sábado, 15 de junho de 2013

Thriller

O tão badalado “caso das campas”, promete fazer correr muita tinta, e o processo judicial que corre nos tribunais da RAEM é uma autêntica batata quente nas mãos do Executivo. O peso dos nomes envolvidos é demasiado importante para que o assunto seja ignorado pela imprensa, e quem esteja minimamente interessado em saber como vai o território em termos de legalidade e transparência tem o dever de seguir o caso, mesmo que a alguma distância. Resta saber o que pensa realmente a opinião pública deste caso de alegado abuso de poder, mas o que se vai dizendo em surdina é pouco abonatório para as entidades públicas que têm o dever de servir a população. É ainda mais grave quando há quem não dê muita importância ao caso e o considere “normal”. Afinal se nãi podemos confiar nos nossos dirigentes para garantir o cumprimento escrupuloso da lei, vamos confiar em quem?

Considero lamentável este caso, cuja “bronca” rebentou há dois anos. Especialmente se atenderemos ao seu objecto: são campas de cemitério de que estamos aqui a falar, a última morada dos que já não estão entre os vivos. Especular com o mercado imobiliário, com os preços da habitação ou com a concessão dos terrenos já chega e sobra para nos deixar aborrecidos, mas quando a ganância e o clientelismo chegam as campas, é falta de respeito. Nem os mortos têm descanso. A inflação galopante é um problema que afecta directamente os orçamentos das famílias de Macau e as infra-estruturas hospitalares deixam muito a desejar. Pagam-se os olhos da cara para ter onde viver, ter o que comer e cuidar da saúde. Seria pelo menos de esperar que se pudesse morrer em paz.

A denúncia da concessão de dez campas permanentes no Cemitério de S. Miguel Arcanjo teve um carácter de “vingançazinha” da parte de alguém a que foi negado o mesmo privilégio . Mas o que aparentava ser uma lavagem de roupa suja tornou-se num caso de polícia – ou de tribunal, neste caso – e adquiriu uma dimensão política que tem tirado o sono aos elementos do topo da pirâmide do Executivo. Se a independência do sistema judicial for realmente efectiva, os eventuais prevaricadores não sairão apenas chamuscados com um puxão de orelhas e um ralhete, prometendo que não se portam mal outra vez. Podem rolar cabeças, e o grau de incerteza sobre o desfecho do caso não chega para prever a intensidade do terramoto. O que já se sabe, apesar da cobertura dada pelo segredo de justiça, leva que seja tarde demais para que se chegue a um acordo de cavalheiros que resolva o caso sem grande estardalhaço. Há quem já tenho mesmo levado as mãos à cabeça e esteja agora a lamenter-se: “olha só no que me fui meter”.

A Secretária para a Administração e Justiça, a dra. Florinda Chan, é o nome mais mediático deste processo que tem tudo de kafkiano. A sua modéstia e postura muito “no-nonsense” que alguns interpretam como “frieza” leva-a a que se tenha mantido cautelosamente afastada do epicentro da polémica, deixando o processo correr nos seus trâmites normais. A sua recusa em comentar o caso é evidente, ao ponto de se ter notado a sua ausência nas comemorações do último 10 de Junho, onde costume ser presença regular. Florinda Chan tem a fama de servidora pública dedicada e honesta, e tem a confiança dos seus pares, que fazem com que amiúde substitua o Chefe do Executivo na sua ausência, como segunda figura hierárquica do sistema. A concretização da legislação do controverso artº 23 da Lei Básica e a discrição com que tem vigorado fazem com que a secretária seja bem vista aos olhos de Pequim. Pode-se dizer que em termos de carreira administrativa e política soma triunfos atrás de triunfos. Com toda esta bagagem e amigos deste calibre, os seus inimigos que se cuidem.

E parece ser quase uma certeza que Florinda Chan saia desta triste confusão das campas sem muito mais que um simples arranhão, não mais que uma pequena beliscadela na sua credibilidade. Isto fazendo apenas uma previsão baseada na minha opinião pessoal e na previsibilidade do sistema. Contudo é imporvável que não rolem aqui duas ou três cabeças, restando apenas saber em que mãos vai rebentar esta granada. Mesmo assim não acredito que se vá fazer aqui justiça implacável e que se apliquem penas exemplares. Seria uma surpresa se o caso adquirisse uma dimensão dantesca que levasse a penas de prisão ou castigos severos. Não há aqui analogia possível com o caso de Ao Man Long, por exemplo, onde os valores em questão iam muito além de dez covas no jardim das tabuletas. Também não existem indicações que os mandarins em Pequim estejam muito preocupados com o problema.

Pesando todos os ingredientes que entram nesta caldeirada das campas, apercebemo-nos que a política em Macau pode ser muito suja. A ideia que se transmite para quem segue esta novela é que existem jogos de interesses, pelejas pelo poder, conspirações elaboradas e intrigas palacianas. Não é de todo abonatório para a imagem do Executivo que a população fique a pensar que de nada adianta cumprir rigorosamente a lei, que a competição está viciada e que tudo se resolve nos bastidores – até um lugar permanente onde depositar os mortos. A confiança nas instituições fica ferida de morte. Curiosamente seria interessante que no fim de tudo isto, quando a justiça estiver finalmente servida, se soubesse quem são afinal os mui devotos familiares dos ocupantes das campas. Dificilmente ficaremos a saber, e o mediatismo deverá todo recair sobre o bode expiatório que provavelmente comerá calado, não vão os estragos ser ainda maiores. Ele há dias em que não se pode sair da cama, quanto mais fazer certos fretes.

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