1) Foi deixada cair a proposta de lei que tornaria a violência doméstica um crime público, uma vez que decidir situações deste tipo nas barras dos tribunais vai contra o princípio da "família harmoniosa". Permitam-me esmiuçar este conceito. "Violência doméstica" significa "violência em casa". Em todo o mundo temos violência, e em todo o mundo temos casas. Ora se existe "violência", não existe "harmonia". São conceitos díspares. O que existe em "casa" não é "harmonia", mas sim "violência", também conhecida por "porrada". Portanto, "desarmonia". Em muitos países e territórios civilizados a violência doméstica é um crime público, não só em Portugal, onde por acaso até vigora um adágio popular que diz "em briga de marido e mulher, não metas a colher". E deixemos de fora disto alguns países islâmicos, onde ainda se vive no tempo da pedra lascada, do neolítico. Mas a sociedade chinesa quer-se harmoniosa, portanto dois dentes a menos e um olho roxo a mais não têm importância. O problema é que se na casa do meu vizinho acontecer "desarmonia", não posso denunciá-la, mesmo que o barulho da gritaria, da choradeira, das cadeiras e dos copos pelo ar venha perturbar a minha própria harmonia. Muitas associações criticaram esta decisão, mas se calhar estão enganadas, e foi feita por aí alguma consulta pública em que a maioria dos inquiridos até não acha mal que uma mulher refilona leve um safanão bem dado ou um pontapé nos ovários. Quem achou muito bem foi a Associação das Mulheres, esses grandes patriotas, que acha mais importante "o apoio e assistência às vítimas". Para quê meter a polícia e os tribunais ao barulho, se há pensos, ligaduras e mercuriocromo quanto baste? E viva a harmonia!
2) Centenas de pessoas pernoitaram na noite de Sábado para Domingo à porta do Estádio de Macau para adquirir bilhetes para o concerto de Eason Chan na RAEM no próximo dia 20, indiferentes ao frio e à chuva. Um dos jovens entrevistados pela TDM disse ser um grande fã do cantor, e que não queria perder "este momento tão especial". Epá segurem-me que vou desmaiar. Este não é o primeiro nem será o último espectáculo que Eason Chan faz em Macau, e quem é mesmo fanático pelo cantor pode sempre apanhar um dos vários concertos que dá por ano em Hong Kong, de onde é natural, e que fica mesmo aqui ao lado. Este é mais um caso de miserabilismo e ganância que faz corar de inveja o mais somítico dos judeus. Os bilhetes para o concerto, inserido no espectáculo de comemoração do aniversário da RAEM, custam apenas 50 patacas para residentes de Macau, e cada um tem direito a quatro bilhetes. Em Hong Kong um bilhete para um concerto de Eason Chan custa pelo menos 300 patacas, portanto é só fazer as contas: 4x50=200, 4x300=1200, o que vale por dizer que passar uma noite inteira à chuva e ao frio pode render mil patacas de lucro na revenda! Tivessem incluído com os bilhetes uma caixa de arroz, e juntavam-se à festa também mais umas centenas de velhinhas. Ai gentinha difícil de entender.
3) No programa Contraponto transmitido ontem pelo Canal 1 da TDM debateram-se, entre outros temas, as Linhas de Acção Governativa (LAG). Os comentadores residentes destacaram as críticas feitas à secretária para a Administração e Justiça, mesmo de deputados mais próximos do executivo. Realmente é injusto. A sra. secretária não tem culpa nenhuma dos problemas que mais afectam a população do território: a inflação, a especulação imobiliária, o estado deplorável da saúde, o trânsito, os transportes, etc., etc. O que os srs. deputados exigem de Florinda Chan é que faça uma tal "reforma administrativa", que demora. Reforma quê? É isso que está mal? Do que se trata essa tal "reforma" de que tanto se fala? Há por acaso alguma crise? Mas isto tem tudo a ver com a mentalidade chinesa. É claro que Chui Sai On ñão seria criticado abertamente pelos deputados em pleno hemiciclo. Isso ficava mal em termos de opinião pública. E para que serve a nº 2, então? Ela até recebe as críticas de peito aberto, e as balas resvalam suavemente na armadura. No fim eles até são capazes de ir beber um chá e brincar com o assunto. E o povão diz "sim senhor, afinal temos espírito critico na AL". É tudo tão coreografado como aquelas lutas de Wrestling americanas: não se vê mortes nem sangue. Com papas e bolos, enganam-se os tolos. Aposto que o próximo vai ser Lau Sio Io.
4) Arturo Calderon foi detido ontem à noite por suspeita de associação criminosa e posse de arma ilegal. O conhecido ex-agente da PJ era o nº 2 da seita 14K, liderada por Wan Kuok Koi, conhecido por "dente partido", e foi libertado há 3 anos depois de cumprir uma pena de 10. Calderon teria sido contactado por um trabalhador de um casino para contratar um assassino para a mulher deste, que o andaria a traír, recebendo para tal a quantia de 200 mil patacas. Isto é que é um funcionário de casino abastado. Uma história muito mal contada, e a gente finge que acredita. Em todo o caso, Calderon tinha um arsenal de armas ilegais em casa, o que já por si justificaria a sua detenção. O que faz disto notícia de destaque é o facto de Wan Kuok Koi sair da prisão daqui a menos de uma semana, e a detenção do seu antigo vice é entendida como um "aviso". O pior é que se calhar o senhor, com a detenção do seu amigo, fica agora sem boleia de Coloane para Macau. Voluntários?
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