A Escola Portuguesa de Macau comemorou recentemente o seu 15º aniversário, uma data redonda que se assinala numa altura em que sopram ventos de feição para aquela instituição de ensino de matriz portuguesa. Quinze aninhos é uma idade respeitável. Normalmente a partir daqui entramos em plena adolescência, um estado de pré-adultos, começamos a saber o que queremos e os mais velhos passam a levar-nos um pouco mais a sério. É o fim da idade da parvoíce, a perda da inocência, e já algum pêlo na venta. Para quem a viu nascer, de parto difícil e coberta de incerteza quanto ao futuro, olha agora com orgulho para a EPM, e tem a certeza que o seu futuro será risonho. Ela está aqui para ficar, finalmente temos a certeza.
A própria génese da EPM foi complicada. Dada como uma certeza no sentido de manter em Macau o ensino em português pós-1999, a escola funciona nas instalações onde outrora funcionou a Escola Comercial Pedro Nolasco da Silva, propriedade da APIM – Associação de Promoção da Instrução dos Macaenses, um nome que assenta que nem uma luva à figura do próprio Pedro Nolasco da Silva, um grande macaense que dedicou a vida à educação dos filhos da terra. Havia quem defendesse que a EPM devia ser instalada no antigo Liceu de Macau, na Rua Luís Gonzaga Gomes, e alguns anos depois deu-se uma “crise” que indicava que afinal estes tinham razão. Já lá vamos.
Os primeiros anos de funcionamento da EPM foram atribulados. A primeira evidência era a redução do número de alunos ano após ano lectivo. A esmagadora maioria dos encarregados de educação macaenses (e mesmo alguns portugueses) optaram por inscrever os educandos em escolas chinesas ou internacionais, no que foi entendido como uma “aposta no futuro”, um misto de pragmatismo e fatalismo fundamentada na inevitável “chinesização” do território. O grosso dos alunos da EPM eram filhos de portugueses, muitos deles em Macau a prazo, e alguns resistentes entre os residentes locais, que insistiram em dar aos filhos a mesma educação que adquiriram. Opção sensata, uma vez que a teoria de que o simples domínio de uma língua ou escolha de um sistema de ensino é determinante em termos de acesso ao mercado de trabalho é falível. Mesmo assim, e perante as evidências, houve quem vaticinasse o fim da EPM, mais cedo ou mais tarde.
Depois disso chegou o casino e os seus largos tentáculos que derrubam tudo o que encontram no seu caminho. O antigo Campo dos Operários, anexo à EPM, deu lugar ao Grand Lisboa, projecto da SJM do magnata Stanley Ho, que assim respondia à concorrência das concessionárias norte-americanas que com ele disputavam o mercado do jogo. Ho deu a entender desde cedo que o terreno onde se encontra a EPM lhe interessava, e comprometeu-se a construir uma escola nova noutra localização. As opiniões dividiram-se, e entre quem aceitasse deslocar a escola da área do empreendimento casineiro, outros questionaram as garantias que tinham sido dadas no início: afinal a EPM não ia ser ali, sem que ninguém chateasse? Perante reuniões sucessivas e inconclusivas entre a Associação de Pais e a direcção da escola, pairou uma ameaça durante um Verão “quente”, quando muitos pais estavam de férias, de que a escola seria demolida à revelia das partes. Chegou a temer-se o pior, mas a deterioração do estado de saúde do magnata da SJM e a alienação do seu imenso património arrefeceram as intenções expansionistas, e a escola mantem-se no mesmo lugar de sempre. Fica por explicar o que realmente aconteceu durante as negociações, e se realmente existiu um acordo, e da APIM não chegou qualquer esclarecimento.
O 10º aniversário foi comemorado em 2008 com pompa e circunstância, com um espectáculo memorável realizado no Centro Cultural. Apesar do assunto das instalações ter ficado em “stand-by”, continuava o decréscimo no número de alunos. A EPM decidiu então reinventar-se e tornar-se convidativa para alunos de outra origem que não a portuguesa, criando o ano de adaptação para estudantes de língua materna estrangeira, com resultados visíveis, se bem que longe de espectaculares ou decisivos para contrariar a tendência da diminuição das inscrições. O que “salvou” mesmo a EPM foi a crise em Portugal, que originou uma nova vaga migratória de portugueses para Macau e fez ainda com que outros regressassem. Há dois anos, e pela primeira vez, deu-se um aumento no número de alunos. Os profetas da desgraça abriam a boca de espanto e arrumavam a viola no saco.
O futuro da EPM e a sua continuidade medem-se sobretudo pelo número de inscrições no primeiro ano do ensino primário, e tradicionalmente os novos alunos transitam dos jardins de infância de matriz portuguesa, com destaque para o D. José da Costa Nunes. O aumento significativo do número de alunos no ensino pré-primário em português são um bom indicador para a EPM, e mesmo alguns pais de etnia chinesa mais liberais optam por inscrever os filhos no ensino de matriz lusa, alguns deles cansados da falta de vagas nas escolas chinesas, e a impossibilidade de inscrever os filhos nas mais “elitistas”. A ideia que a população chinesa tem do ensino em português é normalmente positiva, e são cada vez mais os encarregados de educação que transmitem a sua satisfação, que assim vai andando de boca em boca e chegando a cada vez mais ouvidos. A actual situação económica em Portugal não indica que os actuais expatriados façam planos de regressar tão cedo, e a tendência é que vão chegando mais famílias que encaram a EPM como uma opção incontornável.
Ao leme deste barco durante estes 15 anos, ora atravessando ondas de tempestade, ora navegando calmamente num mar de bonança, está Edith Silva, uma natural de Macau que dedicou a vida à educação, na tradição de Pedro Nolasco da Silva. A directora e a sua equipa estão de parabéns, nunca dando sinais de cansaço ou intenções de virar as costas ao projecto, mesmo quando a situação convidava a fazê-lo e não ter o nome associado a um eventual naufrágio. E falando de abandono, foi lamentável a atitude da Fundação Oriente, que desinvestiu na escola, dando a entender que as suas intenções pouco ou nada tinham a ver com a preservação do ensino e da cultura portuguesa no período pós-transição. É bom para os portugueses e é bom para Macau que exista a EPM, e que se apresente como alternativa séria no ensino em Macau. Os responsáveis da RAEM reconhecem isso mesmo e dão à instituição o valor que esta merece. Sosseguem os velhos do Restelo e respirem de alívio os mais pessimistas. Parece que Portugal deixou aqui qualquer coisa bem feita.
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