terça-feira, 19 de agosto de 2014

A faculdade da falsidade


Não fosse pelo facto de ser tão triste, quase dava para rir da justificação dada pela Universidade de Macau quanto ao despedimento de Bill Chou, o docente de Ciência Política que se ficou a saber esta semana ter visto o contrato não renovado por aquela instituição de ensino. O "caso Bill Chou" começou a ser notícia há dois meses aquando do anúncio pelo próprio de que estaria a responder a um processo disciplinar interposto pela sua entidade laboral, tendo alegadamente como causa o seu involvimento na Associação Novo Macau, a maior força de oposição ao Executivo e às associações que o apoiam. O facto de ter nos seus quadros um docente com ligações a grupos considerados "incómodos" deixou a UMAC numa posição frágil, e receando uma redução de privilégios e um afastamento dos centros do poder, magicou uma "solução definitiva" para aquilo que começava a constituir um obstáculo. Isto parece evidente a qualquer pessoa que observe de fora, e nem é necessário ir até ao fundo da questão; se há algo que aprendemos sem precisar de frequentar uma é a forma como os saneamentos políticos são feitos em Macau: de forma amadora, descarada e sem qualquer respeito pela inteligência de quem procura saber as verdadeiras motivações. Quem tem a razão do seu lado não se inibe de dar explicações, em vez de ficar sentado de braços cruzados enquanto lhe chamam todos os nomes feios do mundo, e a ponderação só se justifica ANTES de tomar uma atitude destas, e não para encontrar uma saída airosa de calar as más línguas. Devolver as culpas a Bill Chou depois de o ter deixado a falar durante todo este tempo, dizendo praticamente tudo o que queria não revela contenção ou demonstra humildade: é prova de culpa no cartório, e só no limite se achou necessário uma operação de cosmética com carimbo de "urgente". Bill Chou não deixou ali o lixo. Tudo o que fez foi levantar o tapete.

A Universidade de Macau vem agora justificar o afastamente de Bill Chou com uma mera tecnicalidade: aparentemente o professor que exerceu competententemente a sua função durante anos "rebentou um fusível" um dia destes, e tornou-se "impossível de controlar" - deve ter enlouquecido, coitado. O facto de que assumiu a sua filiação com uma força política não alinhada com o poder é apenas uma coincidência. Só faltava mesmo terem incluído na sua missiva enviada hoje à imprensa a frase "Nem fazíamos ideia de que ele era membro do Novo Macau. Para nós foi uma surpresa, e ainda não conseguimos fechar a boca, de tão escancarada de espanto que ficou". Esta é a mesma Universidade que há alguns anos abriu um inquérito a um professor da faculdade de Direito em Português por este se ter referido no seu blogue pessoal a um dos seus alunos como "cretino e mal formado", mesmo não espeficando a quem se referia. Atendendo à queixa do lesado, que não gostou da carapuça que lhe foi enfiada, apesar de lhe servir como uma luva, a faculdade levou a cabo um auto-de-fé onde o docente foi obrigado a pedir desculpa perante uma plateia que incluía colegas seus e alunos de outras faculdades, além de pessoal administrativo, e quem sabe se não estava lá o jardineiro e a mulher da limpeza, também. Já este ano durante a cerimónia de entrega dos diplomas aos recém-graduados, deu-se um episódio onde ficou evidente que a UMAC se rege pela bitola do respeitinho, quando uma aluna exibiu um cartaz onde se pedia que deixassem de perseguir os professores académicos. Neste último caso Bill Chao foi motivo, mas ficamos sem saber quem eram ou quem são os restantes cinco professores que a Universidade quis "meter na linha". Já quanto ao caso do professor de Direito, não existirá qualquer relação com este caso, o que indicia uma tendência da parte da instituição que supostamente segue padrões de excelência em enfiar o pé no chinelo de plástico. Não tenho esperança que o ar da montanha traga melhoras.

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