Meu querido arroz doce...

Está a realizar-se a eleição das 7 Maravilhas da Gastronomia Portuguesa, uma coisa que me é bastante querida (a gastronomia, entenda-se). Tendo provado iguarias de quase todas as origens, posso assegurar que a gastronomia portuguesa é de longe a mais original, a mais variada, a mais criativa e a mais saborosa. E ninguém tem ingredientes tão frescos e deliciosos como os nossos. Perdoem-me se estou a passar por "portuga", mas se os estrangeiros comprassem os direitos de autor das nossas deliciosas receitas, saldávamos a dívida toda num ápice!

O Ponto Final deu destaque ao concurso, que é muito sério (patrocinado pelas mais altas individualidades públicas e privadas de Portugal), e apresentou os três finalistas em cada uma das sete categorias: Entradas, Sopas, Peixe, Marisco, Carne, Caça e Sobremesa. As escolhas são muito pouco arrojadas, na minha opinião. É de estranhar que não apareçam lá coisas como a morcela frita, o cabrito à padeiro ou mesmo o Cozido à Portuguesa, essa instituição tão portuguesa como o fado e a lamúria.

Tive acesso à lista dos 70 pré-finalistas, e fiquei com água na boca das opções que ficaram de fora. Não sei se é por vergonha que os portugueses omitiram pratos como favas com chouriço, caracóis com oregãos ou túbaros picantes, mas dão a cara por comidas paneleiras e pouco portuguesas, como o javali, o caspacho e a muxuma de atum (que merda é essa? é do candomblé?). Gostava de deixar aqui a minha posta de pescada cozinda com feijão verde e ovo cozido sobre cada uma das categorias.

Isso das entradas tem muito que se lhe diga. Quando janto fora com a minha mulher tenho que esconder o pão senão ela enche a barriga e depois não tem fome para o bacalhau com broa do Afonso. Dos três finalistas escolhia o queijo da serra da estrela, dos pré-finalistas gosto dos pézinhos de coentrada (ou orelha!) e em geral gosto também de ovas, se bem que me fico normalmente por umas azeitonas, para não arruinar o apetite.

Da sopa falta a minha favorita: feijão encarnado com massa de cotovelos, como a minha avó fazia. Das finalistas gosto da açorda alentejana, o que faz de mim um traidor: um ribatejano que não escolhe a sopa da pedra. Mas regionalismos de fora, gosto da sopa de cação de entre os pré-finalistas, e fico surpreendido com algumas das candidatas; sopas do espírito santo? Caldo de cascas? Sopa de castanhas??? WTF? Está lá uma canja de borrego (com os olhos do bicho?), mas falta uma canja de galinhas com massinha de letras e hortelã. Surpreendentemente ou talvez não, acho o caldo verde uma sopa aborrecidíssima e sem o mínimo de imaginação. E será que ninguém gosta de sopa juliana?

No peixe impera o bacalhau, e quatro candidatos entre os pré-finalistas. Faltam os carapaus de escabeche, a pescadas de rabo-na-boca fritas com arroz de tomate e salada, faltam os jaquinzinhos fritos, o tamboril, falta muita coisa. A minha forma favorita de de comer bacalhau, é à Lagareiro, o que nem está na lista. A Lampreia à Bordalesa está ausente (gosto muito selectivo?) mas existe um tal "Arroz de lampreia" nos pré-finalistas. Pena que não esteja lá o ensopado de enguias, que até é uma coisa bastante jeitosa de se comer, com pão frito. Tenho a certeza que as sardinhas assadas vão ganhar nesta categoria, que ninguém tem coragem de votar no enfadonho bacalhau à Gomes de Sá ou no polvo assado, o prato menos imaginativo de todos: um polvo, um assador, nada mais.

Na categoria dos mariscos escolho as Amêijoas à Bulhão Pato, que temos que concordar, são uma verdadeira delícia (quanto mais limão melhor). Depois dá para ensopar o pão naquele molho, e está ali um almoço leve muito jeitoso. Nisto parece que estamos todos de acordo. Fico surpreso, chocado até, com a presença do Xarém com Conquilhas entre os finalistas. Será que foi o lobby algarvio em acção? Comi um Xarém em Olhão há três anos, e sinceramente arrependi-me quando soube como aquilo é feito. O arroz de marisco é uma coisa pesadota e varia muito de sítio para sítio. Entre os pré-finalistas estava um tal Cavaco Cozido com Molho Verde, que deve ser a contribuição do primeiro-ministro José Socrates para esta lista.

Passemos às carnes e aos seus pecadilhos. Como se sabe o Cozido à Portuguesa ficou pelos pré-finalistas para dar lugar à Chanfana, ao Leitão à Bairrada e as Tripas à Moda do Porto. O leitão ainda compreendo, mas a Chanfana e as Tripas? Será que podiamos ser um bocadinho menos "tripeiros"? A Alcatra da Ilha Terceira, a Espetada de carne de vaca em espeto de pau de louro e a Posta Mirandesa, que ficaram de fora são as escolhas mais apetecíveis quando falamos de carne. Desde quando é que "tripas" é carne? Quanto à minha escolha, fico pelo cabrito à padeiro, que está de fora de ambas as listas.

Tenho um fraquinho pela caça, pois tinha um tio caçador que se recusava a deixar-me acompanhá-lo, mas convidava-me sempre para comer os resultados. Gosto de perdizes, tordos, passarinhos e todas as aves, mas não consigo resistir a um bom coelho. Prefiro a cabidela, mas das opções apresentadas na final, escolho o simples coelho à caçadora. As autoridades culinárias do território elegeram de forma unânime a Perdiz de Escabeche de Alpedrinha, mas só nunca comi essa obra de arte, como acho que perdiz não tem tanto que se coma que um bom coelho, gordinho, roliço e esfoladinho. Juro que quando vejo o coelhinho da Páscoa e os coelhos da Duracell começa-me a dar fome.

Finalmente a sobremesa. Muitas opções que conheço mal, mas para terminar a refeição com uma overdose de açucar, escolho também o Pudim Abade de Priscos. A minha mulher elegeu o Pastel de Belém, mas isso são influências nefastas dos pastéis de nata da Margaret. Ficou de fora uma das coisas mais bonitas e singelas que temos na nossa doçaria: o arroz doce. Ó povo ingrato que esqueces as tuas humildes origens! Quanto à minha sobremesa preferida, escolhia sempre o bolo de chocolate com nozes, que não sei bem se é uma coisa portuguesa, mas é bastante boa. E no fim rematamos com um cafézinho e depois um licor para desenjoar. Sugestões?