Mais uma semana que termina, e como habitual deixo-vos com o artigo publicado na
edição de ontem do Hoje Macau. Bom fim-de-semana!
Durante uma visita à linda cidade de Barcelona, há alguns anos, passei uma tarde num supermercado em busca de “recuerdos”, e enquanto passava pela secção de presuntos, o celebérrimo “jamon ibérico”, passou por mim um jovem casal cujo macho não se inibiu de se identificar imediatamente como pertencendo à raça lusitana, comentando alto e em voz grave: “Estes gajos roubaram os nossos porcos p’ra fazer os presuntos, porra!”. Noutra ocasião estava na Grand Place em Bruxelas e passa um mim um grupo de “backpackers”, turistas de mochila às costas, e um deles acusa-se, dizendo num tom afectado: “muito bem, onde estão os meus chocolates, pá?”. Numa viagem de avião de Lisboa a Amesterdão vim sentando junto de um grupo de quatro amigas, senhoras com uma idade já respeitável, que passaram as duas horas e meia de voo a tagarelar (estariam nervosas), e prestes a aterrar no Schiphol uma delas comenta: “estamos a chegar a Amesterdão…já cheira a droga”. E todas riem da piada. Talvez o leitor tenha também presenciado situações semelhantes, que nos dão pouca ou nenhuma vontade de abrir a boca e identificarmo-nos com alguns dos nossos compatriotas mais extrovertidos. Mais vale ficar caladinho e passar por grego, letão, kosovar-albanês ou outra nacionalidade qualquer que não tenha a ver com estes gajos.
Ninguém gosta de ser rotulado devido à origem. Outros povos têm o mesmo problema: os ingleses gozam de má fama graças aos beberrões arruaceiros e vândalos que invadem as estâncias veraneantes pela Europa fora, e alguns americanos sentem-se intimidados pela imagem de arrogância e superioridade étnico-cultural, que os leva a considerarem-se senhores do mundo, e não poucas vezes os leva a fazer figuras tristes pelos quatro cantos do mundo. Nem todos os britânicos são alcoólatras selvagens e nem todos os “Yankees” fanfarrões. Cada povo tem as suas “maçãs podres” que transportam para fora de portas os comportamentos que embaraçam outros camaradas seus mais discretos. Talvez existam algumas excepções, mas nem todos podemos ser cordatos, ordeiros e previsíveis como os suíços ou os escandinavos – que também por essa razão são reconhecidos à distância.
Agora também os próprios chineses começam a tomar consciência de um certo “incómodo” que começam a sentir além fronteiras. O episódio do jovem turista chinês que gravou o nome numa escultura egípcia com 3000 anos enquanto de visita à cidade de Luxor com a família na semana passada foi a gota que fez transbordar o copo. Outros chineses mais globalizados dizem-se “envergonhados” com o comportamento dos seus camaradas quando visitam outro país e convivem com outros povos, não conseguindo evitar o choque cultural. É comum ver-se na China e nas regiões anexas de Macau e Hong Kong alguns cidadãos a cuspir na rua, produzir arrotos sonoros ou comer com os pés em cima da mesa, mas uma vez no estrangeiro convém seguir a velha máxima do “em Roma, sê romano”. Ao adolescente de 17 anos que quis assinalar a sua presença em terras egípcias faltou discernimento e uma dose de bom-senso. O mesmo que nos leva a achar normal ver um “graffiti” na parede de um bloco de apartamentos qualquer na Areia Preta, mas nunca aceitar que se rabisquem as Ruínas de S. Paulo, o que seria considerado um atentado ao património.
O problema comum a todas as nacionalidades e culturas é o novo-riquismo, que na China se tem propagado nos últimos anos ao ritmo da peste. A classe e o saber-estar não se compram; quem tem, tem, quem não tem precisa de o adquirir, e nem todo o dinheiro do mundo livra o mais bronco e embrutecido do peso que o torna risível aos olhos dos estranhos que o observam no seu estado natural. Muitos turistas ainda se acham no direito de se comportar como se estivessem em casa, convencidos que estão a contribuir para a economia do país que visitam e por isso os seus hóspedes só têm mais é que o respeitar, e reconhecer-lhe o direito de “andar à vontade”. No caso particular dos chineses torna-se mais difícil demarcar-se da má imagem que alguns dos seus compatriotas adquiriram no estrangeiro, por razões óbvias que se prendem com a própria etnicidade. Para todos os outros o melhor é não dar muito nas vistas quando alguém que partilha o mesmo passaporte resolve fazer tristes figuras. O ideal é fingir que não percebemos o que se passa, e caso seja mesmo necessário, expressar-se num idioma estrangeiro, de preferência um bem obscuro. “Zer gertatu zen?”, que é como quem diz “o que se passa?”, na língua basca. Às vezes é melhor pular fora do cesto, do que se misturar com as tais maçãs bichadas.
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