sexta-feira, 18 de julho de 2014

Barcelos e Bangkok, à distância de um galo


E já que estamos numa de multiculturalidade, da aproximação de culturas e de distâncias, coiso e tal, vou relatar um pequeno episódio que se passou comigo no último dia em Bangkok, na semana passada, antes de regressar a Macau. Fazia umas compras num centro comercial em frente ao hotel, quando deparei com este restaurante entre os muitos e variados que ali existiam, e que prometia algo a que poucos portugueses longe do seu Portugalinho conseguem resistir: frango assado com piri-piri. E não era apenas coincidência nem aldrabice, pois apesar de não se tratar da churrasqueira do Lumiar ou do Rei dos Frangos de Odivelas era o frango assado no espeto "à nossa moda". Estava lá escrito em estrangeiro e tudo, ó: "portuguese flamed grilled chicken", e eu não andei anos na escola a aturar as "teachers" em vão. Para tornar a proposta ainda mais atraente, tinha o desenho de um frango muito descontraído onde se lia "eat me". Eu nunca recuso este pedido quando me é feito em duas situações: por uma gaja boa, e por um frango assado. Como dizia "piri-piri" em cima e tudo, resolvi entrar.


Como o estômago estava a dar horas (já eram quase duas da tarde) e fica difícil pensar de barriga vazia, fui directo ao assunto. Apesar da oferta do menu ser bastante diversificada, optei pelo prato da casa, o frango no churrasco - assim, assado, com batatas fritas e salada, "piri-piri" à parte, à vontade do freguês, e sem mais paneleirices. Duvido que a ave propriamente dita tivesse feito a longa viagem desde Portugal até ao meu prato ali, na capital tailandesa, mas pelo menos a receita foi cumprida de um modo que posso considerar satisfatório. Lembrei-me apenas de registar o momento depois de ter dado duas dentadas no bicho, mas garanto-vos que foi sem intenção; é que o gajo continuava a provocar-me, com aquele "eat me, eat me", o velhaco. Bom, escusado será dizer que no final só restaram as ossadas. Paz à sua alma (de)penada.


Foi já de papo cheio que comecei a apreciar o meio que me rodeava com mais atenção, e notei a presença do galo de Barcelos, esse personagem do nosso imaginário medieval, que alegadamente terá saltado do prato do rei, e cantado a pedido de um condenado à morte que se jurava inocente. As lendas são que são, e dificilmente uma ave já cozinhada e prestes a ser consumida se ia pôr cantar, mesmo que o tal rei gostasse do frango mal passado (que diacho, alguém gosta?), e ainda não existissem os competentes espetos onde os cadáveres depenadas vão adquirindo uma tez corada, à medida que se processa uma lenta mas eficaz rotação. Mas adiante, o galo estava em toda a parte naquele restaurante em pleno centro de Bangkok: era nas paredes, nos menus, nas cadeiras, na janela, etc, etc. Mesmo que o resto da decoração não sugerisse portugalidade por aí além, estava ali o galo de Barcelos que não deixava margem para dúvidas.


Quando fui pagar, deparei com este cartaz mesmo atrás da caixa, onde se lia "a velha lenda do Galo de Barcelos, Portugal", em inglês, mas sem adiantar detalhes sobre a lenda propriamente dita. Que enternecedor, e eu até parecia uma criança babada enquanto tirava esta foto, parvamente orgulhoso da dimensão do nosso "cock", que se estendia de Barcelos até à Tailândia. Ao deparar com o ar surpreendido da menina por detrás da registadora, expliquei-lhe que aquilo me dizia alguma coisa, pois "sou português", ou "pótukee", que é como eles entendem melhor. Ficou na mesma, coitada, sem estabelecer a relação entre uma coisa e outra. E do que estava eu à espera, também? Comer de borla, por ser português? Que a jovem chamasse o resto do pessoal para me fazer uma festa e dançar o corridinho? Aquilo para ela é um emprego, e trata-se de um restaurante, não de um museu. E ter saído com o frango na barriguinha já não foi mau de todo.

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