terça-feira, 25 de junho de 2013

A parte de Leão


A lista do Observatório Cívico, encabeçada por Agnes Lam, protagonizou a semana passada o primeiro “happening” da corrida à Assembleia Legislativa, com a prova principal a realizar-se no dia 15 de Setembro, quando os eleitores foram às urnas decidir a atribuição de catorze vagas no hemiciclo pela via directa. O jornalista Carlos Morais José, inicialmente apontado como o “trunfo” da lista para atraír o eleitorado português, desistiu da candidatura, depois da traiçoeira “máquina” que envolve a opinião pública ter visto com maus olhos o facto do director do Hoje Macau não ter suspendido essas funções em nome da “isenção”. Este é só por si um incidente que daria mote para uma série de especulações sobre o que realmente se passou, e se a posição assumida por CMJ teria ou não sido a principal razão da censura dos forums online. Mas o que lá vai, lá vai, e águas passadas não movem moinhos. Agnes Lam persistiu na presença de um membro da comunidade portuguesa na sua lista, e assim escolheu o arquitecto Rui Leão para nº 3. Pode-se dizer que o Observatório Cívico fez uma escolha férica, apostando no…Leão.

Conheço bem o arquitecto Rui Leão, pai de uma colega de turma do meu filho desde há sete anos, pelo menos. Tive oportunidade de conversar com ele várias vezes e a impressão que me deixou é que se trata de uma pessoa educada, inteligente e sociável. O facto de ser oriundo de uma família tradicional do território não o distancia do seu semelhante, mesmo que no seu ramo de actividade tenha já sido premiado internacionalmente (e como eu respeito os arquitectos; não sei fazer um risco direito no papel). Rui Leão e a sua simpática esposa, uma senhora italiana que fala um português excelente com um ligeiro sotaque que a torna ainda mais adorável, são dois excelentes profissionais, pais de família e membros da comunidade a que dificilmente se pode apontar algum defeito – coisa rara. Agnes Lam escolheu bem, mesmo que desconfie que se tenha decidido um pouco à pressa.

Como terceiro da lista do Observatório Cívico, é seguro arriscar que Rui Leão não será eleito. Na melhor das hipóteses Agnes Lam chegará so hemiciclo, mas terá uma competição feroz, com várias listas a tentar aproveitar o alargamento do número de deputados de doze para catorze para eleger um deputado. Mesmo não sendo realista a sua eleição, Rui Leão pode contribuir para o debate politico, exprimir alguns pontos de vista válido, e com o aliciante de o fazer em português. Preferia ainda assim que fosse Carlos Morais José a concorrer, mas por motivos pessoais, e até um pouco egoístas. O director do Hoje traria certamente um discurso mais incisivo e crítico à campanha, e certamente que em debate confrontatório, a existir, seria um osso duro de roer. Seria mais divertido, também. Penso que a maioria concorda comigo.

Os portugueses e restante comunidade lusófona recenseada estará atenta ao contributo de Rui Leão, que tem ainda a vantagem de não concorrer ao lado de uma lista de matriz portuguesa. Já ficou provado, comprovado e recomprovado que uma lista que apele à comunidade portuguesa de Macau não resulta. Existem divisões e cismas que separam o eleitorado lusófono das listas desta natureza que têm sido apresentadas a sufrágio, e os candidatos raramente reúnem um consenso que leve à união e adesão do seu eleitorado base. O fiasco que representou a candidatura de Casimiro Pinto e da sua Voz Plural dificilmente levará a que mais alguém tome uma iniciativa semelhante, e o facto desta lista se ter assumido desde o início uma postura “dialogante” em vez de crítica e fiscalizadora da acção do Executivo também no ajudou. Para dizer “sim” já lá estão os outros. Uma lista composta apenas por portugueses de Portugal residentes em Macau dificilmente elegeria um deputado, mas teria certamente mais votos que os 905 da Voz Plural.

Mas o que vale então o eleitorado português? Pode não ser decisivo ao ponto de merecer a atenção de outras listas, digamos, mais tradicionais ou “caseiras”, mas começa a ter o seu peso. Isto ficou ainda mais evidente quando a própria Angela Leong “piscou o olho” a este eleitorado durante a apresentação da sua candidatura. São cada vez mais os portugueses recenseados em Macau, e Agnes Lam viu bem onde poderia ir buscar mais mil ou dois mil votos que poderão fazer toda a diferença num eventual sucesso eleitoral. O Observatório Cívico pode não assentar como uma luva no eleitorado português, que não verá nesta lista alguma resposta aos seus anseios politicos, mas é “o que se pode arranjar”. Não se pode esperar dos “kai-fong” ou dos operários que incluam especialmente a comunidade portuguesa no seu programa, até porque isso confundiria o seu eleitorado de base. Mesmo a ideia-feita que alguns têm que Pereira Coutinho é o candidato “dos portugueses” é falaciosa. Nem todos se revêm no pendor sindicalista puro, pouco abrangente e vazio de ideias que não vão acabar inevitavelmente nos direitos dos funcionários públicos. Nem todos os portugueses são funcionários públicos. Antes pelo contrário.

A campanha promete, e a dois meses e meio do sufrágio aguardam-nos certamente muitas surpresas. Vai ser uma montanha russa de emoções. Agnes Lam teve o seu baptismo de fogo com a decepção da semana passada, mas estará mais atenta no futuro, certamente. Seria benéfico para as suas ambições que fizesse também um pouco de “jogo sujo”, mas neste campo Observatório Cívico está a anos luz de alguma da concorrência. Se me perguntarem se acredito na eleição de Agnes Lam, respondo que “não”, mas ao contrário de 2009, não tenho tanta certeza. A sua eleição não seria uma surpresa. A aposta no apelo à comunidade portuguesa e a escolha de Rui Leão foram um trunfo bem jogado. Agora resta saber se produz resultados.

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