sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Sempre em festa, parte VII: santos populares


Chega o mês de Junho, chega o Verão e o calor, chegam os Santos Populares. Sendo um país católico, Portugal tem uma vasta gama de santos para tudo e mais alguma coisa. Existirão mais de 10 mil santos e beatos nas igrejas católica e ortodoxa, mas o número exacto é impossível de determinar. Fosse a hagiografia compilar todos os santos que existem, e ficava uma lista mais grossa que a lista telefónica da Grande Lisboa e Margem Sul do Tejo. Desconfio mesmo que se "inventam" santos, pois quando escutamos as velhinhas e as sopeiras invocar a Santa Martinha dos Toalhetes Húmidos ou o Santo Manel dos Botões de Punho, ficamos a pensar que se estarão a referir a um personagem imaginário. Nos tempos remotos, os santos eram sobretudo mártires, homens (e apenas homens, curiosamente) que suportaram torturas horríveis e morreram em nome do seu amor a Cristo, mas hoje em dia qualquer um é beatificado/canonizado. Até Karol Wotyla, o antigo Papa João Paulo II, que era tudo menos santo, vai ser canonizado. Mas pronto, fiquemos por aqui que o assunto que aqui me traz é outro.

De todos estes santos que jogam nas divisões secundárias e campeonatos regionais, há os que disputam a superliga: S. Paulo, S. Jorge, S. José, etc., e desses primodivisionários há os três grandes, os que se celebram com pompa e circunstância, e com direito a feriado municipal. São eles Santo António, comemorado a 13 de Junho, S. João, a 24 de Junho, e S. Pedro, a 29. São os tais "santos populares", aqueles que o meu povo mais gosta. Mais do que o carácter religioso destas festividades, os santos populares são sinónimo de festa. Febras, sardinha assada, vinhaça, sangria, alecrim, balões, farra pela noite fora, mesmo quem não faça a minima ideia sobre quem foram estes santos, tem uma boa desculpa para encher a cara e gozar. De preferência com um feriado no dia seguinte, claro, para retemperar as forças.

Como os leitores mais atentos devem saber, nasci em Lisboa, mas foi imediatamente exportado para o outro lado do rio, para o Montijo, onde passei os primeiros 18 anos da minha vida. Conheço bem Lisboa, já andava sozinho pela capital sem me perder quando tinha 12 anos, mas não me sinto alfacinha. Talvez por isso mesmo não me identifique com as festividades de Santo António, com as noivas, as marchas e tudo isso. Nunca festejei o Santo António de Lisboa, um padre franciscano nascido Fernando Martins de Bulhões em Lisboa, e que viria a falecer em Pádova, na Itália, local que o reclama como seu. As marchas, por exemplo, não me dizem grande coisa. Peço desculpa a quem gosta, especialmente aos "alfacinhas de gema" (o que não é o meu caso), mas considero aquilo muito rústico, não me impressiona nem um pouco. É um parente pobre do Carnaval brasileiro. O meu registo de nascimento diz-me que nasci na freguesia de Alvalade, e não sei se esse bairro entra nas marchas, mas não me perguntem qual é o melhor, se Alfama, Moraria, Bica, Castelo ou Marvila, que não faço ideia. Não sou bairrista, esse tipo de coisas incomoda-me, e acho tudo muito suspeito. Já repararam como os padrinhos e as madrinhas dos tais bairros a concurso têm uma relação directa ou indirecta com o teatro de revista e com o Filipe La Féria? João Baião, Miguel Dias, Alexandra, Wanda Stuart, Carlos Quintas, Malato, etc. Mais uma vez, não liguem à minha aversão que nem consigo explicar, e se gostam, façam bom proveito.

O S. João é provavelmente o mais internacional de todos. Canonizado pelas fés católica e Baha'i, referido no Corão, onde é conhecido por Yahya, S. João Baptista, o homem que baptizou Jesus Cristo, terá nascido "seis meses antes dele", de acordo com o evangelho de Lucas, daí ser comemorado a 24 de Junho, seis meses antes do Natal. A data coincide ainda com o Solstício de Verão, pelo que era já celebrado pelas tribos anglo-saxónicas. É santo padroeiro de Porto Rico, das regiões francófonas e católicas do Canadá, desde a Terra Nova ao Quebec, de várias cidades das Filipinas, e ainda de Macau. O dia 24 de Junho foi até ao final da administração portuguesa dia da cidade e feriado municipal, e ainda se comemora de forma não-oficial, sobretudo pelas comunidades portuguesas e macaense. Em Portugal é o padroeiro da cidade do Porto, e o S. João da Invicta é a festa por excelência da segunda maior cidade portuguesa. Fui ao S. João do Porto duas vezes, gostei bastante, e uma tradição que não deixa ninguém indiferente é a dos martelinhos de plástico. Esta é uma tradição mais ou menos recente, reportando-se aos finais dos anos 60, e podem ficar a saber a sua origem aqui (vão ficar surpreendidos). O mais interessante é o desportivismo com que os devotos de S. João recebem as marteladas na tola, desde o mendigo até ao Presidente da República. Isto é algo que noutras circunstâncias poderia ser entendido como um insulto, ou até mesmo uma agressão.

Finalmente o S. Pedro, aquilo que me diz mais. Isto porque trata-se do santo padroeiro dos Pescadores, e comemorado na cidade do Montijo, com um feriado municipal a 29 de Junho. Era sempre o momento alto da nossa cidade, com a feira, os divertimentos, as largadas de toiros, as primeiras bebedeiras, e coincidia sempre com o fim das aulas, portanto era festa a dobrar. S. Pedro é, esse mesmo que estão a pensar, o discípulo de Jesus Cristo, o primeiro Papa da igreja católica, e de acordo com a superstição, o "porteiro" do Céu. Chegadas aos portões do Paraíso, as almas imortais precisam de passar por S. Pedro, que aqui desempenha um papel semelhante ao do porteiro de uma discoteca da moda. Tem uma lista com o nome dos convidados, e todos os outros ficam sujeitos a uma espécie de julgamento instantâneo. Fazendo fé nesta imagem tão pitoresca, àqueles que S. Pedro recusa não resta senão, ahem, sabem bem o quê. É um outro sítio onde faz mais calor, o que até não é mau para quem é friorento. Para os Pescadores do Montijo, que são cada vez menos, infelizmente, celebrar o S. Pedro era essencial para garantir uma temporada de boa pescaria. As festividades terminavam sempre com a queima do batel, um momento sempre espectacular. Daqui de tão longe, de Macau, bate sempre a saudade nesses últimos dias de Junho.

Na próxima entrada desta rubrica vou abordar os outros santos, os mais pequeninos, que animas as festas das localidades um pouco pelo nosso país fora, e vá-se lá saber porquê, são sempre comemorados em Agosto. Fiquem atentos!

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