quinta-feira, 27 de março de 2008

A ilusão do jogo


Não é o jogador que domina o jogo, mas sim o contrário. Nada mais é do que uma questão de sorte. Quando esta premissa deixa de ser uma realidade, e o indivíduo se deixa dominar por uma “ilusão”, então está dado o sinal de alarme. O caminho para a doença está a um passo. Conclusões do psicólogo e académico canadiano, Robert Ladouceur, presente ontem na Universidade de Macau para um seminário sobre o jogo.

Perante uma plateia cheia de académicos, curiosos, jornalistas e estudantes, Robert Ladouceur apresentou os resultados de estudos realizados, ao longo de vários anos, no que toca, principalmente, ao mundo de Las Vegas, aquele que conhece melhor, mas que poderão ser adaptados ao universo asiático. Com a legalização do jogo a ser uma realidade nos países ocidentais e asiáticos, Robert Ladouceur veio discutir o desenvolvimento de sérias patologias ligadas ao vício do jogo que levam à necessidade de recorrer a ajuda especializada.

Garantindo que as probabilidades não são favoráveis, e que apenas uma pequena percentagem, em raras ocasiões, consegue realmente ganhar, o académico lançou uma pergunta à audiência: “Se se joga apenas pela possibilidade de vir a ganhar e tão poucos realmente conseguem, porque é que as pessoas continuam a jogar?” Um aparente “paradoxo”, intimamente ligado ao verdadeiro motivo que leva as pessoas a continuar. A resposta, baseada em exemplos e casos práticos, foi rápida: “Enquanto jogamos a maioria esquece-se que o resultado é um mero produto do acaso.”

Dando inúmeros exemplos do que tem vindo a assistir em Las Vegas, Ladouceur afirma que frases como “vou vencer a máquina”, ou o facto de, quando estão a jogar à roleta, algumas pessoas analisarem os números que saíram anteriormente de forma a prever o resultado, mostram que uma grande percentagem se esquece de que se trata apenas de um fruto do acaso. Tendo inquirido vários indivíduos sobre o que comentam, manifestam ou expressam antes de lançar os dados ou indicar os números, apercebeu-se de que “75 a 80 por cento tem monólogos internos baseados em falsas percepções”. Por isso, se ouvem frases como “hoje é o meu dia para ganhar, perdi duas noites de seguida”, “estou numa maré de sorte” ou “a sorte tem de mudar”. Assim, salienta o académico, há um denominador comum a todos estes comportamentos: “todos estes indivíduos relacionam factores que são independentes por natureza”. Factores que podem ser “jogos anteriores, sensações ou outros”. Uma forma de tentar prever o imprevisível, remata.

O que acontece é que “a maioria pensará que tem uma estratégia qualquer”, quando, na realidade, se esquecem que “o resultado do jogo é fruto do acaso”. Porque é que tal sucede? A resposta certa não se sabe. “Talvez porque toda a nossa vida temos ouvido dos nossos pais e professores que temos de pensar nos eventos passados para aprender”, diz. Mas, adverte, “o jogo é a única actividade humana em que é inteligente não ter em conta eventos ou factores anteriores”.

Baseando-se em modelos de estudo determinados por investigadores dos EUA, Custer e Milt, o académico salienta que “ganhar logo no início uma grande quantia aumenta as expectativas, no sentido de encorajar a jogar cada vez mais – e tal deverá persistir mesmo depois de sofrer perdas”. Por isso, é que surgem comentários, no desenrolar de um jogo, como: “Não sabes jogar, não segues o padrão certo”. Sinais de alarme. Sintomas do desenvolvimento de uma patologia.

Dados teóricos que foram comprovados na prática por Ladouceur. Aliás, revela, a “maioria afirma no tratamento que teve grandes vitórias no início”. Em jeito de prevenção, o especialista alerta: “Atenção à forma como interpretam as vitórias.”

O académico divide os jogadores em quatro tipos: os que jogam raramente (baixo risco), os que o fazem por diversão (risco moderado), os que jogam esporadicamente (alto risco) e os que têm uma patologia (jogadores problemáticos). Pertencendo a maioria ao grupo de risco moderado, o académico não deixa de salientar que é preocupante que “cinco por cento da população total que joga tenha problemas”.

Como se identifica uma patologia? Quando se ouvem expressões como “jogo porque adoro baccarat” ou “não estou viciado, apenas adoro sentar-me numa mesa redonda”. São indícios de que aquela pessoa já “perdeu o controlo sob o jogo”, com as inerentes consequências para “a família e o emprego”, podendo, inclusivamente, “roubar dinheiro” e repetir, continuadamente, o jogo para “recuperar as perdas”. Quando se usa dinheiro que não se tem “significa que se está a tentar ganhar o que se perdeu”.
Coloca-se então a questão do tratamento. Citando Custer, um psiquiatra famoso na área, Ladouceur afirma que “só quando se reconhece que o dinheiro está perdido para sempre” é que se está “curado”. E quando se supera a “ilusão” de que “dinheiro ganho atrai mais dinheiro”. Mas, afirma, declarar a derrota face ao jogo é “muito difícil para o jogador”.

Assim, as componentes do tratamento psiquiátrico passam por “perceber o conceito de acaso, admitir e ter consciência das percepções erradas que levam a relacionar factores independentes por natureza, corrigir cognitivamente essas falsas percepções”. Os resultados poderão não tardar a surgir e, “daí a seis meses, pode estar curado”.

Luciana Leitão, in Tai Chung Pou

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