sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Espertos são os cães


Fim de mais uma semana, esta bastante cansativa, e é altura de fechar o blogue com chave-de-ouro: o artigo da edição de ontem do Hoje Macau. Tenham um excelente fim-de-semana.

O Chefe do Executivo foi na última quinta-feira à Assembleia Legislativa responder a questões dos deputados, aproveitando para abordar alguns temas pertinentes da actualidade de Macau. Entre outros esteve a insatisfação com o serviço de táxis por parte tanto de residentes como de turistas, e o “timing” não podia ter sido melhor: Chui Sai On foi ao hemiciclo no dia seguinte à passagem da tempestade tropical Utor, e como se sabe, é durante os dias de tufão que os abusos dos taxistas atingem o seu clímax, chegando a cobrar quinhentas patacas ou mais por uma corrida até ao aeroporto, quando num dia normal o mesmo percurso faz-se com uma nota de cem, aproximadamente. Chui recomendou aos homens do carro preto “que fiquem em casa”, pois não é à toa que são emitidas recomendações nesse sentido cada vez que é içado o sinal 8 de tempestade tropical. Uma fórmula simples para evitar que se cometam erros, muito popular por estas bandas: não fazer. Alternativas para quem necessita de transporte em caso de tufão? Népias. Querem o quê, que o nosso chefe tenha a solução para todos os males do mundo? Pensem também vocês um bocadinho, vá lá.

É difícil prever a chegada de um tufão, e não passa pela cabeça de ninguém que um turista que está a caminho de Macau dê meia-volta quando a meio do percurso é içado o sinal 8, que lhe vai causar um monte de sarilhos. São às centenas os visitantes que atravessam a fronteira das Portas do Cerco e deparam com uma cidade suspensa, sem transportes públicos e outros serviços que normalmente se encontram à sua disposição em dias normais. Quem se aproveita dos rigores do clima das monções são os taxistas, que se tornam reis e senhores perante o desespero de quem está carregado com malas, tem reservas nos hotéis, e em alguns casos crianças a seu cuidado. A capacidade negocial é enorme, e já faltou menos para que os taxistas de ponham em cima do carro e ofereçam os seus préstimos a quem pagar mais, como num leilão. Quem dá mais? Vale tudo na terra das oportunidades e do lucro fácil.

Os taxistas são uma versão revista e aumentada dos agiotas e dos corsários do alto mar, sem dúvida, mas têm atenuantes que nos levam a entender melhor a sua ganância e desprezo pelos valores da solidariedade e da entre-ajuda. As companhias de seguros não cobrem eventuais acidentes nos dias de tufão, o que significa que a alternativa a pagar uma tarifa criminosa por uma boleia é…ir a pé. Além disso a atribuição de uma licença de táxi fica actualmente em centenas de milhar de patacas, e esse dinheiro tem que vir de algum sítio, e não será da ilusória árvore das patacas de que tantos falam. Não surpreende portanto que se registe um aumento no número do pedidos de ambulância em casos onde não se justifica a emergência. Para quem tem uma criança com febre em casa, sem carro, e na impossibilidade de encontrar um táxi para ir até ao hospital, o que deve fazer? Rezar à Nossa Senhora da Agonia e esperar um milagre?

E como sair desta sinuca? Que todos os agregados familiares tenham transporte próprio? Boa ideia, mas numa cidade pequena como é Macau, onde o número de automóveis vai além do recomendável, de nada vale ter carro se fôr para ficar parado no meio do trânsito. Isto não impede os residentes de tentar, e muitos aproveitaram o plano de aperfeiçoamento contínuo do Governo para tirar a carta de condução. Os responsáveis pelo plano, que ingenuamente esperavam que os beneficiários das cinco mil patacas fossem tirar cursos de informática ou ter aulas de caligrafia chinesa, pensam em retirar do pacote a carta de condução, por considerarem o curso “não nuclear”. As escolas de condução protestam, alegando que os residentes “têm necessidade de conduzir” – e eles necessidade do dinheiro das aulas, lógico. Eu até diria que isto é uma pescadinha de rabo na boca, não fosse pelo facto de gostar tanto de pescadinhas. Isto é um ciclo vicioso. Vicioso e mau, composto de gente gananciosa, mesquinha e egoísta, que só olha para o seu próprio umbigo.

Macau é uma terra de espertos, e não há regra, por muito bem intencionada que seja quem a faça, que não possa ser contornada por quem dela quiser tirar dividendos pessoais. Até a distribuição dos vales de saúde, um plano destinado a amenizar as despesas médicas aos seus beneficiários, foi pretexto para a chico-espertice, com as senhas a serem trocadas por barbatanas de tubarão e outras porcarias, com o conluio das farmácias chinesas que aderiram ao esquema do Governo, que tinha uma finalidade benemérita. Os únicos que não conseguiram virar o bico ao prego que os deixa presos ao chão são as agências imobiliárias, que por causa da nova lei que regulamenta a sua actividade, ficaram com pouca margem de manobra para cozinhar o seu “caldinho” com a venda o arrendamento de casas. A estes e todos os restantes na mesma situação não resta mais nada senão protestar, bater com o pé, fazer barulho. Como se atreve o Governo a interferir com o seu direito ao saque?

Até acho uma certa piada a esta elasticidade mental de que são dotados muitos dos nossos cidadãos. Quem não aprecia uma boa dose de ratice e de improviso, que nos leva a procurar atalhos por becos e travessas, quando nos é dito para seguir a direito, pelo único caminho que é permitido, mas é também o mais longo e penoso? É por isso que gostamos mais do Robin dos Bosques, um marginal, do que o xerife de Nottingham, que está do lado da lei. O pior vai ser quando chegar a hora de deixar de lado a esperteza e precisar de recorrer à inteligência. Ser esperto não é a mesma coisa que ser inteligente, e para agravar as coisas estamos rodeados de espertalhões, que são espertos elevados à máxima potência. É mais difícil ser inteligente, pois requer que se pense, estude, se escutem opiniões diversas e se faça uma reflexão profunda antes de decidir. Ser esperto é fácil, pois como se diz na minha terra, “espertos são os cães”.

Sem comentários: