que "cumpram a lei", referindo-se à questão da eleição do Chefe do Executivo. O bispo afirma ainda que a Igreja Católica "respeita as leis de Macau", e aconselha os fiéis a fazer o mesmo. José Lai exorta a população a "manter o clima de estabilidade", bem como "seguir a direcção certa, passo a passo, que tem levado o território no bom caminho" - para ele, suponho. Na hora de responder a uma pergunta que já faltava, deu-se um eclipse divino; um jornalista quis saber a sua opinião sobre o referendo civil, e nesse momento José Lai retira-se sem dizer uma palavra, rodeado de segurança, que o afastaria dos microfones da imprensa. Que o referendo "é ilegal", já tinha ouvido de várias personalidades, mas será que também é satânico?

Quando penso na influência de líderes religiosos na sociedade civil em tempos de crise, lembro-me do Arcebispo Óscar Romero, que deu a vida pela conciliação do seu povo durante a guerra civil em El Salvador, ou do Bispo Dom Ximenes Belo, que confortou as inquietas almas do povo de Timor-Leste durante a ocupação pela Indonésia. Sabendo sem ter muito bem a certeza que a arquidiocese de Hong Kong deixou as batalhas políticas à consciência dos crentes, apelando apenas que se resolva tudo num ambiente sem violência, aqui não entendo José Lai. Não vejo porque não pode dar a sua opinião como representante de uma instituição supostamente independente, e continuo sem saber a sua posição, se o magnete da sua bússola aponta para Roma ou para Pequim. Católicos, amigos, esta é uma questão que deviam ponderar, e lanço-vos este desafio (não referendo): é para adorar o Senhor, ou este senhor?


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