quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Comunistas comodistas


Deliciosa a reportagem de Sónia Nunes para o Ponto Final da última segunda-feira, Macau e os primeiros comunistas. Um artigo cheio de episódios deliciosos, e que conta ainda com a útil ajuda do historiador e presidente do Instituto Confúcio em Portugal, Moisés da Silva Fernandes, especalista em assuntos sínicos.

Em primeiro lugar gostava de deixar claro que não nutro qualquer simpatia pelo comunismo ou pelos Partidos ditos comunistas por esse mundo fora, mas contudo dou-lhes mérito pela sua capacidade organizativa, pela forma como faziam da clandestinidade um modo de vida, pela força das suas convicções. Uma ideologia feita do homem para o homem, e que no seu tempo serviu para chocalhar com o marasmo vigente imposto pelo grande capital e a hegemonia da Igreja. São absolutamente condenáveis os excessos praticados pelos estalinismo, o maoismo e outras escolas, que levaram à morte e à ruína de milhões de pessoas. Um equívoco trágico.

Macau só começou a sentir os ventos da revolução chinesa nos anos 60, especialmente depois do início da Revolução Cultural, a tal que subverteu todo o tipo de valores e que é um poço sem fundo de relatos e curiosidades, ainda hoje. O regime colonialista português estava enfraquecido e a braços com a Guerra Colonial, e os eventos do "1,2,3" - assim chamado por causa do início da data dos eventos, 3 de Dezembro (12/3, na datagem inglesa) de 1966. Foi o início do fim do domínio português em Macau. Os "patriotas" de Macau sabiam muito bem que uma eventual mudança do poder em Macau seria sempre a favor do PC chinês, e quem tinha interesses a defender deveria estar sempre do lado certo da barricada. Do lado do único vencedor possível.

O equilíbrio do poder em Macau foi sempre muito agridoce, partilhado por dois polos completamente divergentes. De um lado os comunistas, extremistas e radicais, do outro lado os portugueses, ou a elite macaense, então dedignada por "portugueses de Macau", ala católica e conservadora. A revolução de 25/4 de 1974 nunca se fez sentir em Macau. Aqui todos os verões são quentes, e já agora húmidos. Para quê trazer para o território o Gonçalvismo, se o maoismo já se fazia sentir em todo o seu esplendor? Duvido que Cunhal, entretido com os seus amiguinhos sovietes, alguma vez se tenha preocupado com Macau. Nem convinha meter a sua colherzinha comuna na China, que na altura estava de costas voltadas com os ursos da URSS.

O artigo do Ponto Final dá uma descrição cronológica dos acontecimentos e das cogitações da sociedade macaense. É interessante notar que estes "patriotas", com destaque para Ho Yin e Ma Man Kei, eram homens de negócios, tendo muito pouco a ver com os princípios marxistas de base. Foram, e são, bem como as suas famílias, pessoas com um vasto ramo de negócios que vão para além das fronteiras do continente. Um relato divertido é assinalado, e passa-se com o pai do primeiro Chefe do Executivo da RAEM, que terá adquirido um porta-aviões e tentado vendê-lo por um preço astronómico ao regime chinês, e isto não terá caído nas boas graças de Pequim, o que abriu espaço para que O Cheng-peng, "muito mais patriota", se tornasse no líder de facto dos comunistas de Macau.

É mais que sabido que os empresários e homens de negócio de Macau são pessoas que têm interesses patrimoniais em países "capitalistas", como os Estados Unidos, Reino Unido, Canadá ou Austrália, o que nos leva a questionar a validade da sua ideologia. É também um facto que nos dias que correm, ter um cartão do partido na China é garantia de uma vida confortável, com muitas portas abertas para si e para os seus familiares. Os escândalos e os excessos sucedem-se, e no seu discurso de saída o presidente Hu Jintao chamou a atenção para o facto da corrupção poder significar num futuro próximo o próprio fim do regime. A ambição tornou-se desmedida, e os princípios socialistas foram praticamente esquecidos. Os Ferraris, as vivendas e as amantes não caem bem a quem tem que labutar de sol a sol para pôr o arroz na mesa da sua família. Os que batem o peito e juram fidelidade à República Popular e ao seu povo vão tendo cada vez menos credibilidade, e o povo - essa massa gigantesca - vai tendo cada vez mais consciência disso. Afinal, sois comunistas, ou comodistas?

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