quinta-feira, 17 de julho de 2014

Pelo menos estamos vivos...


Propus-me a um pequeno exercício de auto-flagelação dos sentidos, a um acto de masoquismo, e resolvi decorar este artigo com bolos. Que lindos bolos estes, e o leitor mais curioso (e guloso), acometido de curiosidade (e larica), terá vontade de perguntar onde se podem encontrar estas delícias com um óptimo aspecto. Será na "cakeshop" do Grand Lapa? No "Lafayette" do New Yaohan? Provavelmente em alguma loja de um dos hotéis-casinos do COTAI, tal é a originalidade - e devem ser bem caros. Originais, sem dúvida. Caros, nem por isso, mas falamos de preços mais à frente. COTAI? Talvez, mas duvido e faço pouco. É claro que os pecados açucarados que vou exibir neste "post" só se podem encontrar fora de Macau. Esta imagem foi recolhida numa loja da Goldilocks em Cebu, nas Filipinas, por exemplo. E de facto é quando saimos do território que chegamos à conclusão que aqui não temos nada. Nada de nada. Somos uns miseráveis, e abaixo de nós deve estar apenas a Coreia do Norte, onde uma fatia de pão-de-forma com margarina da mais reles é considerado um banquete.


Lembrei-me de falar nisto esta manhã, enquanto comprava pequeno-almoço perto do serviço, e deu-me uma nostalgia que quase me fez cair num ataque de choro. Acordei especialmente cedo, bem disposto, e sai de casa igualmente cedo, mais que o habitual, e apesar de ter o frigorífico guarnecido de queijo Mimosa, iogurtes, cereais, sumos e outros ingredientes que dariam um nutritivo e delicioso pequeno-almoço, preferi comprar qualquer coisa lá fora, e já que ia chegar cedo ao trabalho, podia comer calmamente sem prejuízo para a minha entidade patronal, que passaria alguns minutos sem poder contar com o meu importante contributo (oh, oh). Não foram precisos mais de dois minutos depois de sair de casa que me deu uma epifania, mas ao contrário. Ao calcular o percurso e os locais que encontraria abertos antes das 8:30 da manhã apercebi-me que já não estava mais em Cebu, Pattaya ou Bangkok, mas sim em Macau.


À medida que passava pelos cafés do costume que servem tostas com manteiga ou com aquele fiambre lisinho e esquisito ou o intragável queijo quadrimétrico, que mais se assemelha a plástico amarelo derretido, recordava-me das lojas da cadeia de "fast-food" Jollybee, nas Filipinas. Entre uma careta e outra que me saía enquanto respirava o fumo que saía das lojas de sopas de fitas, onde os mais audazes começam o dia a consumir a sua dose de monoglutimato de sódio, pensei no cheirinho bom que sentia vindo do restaurante mexicano que ficava ao virar da esquina no hotel em Bangkok, e que começava a servir tacos logo pelas seis da manhã. Quando olhava para os pães deprimidos e impossíveis de identificar que via na montra das padarias ou nos tabuleiros deste povo triste, lembrei-me de das pastelarias dessas cidades por onde tinha acabado de passar, onde o mais difícil era escolher. E era mesmo isso que fazia quando ia de manhã ao 7-11 mesmo ao lado do hotel em Cebu, e comprava tanta coisa que só tinha outra vez apetite ao fim da tarde, Aqui entro num 7-11 e sinto-me como se estivesse num supermercado cubano, onde as prateleiras estão quase vazias e o pouco que resta provoca-me náuseas.


Como estava mesmo a ficar com fome, passei por um supermercado, que aquela só pode ser mesmo um daqueles que está aberto 24 horas por dia. Tudo o que ali existia em termos de oferta resumia-se a iogurtes e massas instantâneas. Juro que quase me vinha uma lágrima ao olho quando me veio a memória o supermercado em Pattaya, mesmo atrás do último hotel onde fiquei, e que às sete da manhã vendia pão de mil e uma formas e feitios, bretzels, tortas de maçã e de amora tão frescas que ainda mexiam, e só ficava com pena de não poder levar tudo. Parecia um sonho lindo. Acabei por comprar no 7-11 umas massas instantâneas, daquelas que se ressuscitam após três minutos no microondas. No pacote lia-se "Vermicelli beef noodles", o que me leva a pensar que o gajo que escreveu aquilo estava com veia poética nesse dia. Eu chamaria-lhe "elásticos cor-de-laranja com excrementos de coelho". E lá se foi a boa disposição matinal, e pronto, vou infeliz mas pelo menos consegui enganar o estômago, que me passa a vida a chatear e a perguntar onde estão os "apple-crumbles" e os "turkey-subs" da semana passada, ou por aquela pizza que sobrou do dia antes, e que devorei ainda na cama quando acordei ainda um dia destes num hotel em Cebu. O pior é que se não for almoçar a casa, a perspectiva não é mais animadora. Em Macau a maior parte das pessoas comem ao almoço praticamente o mesmo que comem ao pequeno-almoço, ao ponto de não ser possível distinguir uma coisa da outra - isso não é comida, é ração! Uns nachos com queijo e carne com uma vasilha de "margarita" para empurrar, como ali em cima, é que não passa de utopia.


Agora é possível que alguém esteja a pensar que estou a ser básico, e que em Macau as pessoas comem o que gostam, e que não estamos nas Filipinas nem na Tailândia. Epá oiçam bem, que só digo isto uma vez: ISSO É MENTIRA! MEN-TI-RA! Toda a gente gosta de coisas boas, e não sei porque carga de água não temos acesso a essas coisas boas, já que apregoam tanto que temos os cofres a abarrotar de nota. Porque é que não podemos ter um Dunkin' Donuts e comer aquelas delícias que vemos ali em cima? Porque é temos praticamente um McDonald's em cada esquina, e nenhum Burguer King? Até pode ser que haja, mas é lá para cascos-de-rolha e para ir lá comer é preciso praticamente organizar uma excursão em família. E porque é que temos 1 (um) KFC, e é atirado ali para o Sands? Lembram-se daquele Subway's que tinhamos ali para os lados do NAPE, e que entretanto fechou? Fui a um muito maior em Bangkok, e fiz figura de rústico enquanto a menina para escolher entre os inúmeros pães, carnes frias, legumes e molhos que entrariam na minha sanduíche. Acho que esteve quase para perguntar se onde eu vinha existia Subway's. E já viram se perguntasse? Eu ia responder que não! Reparem no ar das pessoas de manhã cedo nessas padarias da Maxim's e da Minim's e do tanas com um ar deprimido, de quem só vai enfiar aquelas imitações de sanduíche no bucho para não passar fome. Sujeitam-se a comer aquelas porcarias porque são preguiçosas e não querem tirar o cu cedo da cama, são pouco exigentes, e acima de tudo são somíticas.


E isto leva-me à questão das razões porque não temos direito a coisas boas. Primeiro há as rendas e não-sei-quê, já se sabe, de que também temos a culpa, por ter deixado as coisas chegarem ao ponto que chegaram, e depois porque esta gente é para lá de miserabilista. No dia seguinte ao meu regresso ao Macau, no Sábado, esperei pelas dez horas para ir comprar pão na "Lafayette", do New Yaohan, onde ainda se consegue encontrar alguma coisa de jeito. É uma hora bestial para uma padaria abrir, dez horas, quando já está toda a gente a trabalhar. Adiante. Enquanto esperava pela minha vez, estava lá um casal com uma filha pequena ao colo que olhava para a montra dos bolos como um burro olha para um palácio, e a certo ponto a senhora aponta para uma fatia de "New York Cheese Cake", e o indivíduo berra de repente quando se apercebe do preço: "O quê??? Quarenta patacas?!?! Uaaaa!!!" - 40 patacas que soaram a 40 milhões de patacas. Enquanto constatava que neste mundo existiam produtos de pastelaria cujo preço de uma fatia era provavelmente mais do que ele gasta no almoço e no jantar (e não tinha nada ar de ser pobre), exibia a dentadura cagada do tabaco. Certamente que as 40 patacas que ia economizar não comprando o bolo de queijo não iam para o dentista. Mesmo os 600 paus que o Governo dá por ano para se gastar em cuidados de saúde já devem ter sido aplicados em barbatanas de tubarão, ninhos de andorinha ou outra inanidade qualquer que os chicos-espertos compram através de um expediente, julgando que assim ficam ainda mais espertos.


Por acaso não sou grande adepto de bolo de queijo, e 40 patacas, por muito bom que fosse o aspecto, é quase o dobro que se paga por uma coisa ainda melhor fora de Macau, mas se me apetecesse investir esse montante em algo que me deixasse feliz, não hesitava, e não pensava se podia usar o dinheiro no almoço ou noutra coisa qualquer - há horas para tudo. Quando começo com estas diatribes, a minha mulher diz-me que "as pessoas de Macau têm outros objectivos, e investem o dinheiro de outra forma". Acredito, e devem estar a juntá-lo para depois de morrerem serem enterrados com ele! E não me venham com tretas, pá. Em Hong Kong, mesmo aqui ao lado, temos todas estas coisas boas e muitas mais, e estamos a falar praticamente das mesmas pessoas, da mesma cultura, da mesma região e dos mesmos gostos. Porque havemos nós de andar infelizes, e ficar espantados com as maravilhas que encontramos quando saimos daqui? A não ser que o positivismo tenha atingido um novo patamar em Macau, e que já deviamos estar agradecidos por ainda nos encontrarmos vivos. Se for esse o caso, dispenso, obrigado. Comam vocês essa merda.

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