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E já que estamos numa de multiculturalidade, da aproximação de culturas e de distâncias, coiso e tal, vou relatar um pequeno episódio que se passou comigo no último dia em Bangkok, na semana passada, antes de regressar a Macau. Fazia umas compras num centro comercial em frente ao hotel, quando deparei com este restaurante entre os muitos e variados que ali existiam, e que prometia algo a que poucos portugueses longe do seu Portugalinho conseguem resistir: frango assado com piri-piri. E não era apenas coincidência nem aldrabice, pois apesar de não se tratar da churrasqueira do Lumiar ou do Rei dos Frangos de Odivelas era o frango assado no espeto "à nossa moda". Estava lá escrito em estrangeiro e tudo, ó: "portuguese flamed grilled chicken", e eu não andei anos na escola a aturar as "teachers" em vão. Para tornar a proposta ainda mais atraente, tinha o desenho de um frango muito descontraído onde se lia "eat me". Eu nunca recuso este pedido quando me é feito em duas situações: por uma gaja boa, e por um frango assado. Como dizia "piri-piri" em cima e tudo, resolvi entrar.
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Como o estômago estava a dar horas (já eram quase duas da tarde) e fica difícil pensar de barriga vazia, fui directo ao assunto. Apesar da oferta do menu ser bastante diversificada, optei pelo prato da casa, o frango no churrasco - assim, assado, com batatas fritas e salada, "piri-piri" à parte, à vontade do freguês, e sem mais paneleirices. Duvido que a ave propriamente dita tivesse feito a longa viagem desde Portugal até ao meu prato ali, na capital tailandesa, mas pelo menos a receita foi cumprida de um modo que posso considerar satisfatório. Lembrei-me apenas de registar o momento depois de ter dado duas dentadas no bicho, mas garanto-vos que foi sem intenção; é que o gajo continuava a provocar-me, com aquele "eat me, eat me", o velhaco. Bom, escusado será dizer que no final só restaram as ossadas. Paz à sua alma (de)penada.
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Foi já de papo cheio que comecei a apreciar o meio que me rodeava com mais atenção, e notei a presença do galo de Barcelos, esse personagem do nosso imaginário medieval, que alegadamente terá saltado do prato do rei, e cantado a pedido de um condenado à morte que se jurava inocente. As lendas são que são, e dificilmente uma ave já cozinhada e prestes a ser consumida se ia pôr cantar, mesmo que o tal rei gostasse do frango mal passado (que diacho, alguém gosta?), e ainda não existissem os competentes espetos onde os cadáveres depenadas vão adquirindo uma tez corada, à medida que se processa uma lenta mas eficaz rotação. Mas adiante, o galo estava em toda a parte naquele restaurante em pleno centro de Bangkok: era nas paredes, nos menus, nas cadeiras, na janela, etc, etc. Mesmo que o resto da decoração não sugerisse portugalidade por aí além, estava ali o galo de Barcelos que não deixava margem para dúvidas.
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Quando fui pagar, deparei com este cartaz mesmo atrás da caixa, onde se lia "a velha lenda do Galo de Barcelos, Portugal", em inglês, mas sem adiantar detalhes sobre a lenda propriamente dita. Que enternecedor, e eu até parecia uma criança babada enquanto tirava esta foto, parvamente orgulhoso da dimensão do nosso "cock", que se estendia de Barcelos até à Tailândia. Ao deparar com o ar surpreendido da menina por detrás da registadora, expliquei-lhe que aquilo me dizia alguma coisa, pois "sou português", ou "pótukee", que é como eles entendem melhor. Ficou na mesma, coitada, sem estabelecer a relação entre uma coisa e outra. E do que estava eu à espera, também? Comer de borla, por ser português? Que a jovem chamasse o resto do pessoal para me fazer uma festa e dançar o corridinho? Aquilo para ela é um emprego, e trata-se de um restaurante, não de um museu. E ter saído com o frango na barriguinha já não foi mau de todo.
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