sexta-feira, 29 de novembro de 2013

O Eanes existe


O General António Ramalho Eanes foi homenageado na última segunda-feira a propósito da passagem de mais um aniversário do golpe militar de 25 de Novembro de 1975, que colocou um ponto final ao PREC e livrou Portugal do risco de se tornar um estado socialista da esfera soviete, podendo consequentemente sofrer retaliações da parte dos seus vizinhos da NATO, especialmente dos Estados Unidos. O clima que se vivia era de pré-guerra civil, e foi o General Eanes que liderou o contra-golpe que fez cair por terra as intenções da ala de esquerda mais radical do MFA. Quem mais senão Eanes para nos salvar dos radicais, ele que sempre se pautou pela moderação e pela procura dos consensos.

Passados 38 anos desde essa data e à distância de 26 desde que o General deixou Belém, após cumprir o segundo mandato como Chefe de Estado, os portugueses lembram-se dele. Olhando para a classe política que temos hoje, batem com a mão na testa e dizem: "pois é, afinal havia ali um gajo que não andava a gozar connosco e a mamar às custas das tetas do povo". Mais vale tarde que nunca. Mas não é por acaso que o General Eanes é de outra talha que não a dos chuchalistas, os trocas, os santananazes, os cavaquinhos e companhia. Não é um político. Foi obrigado a ser, a dado momento, quando achou que era a altura certa. Voltou a tentarm, deu-se mal, e virou as costas à política. Ficava-lhe mal. Não queria sujar mais as mãos.

Educado dentro de um sistema rígido, o militar, serviu na Guerra do Ultramar, chegou a General, depois a presidente, nem por isso deixou de ser quem era. Os seus opositores políticos e inimigos - e é isso que se leva da política, inimigos, e ainda mais do que na guerra - apontavam-lhe o dedo, por ser militar: "O tempo dos generais já acabou!". Para nós na verdade nunca chegou. Muita sorte a nossa em termos um Eanes, em vez de um Pinochet e derivados. Não me surpreende que os políticos olhem desconfiados para Eanes. No ofício da vilanagem a gente honesta normalmente atrapalha. Esses precisavam de um general que os metesse na linha, isso sim. E não seria Eanes, que eles não merecem.

Homem humilde, de família humilde, mas inteligente, que sabia ouvir, que foi conhecendo os homens e as mulheres da terra enquanto crescia na Beira Interior, no Portugal profundo. Diz o povo e bem: "Quem não sente não é filho de boa gente". E o General Ramalho Eanes sentia. A decisão de recusar promoções, homenagens, milhões em retroactivos que lhe eram legalmente devidos mas para ele eticamente indevidos, a sua genuína preocupação com o estado do país, com os mais pobres, e todos os sacrifícios que fez e ainda se diz disposto a fazer não são nenhuma operação de charme. Não o vamos ver por aí em campanha, às beijocas nas peixeiras ou nas bochechas dos petizes. O sua missão, que cumpriu e bem, resume-se numa frase da sua própria autoria: "fiz o meu dever como patriota e como cidadão".

Aquele homem elegante, com um ar muito sério, suíças iguais ao do meu pai e uns óculos que lhe ficavam a matar, e cuja fotografia vinha nos meus livros da escola primária na parte dedicada aos orgãos de soberania, foi alguém que sempre soube medir o tempo, agir em prol do interesse comum e nunca dos seus próprios interesses. Foi o nosso comandante, que se nos via atrapalhados na linha da frente era capaz de se chegar ao inimigo e dar o peito às balas. Sorri quando mostraram imagens de arquivo onde se via ele, de fato azul escuro, a apagar um pequeno foco de incêndio juntamente com um agricultor, os dois munidos com ramas de árvore. Era o "presidente de todos os portugueses" (outra frase da sua autoria), e naquele momento havia ali um português a precisar do seu presidente, e lá estava ele pronto a ajudar.

Gostamos dele agora mais que nunca porque nos faz acreditar que ainda é possível encontrar no seio da sociedade civil alguém sério, que leve a política a sério e que, pasme-se, queira o nosso bem e o bem do seu país. E quando falo de "sociedade civil" não estou a falar de Fernando Nobre e outros que tais. Cuidado com as imitações. O nosso General, o bom General, como no nome da marca de atum, merece todas as homenagens que se lhe possam fazer. Ele vai recusar, depois aparece para não nos fazer a desfeita, e se insistimos que faça um discurso, comove-se, fica reduzido à condição de homem, de português como nós. A tropa ensinou-o a sofrer, a ser duro, a não sorrir, mas não conseguiu ensiná-lo a não chorar. Obrigado por tudo, General Eanes. E desculpe lá os que os vetaram ao esquecimento, dos que nunca o compreenderam. E eu sei que você os desculpa, como é do seu timbre.

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