quarta-feira, 23 de julho de 2014

Engolir um Jiang



Aqui está mais um "assunto sensível" para a sempre atenta e rigorosa censura chinesa, e na forma de um sapo insuflável, imaginem. O sapo tem para os chineses uma conotação com a prosperidade, com a fortuna, e quem vive por estas bandas já terá visto certamente aquelas representações metálicas do anfíbio com uma sapeca presa na boca. Foi talvez com isto em mente que os responsáveis do parque Yuyuantan em Pequim tenham decorado o lago com um sapo de borracha insuflável com 22 metros de altura - se é prosperidade, quanto mais melhor. Tudo bem, e se olharem para a imagem em cima concordarão que até não é de mau gosto, e não destoa do resto da paisagem. O problema foi quando na internet (sempre a maldita internet, dirão eles) se começaram a fazer comparações com Jiang Zemin, presidente do PC chinês entre 1989 e 2002, e presidente e líder de facto do país entre 1993 e 2003, sucedendo a Deng Xiaoping e iniciando a nova era que impõe um limite de dez anos para cada mandato de um presidente da China. Apesar de ter descido da cadeira do poder há mais de uma década, e dos rumores sobre o seu estado de saúde, Jiang ainda é uma figura influente no partido, mesmo com as notícias que dão conta de alguns dos seus colaboradores mais próximos estarem a ser investigados por suspeitas de corrupção, no âmbito da campanha de "limpeza" iniciada pelo actual presidente Xi Jinping, que assumiu os destinos do país no ano passado.

O sapinho estava muito bem a gozar na plenitude a sua majéstica insulfabilidade no lago pequinense, mas assim que as comparações começaram a ser feitas, entrou a acção a "Grande Muralha", nome dado ao sistema de censura que bloqueia "websites" considerados subversivos, ou apenas incómodos. O facto de não ser mais possível aceder a imagens do sapo de Yuyuantan ou a qualquer história relacionada com ele prova que os critérios dos censores são tudo menos claros, e assentam numa imprevisibilidade que só se pode considerar...imprevisível - é complicado entender o que vai naquelas cabecinhas. Já no ano passado haviam surgido alguns problemas com o célebre patinho de borracha amarelo, uma criação do artista holandês Florentijn Hofman inspirada num clássico boneco de borracha com que os bebés costumam brincar no banho, e que chegou a boiar no Kowloon Harbour, aqui ao lado em Hong Kong. Gente mal intencionada usou o Photoshop para recriar o cenário do herói anónimo que se colocou em frente ao um tanque em 4 de Junho de 1989 na Praça de Tiananmen, uma das imagens icónicas do massacre operado pelo exército de forma a dispersar o movimento estudantil, e a internet chinesa apressou-se a censurar. Para quem considera que o inocente sapo agora tornado polémico não oferece grandes semelhanças a Jiang Zemin, saiba que partilho da mesma opinião, mas não se preocupem, que um responsável do parque já garantiu não existirem planos de o retirar. E no fundo isto abre um precendente perigoso: cada vez que não nos agradar uma imagem, basta associá-la a uma figura pública respeitada, e pode ser que a retirem. Na China pelo menos parece que funciona assim.

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