sexta-feira, 16 de novembro de 2012

O Grande Prémio é em Novembro, ó palerma!


Fica aqui o artigo publicado na edição de ontem do Hoje Macau, sobre o Grande Prémio. Por lapso, o último parágrafo do artigo ficou omitido na edição impressa, pelo que vos deixo a versão integral do texto.

Arranca hoje e até ao próximo Domingo a 59ª edição do Grande Prémio de Macau. E quando digo “arranca”, quero mesmo dizer que arranca. Não podia ter escolhido uma palavra melhor. A partir das sete da manhã e até ao final da tarde vai ser uma azáfama com os bólides a fazer roncar os motores pelo circuito da Guia num barulho ensurdecedor. “Vrrrummm….vrrrruuummm….vrrrrruuum” todo o santo dia, durante quatro dias. Quando era pequeno – e vejo Fórmula 1 mesmo desde antes de saber ler – tinha ouvido falar deste Grande Prémio de Macau, e pensava que se tratava de algum “meeting” entre os pilotos do Grande Circo. Era bastante ingénuo, confesso, mas pensava mesmo que o Nélson Piquet, o Alain Prost ou o René Arnoux, os “lobos” daquele tempo, vinham aqui a Macau e competiam numa espécie de corrida especial, ao estilo da banda desenhada de Michel Vaillant, de que era também grande adepto. Como no “Rendez-vous à Macao”, de 1983.
Ainda me lembro quando a Fórmula 1 voltou ao Estoril, em 1984, da minha avózinha ter ficado escandalizada por haver alguém que pagasse qualquer coisa como 15 contos “para ver os carros a passar”. Hoje concordo plenamente com esta visão simplista da minha saudosa avó. Mesmo aqui em Macau há quem pague mais de 1000 patacas para passar o dia inteiro ao sol a ver os bólides e as motos a passar, apertado entre centenas de outros curiosos comendo buchas inflacionadas. É verdade que o GP de Macau é um certame de respeito no calendário automobilístico internacional, mas aqui entre nós, ou se ama, ou se odeia. Há quem passe o ano inteiro a suspirar pelo Grande Prémio, e há quem simplesmente saia do território durante este fim-de-semana. Eu não sou um adepto do Grande Prémio. É uma coisa que polui, faz barulho e atrapalha a vida normal do mais pacato cidadão. Duas semanas antes das corridas já se torna impossível atravessar em frente ao Hotel Lisboa ou andar pela Avenida da Amizade. É como se vivessemos numa cidade sitiada. Há uma curiosidade que ainda não vi satisfeita: o que acontece com os residentes dos prédios da Estrada do Visconde S. Januário ou da Estrada D. Maria II? São indemnizados por terem os carros a passarem-lhes à porta às sete da madrugada durante o fim-de-semana ou quê?
Há quem só veja vantagens nesta coisa do Grande Prémio, e que se orgulhe dele. Mas na realidade Macau passava bem sem esta invasão de turistas grunhos ostentando casacos com marcas de pneus, motores e óleos, que vêm pensando que fazem cá muita falta. Na prática não existe em Macau qualquer negócio que dependa do Grande Prémio, e mesmo para a indústria hoteleira não iam ser estes quatro dias que iam fazer grande diferença. Atendendo a quem existe uma tradição de quase 60 anos e uma história respeitável, há quem ainda veja no Grande Prémio o “trampolim” para a disciplina máxima do automobilismo, a Fórmula 1. Isto já foi mais verdade. Dos vencedores dos últimos 10 anos, apenas o brasileiro Lucas di Grassi lá chegou, e temos que admitir que não é um bom exemplo. É verdade que Ayrton Senna, Michael Schumacher ou David Coulthard ganharam o GP de Macau, Vettel foi terceiro em 2005 e Button segundo em 1999, mas todos sabemos o que realmente interessa para que se chegue à F1: ter dinheiro e patrocínios. Tem muito pouco a ver com o talento. Ganhar o GP de Macau deixou de ser um requisito. Que o diga André Couto, vencedor em 2000 e eterna esperança do automobilismo de Macau, que nunca chegou à disciplina máxima.
Além da corrida de Fórmula 3, sem dúvida o prato forte do evento, temos ainda a decisão do mundial de carros de turismo, ou na sua sigla inglesa os WTCC. Yupi! Que é em Macau que se decide esta emocionante competição. Mas agora a sério, quem no seu perfeito juízo acompanha o mundial de WTCC? Seja como for, F3, WTCC ou Corrida da Guia, basta que um carro fique atravessado na curva Melco para que a festa acabe. Aí entra o pace-car e o GP de Macau torna-se um passeio de carros caros com indivíduos extra-pagos lá dentro. Curiosamente existe no território uma espécie de psicose que nem Freud explica. À medida que nos aproximamos da data do Grande Prémio, há uma tendência para que alguns residentes acelerem nas ruas. É o síndrome do GP de Macau. Pelo menos durante o resto do ano, posso dizer de viva voz cada vez que dou com um acelera: “O Grande Prémio é em Novembro, ó palerma!”.

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