Nem a chuva demoveu os participantes, na ordem das duas centenas.
Passa hoje mais um aniversário do massacre da Praça Tiananmen. Foi no dia 4 de Junho de 1989 que o exército chinês reprimiu violentamente uma manifestação de estudantes que vinham desde meados de Abril a exigir reformas democráticas no país, num período de mudanças a nível global que culminou com a queda do bloco de Leste e o fim da União Soviética. Passadas mais de duas décadas, há quem considere a decisão “sensata”; uma eventual viragem democrática seria uma incógnita, possivelmente com efeitos nefastos, a julgar pela História recente da China. Os progressos feitos na área da Economia e algumas reformas – mesmo que tímidas – deixam no ar a sensação de que a aposta na continuidade foi um mal menor. Apesar da legitimidade ou falta dela para o regime de Pequim tomar uma atitude que chocou o mundo, este é ainda um espinho encravado na pata do Dragão. A cada 4 de Junho reedita-se o estado de alerta geral no seio do regime, com o apertar da segurança e da censura, e uma inexplicável recusa em abordar o tema. Um silêncio confrangedor.
A palhaçada do costume no palco do Largo Senado.
Em Hong Kong a data é marcada por uma manifestação participada por perto de uma centena de milhar de chineses que assinalam o 4 de Junho, enquanto em Macau tudo se resume a uma vigília organizada pelos “suspeitos do costume”, o Novo Macau Democrático, que junta algumas dezenas de pessoas junto à Igreja de S. Domingos, no Largo do Senado. Neste dia o centro é normalmente reservado para actividades relacionadas com o Dia Internacional da Criança, que se comemorou há 3 dias, uma forma descarada que os patriotas do burgo engendraram para diluir o protagonismo dos democratas – e depois há quem os chame “auto-intitulados democratas”. E estes senhores são o quê? Não sei que pais são estes que permitem que os seus filhos sejam instrumentalizados desta forma. A Lei Básica prevê direitos como a liberdade de expressão, associação e manifestação, sem mas nem senões, e não há notícias de restrições impostas pelo Governo central ao segundo sistema. Se persistem estes sermões, não terão sido encomendados.
O vosso mais-que-tudo marcou presença, como é habitual.
Os jornais em língua portuguesa do território deram destaque ao 4 de Junho. Hoje Macau e Ponto Final com capa e centrais, e até o “domesticado” JTM reservou uma caixa na última página. Do Ou Mun, o jornal mais lido do território, nem um pio. Recorde-se que no dia seguinte ao 4/6/89, o Ou Mun ignorou o massacre, o que levou uma multidão irada de leitores à porta do jornal, exigindo que se retratassem. Pelos vistos não aprenderam a lição. Confrontei alguns colegas chineses com esta diferenciação de tratamento noticioso, e a maioria absteve-se de comentar, num misto de indiferença e de receio – mais uma vez Hong Kong ganha aos pontos em termos de exercício de liberdades civis. Uma colega disse-me que não há muito a acrescentar, e que todos os anos “é a mesma coisa”. E será sempre a mesma coisa, claro. Até ao dia que os tanques saiam à rua com o intuito de esmagar a sua liberdade, e o sangue dos seus filhos jorre pelo passeio. Aí pode ser que sintam o que sentem as mães dos que perderam a vida nesse fatídico dia em Tiananmen, há 24 anos. E aí já não é mais “a mesma coisa”.
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