quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Imigrantes sim, TNR não


A deputada Song Pek Kei, autora do discurso mais xenófobo, racista e nazi de que há memória na História da Assembleia Legislativa, não retira uma palavra ao que disse, mas explica melhor, porque nós na verdade somos é muito estúpidos, porque teimamos em não concordar com a sua retórica fascizóide. Começa por dizer que "não é xenófoba". Pois não. A xenofobia é para principiantes. Genocida, é o que ela queria ser. No quartinho da menina, que ao contrário dos residentes com que tanto se preocupa, deve ter casa própria, estão posters do führer, do Il Duce e do general Ratko Mladic. Foi de AK47 em punho que foi à agência imobiliária com o porquinho onde guardava as suas economias que foi comprar uma casinha, não fosse algum não-residente atravessar-se no caminho e inflacionar em 2000% o preço da casa de sonho da menina.

O problema é que nem todos os residentes tiveram a mesma sorte. Por causa daqueles malditos não-residentes, que ocupam apartamentos com mais de 30 anos aos sete ou oito de cada vez, há por aí apartamentos novos com 100 metros quadrados que custam dez milhões de patacas, ou mais. Fora com essa escumalha não-residente! Valham-nos os nossos "tios" do continente que compram essas habitações super-inflacionadas, impedindo que fiquem às moscas e a acumular pó, e no fim vai ser preciso contratar uma trabalhadora não-residente para limpá-la. Estão a ver como ela tem razão? É um ciclo vicioso. Um esquema demoníaco desses não-residentes que vêm para cá ganhar quatro ou cinco mil patacas, e com isso inflacionar o preço de tudo, desde a habitação aos bens de primeira necessidade, pois fartam-se de gastar, os malandros.

"Não sou xenófoba", diz a menina Song, com a mesma calma que o tio Adolfo disse ao PM britânico Neville Chamberlain em vésperas do início da II Guerra Mundial: "fique descansado amigo, que eu não quero a Polónia para nada". É como certos tipos brancos que até não se importam que um preto chegue a presidente...desde que seja num país africano. Segundo Song, essa jovem idealista com os sonho de mudar o mundo - para pior - os imigrantes são diferentes dos não-residentes, porque são residentes, e...esperem lá, o quê? Os imigrantes e os não-residentes são diferentes? De que país é que precisa um imigrante de chegar para obter imediatamente a residência? E um não-residente nunca pode chegar a residente? Porquê, marcam-no com um ferro em brasa, como fazem com o gado bovino?

"Os turistas e os não-residentes são um problema, porque ocupam o espaço dos residentes", diz ela. Sim, eu que o diga, pelo menos quanto a essa parte dos turistas. Todos os dias passo pela Rua da Palha e quase preciso de andar por cima da cabeça dos turistas, mas nem por isso lhes ponho correntes ao pescoço e os arrasto até às Portas do Cerco. Quanto aos não-residentes, não sei, não frequento as Ruínas de S. Paulo à noite nem tenho por hábito sentar-me naqueles bancos de pedra junto aos correios. Ou fico em casa, onde a entrada de turistas e de TNRs depende apenas de mim, ou vou a sítios onde toda a gente pode ir, desde que pague pelo serviço, e para os proprietários o dinheiro é igual, venha de onde vier.

"Os direitos e obrigações dos residentes e dos não-residentes são diferentes", palavras da profeta Song. No shit, Sherlock. A sério? Mecanismo para recambiar os não-residentes quando acabem o seu contrato de trabalho? Outra vez: e que tal marcá-los com um ferro em brasa na testa? E se terminarem o contrato de trabalho mas ainda tiverem visto de permanência? Devemos obrigá-los a bazar? Deve ser nisto que os imigrantes são diferentes dos TNR: mesmo em situação ilegal, os primeiros devem ser perdoados, e os segundos, mesmo em situação legal, deviam ser recambiados. Terminaram o contrato de trabalho e procuram outro emprego? Na, na, nada disso. Rua, que os residentes querem ter a opção de não ocupar essas vagas deixadas por eles. Com esses TNR a chegarem aí a um ritmo desenfreado, qualquer dia ainda temos uma taxa de desemprego acima dos 2%! Os imigrantes são outra coisa, porque não ocupam o lugar de ninguém: flutuam.

Chan Meng Kam concorda com a sua delfina. De facto os não-residentes inflacionam os preços das rendas em Macau. Tem lógica, pois os residentes não precisam de alugar, têm todos casa própria - 75% deles, segundo o Executivo. Então qual é o problema se aumentam o preço das rendas? Ah, já sei: por causa dos imigrantes, os tais que não sei quem são e ainda estou à espera que a senhorita Song me explique. Chan Meng Kam apresenta provas e tudo, alegando que existem TNR que vivem em Zhuhai, e não será por causa destes que as casas em Macau são tão caras. Ele deve saber melhor que eu do que fala, e quanto a TNRs a viver em Zhuhai, que los hay, hay, mas também há residentes de Macau a viver em Zhuhai. E esta, hein? Será que ali ao lado também se queixam que estes andam a fazer subir o preço das rendas e querem mandá-los embora?

Como se o circo não tivesse já palhaços de sobra, junta-se o cônsul-geral das Filipinas, Danilo T. Ibayan, que está muito preocupado com os seus compatriotas: "se não têm emprego, como vão viver em Macau, onde é tudo tão caro, coitaditos?". Olhe, e que tal convidá-los a comer na sua casa? O cônsul filipino enuncia ainda a lei da oferta e da procura: menos estrangeiros, menos procura, habitação menos cara. Se calhar o senhor anda cansado de não fazer nada, e quer ainda menos estrangeiros para atingir o "karma" da inutilidade. Queriam um TNR que anda por aí sem fazer nenhum? Olha aí o Danilo T. Ibayan. E ainda por cima não é "imigrante".

O que é comum a estas três aves-raras é a solução que apresentam para diminuir a procura pela habitação e assim diminuir os preços: ir viver em Zhuhai. É só atravessar a fronteira, e tal, porque não? Para quê ir dez ou quinze minutos a pé para o trabalho se podem muito bem apanhar dois ou três autocarros que demoram uma hora e pouco na totalidade? E ainda vão viver na China continental, o que torna essa experiência que é trabalhar em Macau ainda mais misteriosa, mais fascinante. Já agora, se nos últimos dois anos há cada vez mais gente e trabalhar em Macau a viver em Zhuhai, porque é que o preço da habitação continua a subir? Já sei: estão à espera que os TNR desocupem aquelas mansões caríssimas onde moram. E já agora, o que é um imigrante?

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