Ontem abordei a Margem Sul, e para a encomenda não ficar pela metade, hoje gostava de falar do resto do distrito de Setúbal. Este distrito, o meu distrito, estende-se do sul de Lisboa até ao Baixo Alentejo. Chega mais a sul que os distritos de Évora e Portalegre, Alentejo propriamente dito. Se aquela coisa da regionalização fosse mesmo para frente, no limite da loucura gostava de ver criada a República Popular do Alentejo, que englobasse os distritos de Setúbal, Évora, Portalegre e Beja, e governada pelo PCP, obviamente. Seria interessante. Uma área de 28000 km2 – mais de mil vezes a área de Macau – e pouco mais de um milhão de habitantes – apenas o dobro da RAEM. Espaço era coisa que não ia faltar. Dava para um montão de aeroportos, aérodromos e heliportos, ó Mário Lino, seu ignorante.
Quem deixa o meu Montijo e se dirige para sueste, dá com o concelho de Palmela, introduzido pela refrescante freguesia do Pinhal Novo, cujo nome faz lembrar uma marca de desodorizante ou um sabor dos rebuçados Halls. Apesar de ter apenas 25 mil habitantes, o Pinhal Novo tem cinco jornais, uma rádio, três ranchos folclóricos, três grupos corais, seis clubes desportivos, um grupo carnavalesco, um moto-clube e até um centro de paraquedismo e uma sociedade columbófila! É um pequeno mundo, que deve envolver todos os habitantes daquela pequena freguesia palmelense. De tédio é que eles não se devem queixar. Depois chegamos à histórica vila de Palmela, com o seu castelo altaneiro. O que não falta em Palmela é o que se coma, e à fartazana: sopa de favas, sopa caramela (uma “prima” da sopa da pedra), coelho à moda de Palmela, fogaças de Palmela, palmelenses, santiagos e lá está, o ilustre queijo de Azeitão, fabricado em série na Quinta do Anjo, outra das freguesias do concelho. E tudo regado com Moscatel do bom. Existe ainda a vila da Marateca, que rima com “queca” (“dei uma queca na Marateca”) . A origem deste nome é curiosa. Diz uma lenda que um príncipe lusitano se apaixonou por uma princesa mourisca, e trouxe-a até Palmela através do Rio Sado, levada por homens da sua confiança. Quando perguntaram à moça como tinha ali chegado, ela respondeu “pelo mar até cá”. Daí o nome Marateca. Leiam isto ao estilo do saudoso Prof. José Hermano Saraiva, e vão ver como fica mais charmoso.
Já aqui falámos do queijo de Azeitão, que levou o nome de uma região que compreende várias localidades: Vila Nogueira de Azeitão, Brejos de Azeitão, o célebre Portinho da Arrábida, entre outros. Em Vila Fresca de Azeitão fica a célebre Quinta da Bacalhoa, e o palácio com o mesmo nome. Diz-se que esta quinta foi baptizada em homenagem a D. Maria Mendonça de Albuquerque, filha de D. Afonso de Albuquerque, proprietária do palácio e da quinta e casada com um tal D. Jerónimo Manuel, que tinha a alcunha de “bacalhau”. Humor medieval, portanto. Hoje esta região ficou integrada no concelho de Setúbal, depois de se ter separado de forma litigiosa do concelho de Sesimbra no século XIV. Quase acabava em guerra!
E já que falamos de Sesimbra, eis aí um concelho bastante bonito, arejado e agradável. Em primeiro lugar um grande abraço aos cagalêtes, como são carinhosamente chamados os sesimbrenses. Conhecido sobretudo pelas suas praias, este concelho engloba as freguesias da Quinta do Conde (onde fica o Pinhal do General) , Santiago e Castelo. É nesta última que ficam localizados os maiores motivos de interesse, desde o castelo de Sesimbra, a Lagoa de Albufeira, o Cabo Espichel, a Gruta do Zambujal e a celebérrima Praia do Moinho de Baixo, mais conhecida por “Praia do Meco”, famosa pela prática legalizada do naturismo. Moinho de baixo…pois, pois. Quando era miúdo ouvia dizer que no Meco “era obrigatório andar nú”. Tudo ao léu. Fui lá pela primeira vez quando tinha 13 anos e na realidade não era nada assim. O nudismo só é permitido na parte da duna sul, e é facultativo. Confesso que nunca pratiquei. Gosto de ir à praia nadar e tenho receio que os peixinhos confundam com isco alguma parte que depois me venha fazer falta. De resto em Sesimbra (ou “Chesimbra” como dizem os cagalêtes) come-se bastante bem. Um deleite para quem gosta de marisco e peixe grelhado. Mesmo em épocas de crise como a actual, as marisqueiras estão sempre a rebentar pelas costuras no Verão.
E finalmente chegamos a Setúbal, cidade maravilhosa. Berço da cantora lírica Luísa Todi, do poeta Bocage, dos cantores “pimba” Toy e Clemente e do treinador José Mourinho. Terra do “carrapau” e do choco “frrito”, carralho! “Vames emborra Vitórria!”. À beira-Sado plantada, cosmopolita e única, sempre um prazer em visitar. É em Setúbal que fica o famoso hospital ortopédico conhecido por “Hospital do Outão”, localizado no Forte de Santiago de Outão, na barra norte do Sado. Quando éramos miúdos e alguém dizia “Então?”, respondíamos na brincadeira que “o Outão é em Setúbal”. E é mesmo. Existe na freguesia do Sado um local que se chama “Faralhão”. Isto tem que se lhe diga. Imaginem que alguém se engana e troca o “F” por um “C”? E as duas letras estão perigosamente próximas no teclado. Mas voltando a Setúbal, e já que aqui estamos, porque não ir à praia? Depois de passar a cimenteira da Secil, chegamos à Figueirinha, linda praia com as suas gélidas águas. Quem quer mais sossego (ou não…) pode optar por um piquenique no Parque das Merendas, onde se realizam faustosas sardinhadas e faz-se a apanha do caranguejo. Foi lá que vi em carne o osso o cantor António Variações, a bordo de uma pequena lancha. Há em Setúbal mais praia, e da boa. Podemos apanhar uma espécie de “jetfoil” e chegamos à Península de Tróia, e já estamos fora do concelho da sede de distrito. Muita gente não sabe isto, mas Tróia fica já no concelho de Grândola. Fiquei a saber isto quando acampei lá uma vez e li nas latas do lixo “Câmara Municipal de Grândola”.
E assim chegamos à vila morena, à beira do estuário do Sado, e entramos na parte alentejana do distrito. Grândola não deixa os seus créditos abrilescos por mãos alheias. Existe ali um monumento a José Afonso, outro à Liberdade, outro aos poetas populares a ainda outro ao 25 de Abril. Não tenho bem a certeza, mas acho que em todas as sedes de concelho do distrito de Setúbal existe pelo menos uma rua, largo ou praceta José Afonso e 25 de Abril. Quanto à origem do nome da vila, conta a lenda que existia ali denso mato onde se escondiam vários animais de caça grossa. Era ponto de encontro de príncipes e nobres, e D. Jorge de Lencastre terá mandado ali edificar uma casa, ao que se seguiram outros caçadores, formando uma pequena aldeia. Um certo dia, depois de mais uma caçada, cozinhava-se um robusto javali num caldeirão, e um dos caçadores terá exclamado em espanto: “Que grande, olha!”. O local ficou a ser conhecido então por “Grandolha”, mais tarde “Grandolla” até à forma actual. Descendo por Grândola e junto àquela auto-estrada infinita que liga o Alentejo ao Algarve encontramos o Canal Caveira, que apesar do nome tenebroso é famoso pelo cozido à portuguesa. Nada como encher a barriga no Canal Caveira antes de seguir a longa viagem até ao sol Algarvio.
A norte de Grândola temos o concelho de Alcácer do Sal, com a sua linda ponte ferroviária, e a sul temos o concelho de Santiago do Cacém, onde fica a estação arqueológica de Miróbriga, onde se encontram umas das mais significantes ruínas romanas do país. Neste concelho existe uma aldeia da freguesia de Vila Nova de Santo André com um nome que até parece brincadeira: Deixa-o-Resto, localizada perto do famoso (?) “Badoca Safari Park”, e onde habitam os…deixarrestenses? Será isso? Por detrás da origem deste castiço nome, conta-se que terá chegado a uma povoação um homem pobre a quem os aldeões ajudavam, trazendo alimentos e outros bens, e diziam-lhe quando sobrava qualquer coisa: “deixa o resto”. Faz todo o sentido. Fico esclarecido. Existe outra aldeia no Cercal que se chama “Teimosas de Cima”, e a sua correspondente “Teimosas de Baixo”. Ora estas não requerem qualquer explicação. Todos sabemos quem elas são, e normalmente são as sogras. O dsitrito encerra-se na costa Vicentina, em Sines e na sua famosa freguesia de Porto Côvo, e a partir dali temos Odemira, e o Alentejo profundo, a cortiça e a bolota. Vale a pena conhecer o distrito de Setúbal, quem sabe o mais rico e diverso de Portugal.
2 comentários:
Não sendo eu Sesimbrense, embora vivenda nesta bela Vila, a Pérola da Costa Azul, os Cagalêtes são os Setubalenses. A história dos cagalêtes está ligada à pesca (sorte), isto é quando um pescador está a apanhar peixe e o outro ao lado não, o que está a pescar é Cagalête...
um abraço
Jorge Santos
Grande prazer e ilustre prosa!
Estou deslumbrado com a qualidade e rica sabedoria que brota de cada sentença!
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