sábado, 17 de maio de 2008

Perfeitamente normal


Os serviços informativos em geral têm sido preenchidos com notícias da tragédia que se abateu sobre a província de Sichuan, na China. O sismo de intensidade 7.8 na escala de Richter que teve lugar na passada Segunda-Feira em Chengdu foi seguido de réplicas durante toda a semana, sendo que ontem se deu a maior, de intensidade 5.5. O número de vítimas mortais ascende às 29 mil, mas prevê-se que chegue à meia centena de milhar. Têm sido notícia as histórias de heroísmo, de sobreviventes retirados dos escombros mais de 80 horas depois, de comovidos reecontros, de salvamentos quase miraculosos. Cada minuto que passa é exasperante, e são cada vez menores as hipóteses de sobrevivência.

A onda de solidariedade foi imediata. Dos quatro cantos do mundo chegaram mensagens de pêsames, dos países da região chegam contribuições, ajuda humanitária e logística diversa, de modo a atenuar o sofrimento dos sobreviventes e tentar ainda resgatar vidas. Em Macau e Hong Kong continua a recolha de contribuições, e a população das RAE’s tem contribuido com o que podem. A reacção do Governo Central aos acontecimentos foi a que se podia esperar de qualquer outro país civilizado onde uma tragédia semelhante acontecesse. O socorro à população de Sichuan é a prioridade máxima de políticos e militares. O primeiro-ministro Wen Jiabao ocorreu ao local menos de duas horas depois do sinistro, e a imprensa, local e estrangeira, tem tido acesso ilimitado a todos os locais e a informação tem sido actualizada ao minuto.

Em Portugal os serviços noticiosos continuam imbuídos do preconceito que a China é um país fechado que tenta abafar as tragédias, e toda esta “mudança” nos costumes tem sido considerada uma “surpresa”. Bem sei que na memória de muitos ainda estão os acontecimentos da Praça Tiananmen em Junho de 1989, um tema tabu junto das autoridades chinesas, ou o terramoto em Tangshan, em 1976. Mas é preciso lembrar também que os fortes nevões que paralisaram a China em Fevereiro último ou o choque entre comboios no mês passado foram objecto de um tratamento exaustivo e completamento aberto por parte das autoridades chinesas. Deus permita que não hajam frequentemente acontecimentos semelhantes que possam comprovar esta abertura.

Não há absolutamente nada de bom no que aconteceu em Sichuan, onde se deu a perda de milhares de vidas humanas. Mas se de alguma coisa serviu, foi para desviar a atenção para um debate absolutamente fútil sobre tochas e a sua inexplicável relação com o respeito ou não pelos direitos humanos. Sim, pode parecer uma grande surpresa para muito boa gente que a China, apesar de ter uma reacção forte a certas críticas vindas do exterior, saiba cuidar do seu povo. Só que para mim, e perdoem-me a arrogância, não é surpresa nenhuma. É como dizia o outro, uma situação perfeitamente normal.

4 comentários:

Anónimo disse...

Caro Leocardo
Pois não está tão normal assim: "A imprensa chinesa está cobrindo os horrores do terremoto de Sichuan com uma transparência jamais vista em outras tragédias ou distúrbios pelo país. Jornalistas estrangeiros, no entanto, estão sendo tratados de forma discriminatória pelas autoridades chinesas, provavelmente por conta da cobertura dos protestos no Tibete e durante a viagem da tocha olímpica pelo mundo, considerada parcial. Muitos jornalistas estrangeiros são impedidos de chegar aos locais mais atingidos pelo terremoto ou detidos arbitrariamente para interrogatórios." Gilberto Scofield, O Globo
A fonte:http://oglobo.globo.com/blogs/gilberto/

Anónimo disse...

Fica mal ao Leocardo misturar assim as coisas. Pelo que diz o anónimo anterior e porque não é por ter havido esta tragédia que as críticas à China relacionadas com os Jogos Olímpicos estavam erradas. O mundo teve o gesto nobre de fazer uma pausa nas críticas perante este desastre, mas não interprete isso como uma capitulação ou o reconhecimento de um erro qualquer.
A China vociferou contra os franceses por causa do que aconteceu com a tocha em Paris e agora o povo francês envia a sua ajuda humanitária para as vítimas do terramoto. Assim se vê quem é nobre. Aprendam!

Leocardo disse...

Meu caro anónimo, ninguém está aqui a misturar nada, e ainda bem. Tudo o que disse foi que se alguma coisa esta tragédia serviu, foi para refrear os ânimos de quem não sabe discutir os temas em sede própria. Se calhar a força das convicções não é assim tão forte, o que só lhes fica bem.

E por que é que a França não havia de ajudar? Porque meia dúzia de malucos fizeram boicotes aos produtos franceses na China ou o governo chinês "criticou"? Não acha normal os governos criticarem-se uns aos outros às vezes? E não seja ingénuo, a França só tem a ganhar em ajudar, e sabe muito bem porquê.

Cumprimentos

Anónimo disse...

Eu acho normal. Por isso é que acho normais as críticas ao problema dos direitos humanos na China, com ou sem jogos olímpicos. As críticas não começaram com os jogos e não vão acabar com eles. Você é que parece não achar isso normal, tão incomodado que está com essas críticas.