quarta-feira, 25 de maio de 2011

Fábricas de canudos


Tive o prazer de ouvir hoje a repetição do programa “Contraponto” da Rádio Macau, com Carlos Morais José e Sérgio Terra, e em cima da mesa estiveram temas como o relatório do CCAC sobre o IPM, o protesto contra a CTM e a candidatura de José Miguel Encarnação pelo PNR ao círculo fora da Europa nas próximas legislativas.

Gostava hoje de me debruçar sobre o primeiro assunto, que me leva de novo a falar da qualidade, ou da falta dela, do ensino em Macau. Não importa muito se o IPM é mal gerido, ou se a Universidade de São José facilita nos exames, ou se as instituições de ensino superior da RAEM são autênticas fábricas de canudos, que não dotam os licenciados das qualidades técnicas que deviam. Os jovens de Macau, os oumunyan, tiram o tal canudo na UMAC ou noutro sítio qualquer, arranjam um emprego médio, e os especialistas ou estudam lá fora ou vêm mesmo do estrangeiro. E assim continua a funcionar a máquina, um pouco aos solavancos, nada de realmente preocupante.

O problema começa mais cedo do que se pensa: os jovens de Macau não aprendem nada durante os 12 anos de escolaridade pré-universitária. Sofrem de uma falta de cultura geral gritante, desconhecem o que se passa além das brincadeiras, das jogatinas, das compras e dos cosméticos que são o seu mundo. No outro dia lanchava com um grupo de amigas, e uma delas disse-me que “adorou Portugal”, e especialmente “aquela zona ali entre Cascais, Aveiro...”. Depois de lhe explicar que Aveiro é muito longe de Cascais, perguntei-lhe se sabia onde eram as províncias de Anhui ou de Gansu, e adiantou-me que “não conhecia a Geografia da China”.

Os oumunyan, apesar de serem chineses não sabem nada da China, não são capazes de apontar uma província no mapa e não sabem onde ficam as cidades mais importantes. Só sabem que nasceram chineses, aprenderam que têm que “amar a pátria”, e mais nada. Querem é distância dos gajos da China continental, e não querem ser confundidos. Têm nacionalidade portuguesa, mas Portugal para eles não chega a ser uma realidade diferente: não é uma realidade de todo. O passaporte português é para eles um mero documento de viagem. Sendo etnicamente chineses mas distanciando-se da China, e sendo portugueses de nacionalidade não se consideram portugueses em mais nada. Conclusão: são tecnicamente apátridas.

Quem é apátrida não tem identidade – e perdoem-me se isto soa um pouco a nacionalismo – mas quem não tem uma identidade e uma cultura própria, uma matriz, não pode ter uma visão que ambicione a ganhar uma bagagem cultural ou se interesse por qualquer tipo de especialidade. Qual é a carreira ou especialidade digna de um território como Macau? Croupier? Bate-fichas? Não é à toa que a internet é monopolizada, lenta e pouco difundida (pelo menos comparada com Hong Kong, dando o exemplo aqui do lado) – existe um sermão não encomendado de que a internet “pode ser perigosa”, e que é preciso “educar” a população sobre “os perigos da internet’. Para muita gente ainda é “uma coisa nova”. Está tudo dito. Quando o CMJ fala de uma “teoria da conspiração”, eu digo que terá um fundo de verdade.

Digo isto com todo o carinho do mundo, pois neste grupo de oumunyan que descrevo inclui-se a minha mulher. Não é que sejam realmente estúpidos ou que não queiram saber o que se passa no mundo. Foram estupidificados e mal pagos por um sistema de ensino desleixado, medíocre, dominado sobretudo pela igreja, que nunca os deixou pensar pelas próprias cabeças, ou sequer a distinguir o bem do mal. Tornou-os ignorantes de propósito, foi o que foi. Primeiro isto serviu bem ao regime colonial, que dirigiu um enclave de alienados, que no fundo estavam bem melhor do que se estivessem na China, e serve às mil maravilhas à nomenclatura actual, a quem não interessa nada repartir o bolo com gente que não a sua.

O que realmente lhes interessa? “Coisas que façam dinheiro”, dizem eles. E o que faz dinheiro? “Jogar na bolsa” ou “especular no imobiliário”, dizem eles, que não são parvos nenhum (ou são?). Só que jogar na bolsa ou especular é como o karaté: antes de aprender a partir tijolos com a cabeça, primeiro é preciso enchê-la de conhecimento. Conhecimento esse que foi adquirido pelos predadores das Américas, de Hong Kong e outros, que aproveitam para lucrar às custas de Macau, com a cumplicidade dos oumunyan que mandam nisto tudo, e que tal como os outros, acham que está tudo bem, desde que “haja dinheiro”.

Aí está, se “dinheiro” fosse uma nacionalidade, os oumunyan optavam por essa. Não estou aqui a ser redutor, claro que existe muita gente boa e competente de Macau e em Macau, mas não me surpreende nada a atitude permissiva das instituições de ensino, que tratam os canudos como uma mera “chave” para se conseguir um empregozito qualquer. E com esta tendência, Macau só pode ficar a perder.

16 comentários:

Anónimo disse...

Não é simplesmente uma atitude permissiva por parte das autoridades. Isso ainda seria o menos. O pior é a deificação que fazem dos professores que nada ensinam e se limitam a dar notas fabulosas aos alunos e, pelo contrário, a pressão exercida sobre os professores que querem realmente ensinar e que dão as notas que os alunos merecem. Estes professores, que normalmente até são os melhores, estão sempre sob "observação" e, ou começam a ter o seu emprego em risco ou então têm que fazer como os outros e dar boas notas a toda a gente. Ensino e aprendizagem passaram a ser palavras muito usadas, mas só para encher a pança de teóricos da educação que nem sabem o que é dar aulas. Mas desengane-se quem pensa que é assim só em Macau. Em todo o mundo os professores são cada vez mais avaliados não pela sua capacidade e conhecimentos, mas sim pela percentagem de notas positivas que dão. A estatística é que interessa. Podemos ter uma sociedade cheia de idiotas, desde que sejam idiotas encartados. E como esses idiotas encartados já chegaram em quase todo o lado ao poder, isto vai de mal a pior. Antes fosse um problema delimitado pelos 30 km2 de Macau. Mas não é. É mundial.

Anónimo disse...

A Universidade de São José de Macau é tão conhecida que só hoje é que descobri a existencia desta.Nem sabia que existia este universidade em Macau.

Anónimo disse...

Quem foi o advogado português atacado com ácido aí em Macau?

Anónimo disse...

Chama-se Luís Oliveira, segundo o Telejornal. Mas como também se disse nesse mesmo Telejornal que Timor-Leste é uma cidade-estado... já não sei se o nome estará correcto.

Leocardo disse...

O nome corresponde à imagem do causídico, é ele mesmo. Contudo vou abster-me de comentar esse assunto.

Cumprimentos.

Anónimo disse...

A TDM tem coisas que não se percebe. Já sabemos da falta de condições mas, caramba, como é que se pode colocar a peça em que o Director dos Serviços de Turismo foi abafado pela tradução em chinês e não se percebeu nada durante 1 minuto e tal? Por que razão não se colocam as peças com legendas em vez de se colocar a voz do tradutor em simultâneo com a voz do entrevistado?

Anónimo disse...

Concordo com o anónimo, foi deveras irritante, mas a maior parte das vezes é porque é a única coisa que os jornalistam têm. Os camaramen são chineses e estão a marimbar-se para os portugueses e gravam o som e a imagem no mesmo canal, logo não dá para separar. Não, não sou jornalista, mas já ouvi esta queixa muitas vezes da parte deles. Quanto à gralha de Timor-Leste, de facto não há desculpa! Houve ali alguma confusão com Singapura - que também é referida no ínicio.

Terras do Oriente disse...

Parabens Leocardo!! Sao raras as vezes em que fala ou menciona a educacao de Macau e hoje fiquei surpreendido em ver este post. Gostaria de dar a minha opiniao porque estudei em Universidades Portuguesas, Francesas e agora estou na UMAC. É verdade que os professores estao pressionados pela sua avaliacao mas isso nao os impede de chumbar alunos como ja me aconteceu numa cadeira. A UMAC pode nao estar no nivel das universidades de Hong Kong mas posso garantir que esta no bom caminho. Tem parcerias com as melhores universidades do mundo e esta neste momento a construir uns dos melhores campus da "China". Todos os anos , ha um aumento significativo de inscricoes para ingressar na UMAC e por isso o nivel de exigencia aumenta para os chineses e alunos internacionais. O novo campus vai ter capacidade para 10 000 estudantes, dificil de encontrar tamanho comparacao em outras universidades.De tal modo, gostaria de lancar um desafio a Leocardo e comentar sobre esse grande projecto que Macau esta a viver. Gostaria tambem de perguntar aos portugueses Macaenses o porqué de tanta vontade dos filhos irem estudarem em Portugal em vez de ficar em Macau.
Abracos

Leocardo disse...

Um tema interessante, sem dúvida, se bem que tanto eu como outros opinaleiros do território não concordamos com o facto da Univ. ir ser construída fora de Macau. Volto ao tema logo que tiver oportunidade.

Obrigado pelo seu comentário e abraço.

Terras do Oriente disse...

Mas repare que Macau nao tem mais espaço para crescer, de tal modo que a venda de terrenos por parte da china continental é um metodo inevitavel para o seu crescimento. A UMAC foi o primeiro passo para este processo de alargamento do territorio.
Abraço

Anónimo disse...

O Leocardo não percebe nada desta merda, Terras do Oriente. A prova é que pensa que o tal facilitismo só existe em Macau e que em Hong Kong é tudo duma exigência fantástica. No fundo, é um ingénuo.

Terras do Oriente disse...

Hehehehe, talvez seja por causa disso que ele nunca fala sobre o assunto.
abraço

Anónimo disse...

ainda hei-de ver tropas macaenses a marchar sobre beijing acompanhados do 3º exército português com os seus novos carros blindados gentilmente cedidos pelos EUA...

Leocardo disse...

Temos aqui o anónimo das 21:40, que conhece a fundo o sistema de ensino em Hong Kong, ou é apenas parvo. Inclino-me para a segunda.

Cumprimentos.

Anónimo disse...

Conheço o sistema de ensino em todo o mundo. O sistema de ensino em qualquer país, hoje, só tem um objectivo: uma estatística bonita, com quase 100% de sucesso, mesmo que saiam de lá todos tão ignorantes como entraram.

Leocardo disse...

Ah bom, então ainda é pior do que eu pensava.