quarta-feira, 26 de março de 2008

E eu que protesto por tudo e por nada


Dizem que foi a demoção da estátua de Ferreira do Amaral da rotunda com o mesmo nome, em frente ao Hotel Lisboa, que marcou o fim da influência portuguesa neste enclave do Oriente. Mas foi no dia 20/12 do ano de 1999, que a bandeira lusa deu lugar às duas que podemos hoje encontrar na grande maioria dos orgãos governamentais do território: a bandeira da RAEM (um amigo meu croata disse-me que era a bandeira da Adidas) e a da RPC. A nova RAEM era como um bloco de folhas brancas novinhas, prontas a estrear. O problema, passados todos estes anos, foram os cotovelos a esbarrar no tinteiro (sim, tirei esta piada da Mafalda, de Quino, e depois?).

Isto até não começou mal, vivia-se um ambiente de confiança pós-natal, um futuro que se queria brilhante. Depois veio o pânico do SRAS, e finalmente as novas concessionárias do jogo vieram trazer empregos para todos. Agora temos a inflação, o maldito dólar que nunca mais se endireita, a pataca debilitada, tudo com efeitos visíveis no qualidade de vida dos cidadãos. Só o preço do metro quadrado para habitação continua a ser apenas para “gente grande”. No fundo todas estas oscilações não são mais que o resultado de viver aqui encaixado entre um ou dois barris de pólvora e outras economias que viajam à velocidade da luz.

As manifestações sucedem-se, pois, e quem somos nós para dizer que os cidadãos da RAEM não podem exercer os seus direitos de associação e manifestação consagrados na Lei Básica? E olhando por exemplo aos cartazes que seguram durante as polémicas manifestações do 1º de Maio (e já só falta um mês!), pedem mais transparência, menos corrupção, insurgem-se contra o tal artigo 23, pedem mais emprego, fazem um escarcéu que deixam muitas cabecinhas pensadoras a discutir a legitimidade que a malta tem em passar pela Av. Almeida Ribeiro, ou perturbar a ordem pública, o comércio, o turismo e tudo mais. Há mesmo quem defenda que o feriado é para passear, fazer compras, ficar em casa de papo para o ar, ou ir à piscina com os filhos. Ora para esse efeito existem anualmente 21 outros feriados e tolerâncias. Nós que fomos abençoados com uma RAEM de inspiração budista e cristã, que nos permite usufruir de todos esses feriados. Disso não nos podemos queixar, sem dúvida.

Mas é só de transparência que vive o homem? E serão apenas os trabalhadores da construção civil que foram deixados de fora desta economia de sucesso? E que tal, sei lá, um punhado de cartazes que exigam mais qualidade nos cuidados de saúde, passando por mais um hospital público? E que tal exigir mais segurança nas escolas, ou que se apliquem, sem mais rodeios, as leis anti-tabágicas como já acontece na maioria dos territórios desenvolvidos na região? E que se tomem medidas reais para combater a inflação e o problema da habitação? E a poluição, e a situação caótica do trânsito e a falta de lugares de estacionamento? E o aumento da criminalidade violenta? Isto são problemas que não sairam da cabeça de meia dúzia de malucos. São problemas reais que afectam um segmento importante da população, mesmo que alguns prefiram sofrer em silêncio.

É que ao contrário de algumas opiniões congratulo-me que existam em Macau mecanismos, funcionem eles ou não, que permitam aos cidadãos expressar o seu desagrado e descontentamento por situações diversas. Se nos habituamos a comer calados, ficamos expostos às maiores atrocidades. E não é que esses mecanismos resultem sempre. Basta olhar para o caso do edifício na Calçada do Gaio que vai eventualmente tapar a visão do Farol da Guia. Apesar do bater de pé que chegou inclusive às autoridades da RPC, as obras não pararam um segundo. Mas negar aos cidadãos – por muito pouca razão que possam ter – o direito a expressar o seu desacordo com esta ou aquela política, esta ou aquela decisão, é das coisas mais anti-democráticas de que me consigo lembrar neste momento.

Acho bem que haja quem esteja satisfeito, e a vida não é só desgraças. Eu por exemplo até nem me queixo muito, só que aprendi a olhar para além da minha janela e não sei se é por inclinação ou dever moral que penso no sofrimento dos agregados familiares que vivem com menos de dez mil patacas por mês, ou dos jovens que querem casar e não têm meios de adquirir habitação própria. Se por acaso não fazer barulho ou não levantar ondas é alguma forma de demonstrar “amor à patria” (tão em voga nos últimos tempos), penso que deve ter havido aí algum engano. É que antes de criticar e acusar convem saber porque fazem barulho, e se já esgotaram a via do diálogo. E nem todos têm a oportunidade de conviver de perto com a cúpula do poder, ou trocar opiniões, às vezes à mesma mesa, com quem está no centro das esferas de decisão. Já dizia o povo e com razão: em casa onde não há pão…

Parece-me bem que o Chefe do Executivo venha agora apelar às associações locais que profissionalizem a sua vertente política e que passem a intervir mais na vida política de Macau. Não chega só apontar os problemas, há que pensar também nas soluções. Assim sim, que pelos vistos andar a depender dos “tai-lous” foi chão que nunca deu uvas. Dá para acreditar em politicos de “part-time” que utilizam um sistema eleitoral que se quer democrático para serem eleitos, e irem para a Assembleia tratar da sua vidinha e dos seus negócios? Que têm os filhos a estudar (e em muitos casos a residir) no estrangeiro? Será que eles próprios acreditam no futuro da RAEM ou é esta apenas vista como uma oportunidade de negócio, uma máquina de fazer dinheiro?

É bom que os que acreditam na RAEM e querem permanecer nesta terra e que querem um futuro para os seus filhos que não passe pela emigração ou o regresso ao “país de origem” se comecem a mexer, por assim dizer. E era bom ver a nossa comunidade expatriada começar também a intervir mais na vida deste território onde, no fim de contas, já passaram ou vão passar uma grande parte das suas vidas, em vez de se preocuparem tanto com as venturas e desventuras do nosso longínquo país em bolandas, e que já só serve praticamente para ir de férias. Já fui acusado aqui de pintar um retrato negro do que passa em Macau, mas com o que é bom posso eu muito bem. Não faz sentido tocar o sino de hora em hora durante a madrugada berrando “all is well”.

1 comentário:

Anónimo disse...

Exactamente. A comunidade portuguesa, independentemente do número de pessoas, tem a legitimidade e a responsabilidade de ter algo a dizer quanto ao futuro de Macau. 500 anos de história conjunta merecem respeito e consideração, se não pela comunidade chinesa local, de Pequim.

Acredito que cabe à comunidade portuguesa dar o exemplo de civismo, de responsabilidade, e continuar a mostrar a diferença pna forma como se preocupa por Macau e as suas gentes.

O desinteresse da comunidade Portuguesa por Macau reflecte-se no cada vez mais rápido esquecimento e "encostamento" dos quadros lusos locais. Consequentemente, as manifestações culturais, o carinho por expressões portuguesas, etc irão desaparecer. Serão apenas "Kuai Lous" genéricos que, como os outros, apenas se preocupam em estorquir dinheiro.

"Se não querem saber de nós, porque havemos de lhes dar atenção ou valor?"

o DIreito de Macau, que requer o Português, eentualmente irá abandonar a lingua. O Instituto Cultural, com cada vez maior orçamento, e verificando que menos barulho se faz pela falta de informação e produtos culturais portugueses, passará a se "esquecer" de trazaer artistas portugueses a Macau.

Como diz o Leocardo, não sejam ingratos à terra onde passarão grande parte das suas vidas. Ela é a vossa terra, também.

Sugiro que olhem para a Festa da Lusofonia, por exemplo. Esta festa poderia ser um cartaz de tamanho peso como o "Festival das Artes" ou "de Música". Porquê? Porque é único na região. Macau nunca poderá competir com Hong-Kong em termos de cartaz cultural convencional, porque não tem quadros organizativos conhecedores e capazes de trazer programação do mesmo cariz. Porém, a Festa da Lusofonia é um produto cultural local GENUINO, diferente e único que, com o devido investimento e promoção, se poderia tornar um grande cartaz internacional de Macau.

Votos para que entidades privadas e o próprio turismo de Macau tome a iniciativa de levar a Lusofonia a outro nivel.

Este é apenas um exemplo do que a lusofonia pode trazer a Macau- é preciso é que a comunidaded local olhe para Macau, pense na sua situação estratégica na China, e lute pelos interesses do território.

Só assim será uma comunidade respeitada e dignificada. Um pouco mais de união e menos individualismo também ajudava.