quarta-feira, 21 de maio de 2008

Dinheiro de plástico, paciência elástica


Quando era chavalo, tinha uma tia velhinha que visita dia sim, dia não. Era viúva, e vivia mais ou menos a dois quilómetros da cidade. O filho, que vivia em Lisboa, abriu-lhe uma conta onde pudesse depositar a sua reforma e a pensão do meu tio, e para lhe facilitar a vida, um cartão Multibanco. Estávamos nos finais dos anos 80, e qualquer rato da cidade sabia usar um cartão daqueles. A minha tia tinha medo, era velha e sozinha, e verdade seja dita nem estava para se maçar em aprender a usar o cartão ou decorar o número, que guardava num papel na carteira, colado ao cartão. Era eu que cada vez que lá ia voltava de bicicleta para a cidade e levantava quatro ou cinco contos, duas ou três vezes por semana, para as despesas. Era só em mim que ela confiava, e com isso ganhava sempre quinhentos paus, que na altura era um dinheirão para um catraio pobre como eu.

Naquele tempo era tudo muito mais simples. O cartão só servia praticamente para consultar o saldo e levantar dinheiro. Hoje podem-se pagar as contas, fazer transferências, trinta por uma linha. Torna-se fastidioso usar aquele cartão, e até aderi ao autopay, pois dessa forma só preciso de pagar uma conta. Houve um tempo em que andava com os bolsos cheios de talões, recibos, e essas porcarias que ficavam coladas nos magnetes do frigorífico, como se um dia viesse alguém da CEM cortar-nos a luz por marotice e assim tinhamos o recibo mesmo à mão de semar para provar que pagámos: "está aqui, 'tás a ver? uh? uh?".

Mas para quem não gosta de guardar dinheiro no colchão ou recusa-se a andar com muita nota no bolso (como eu, ando no máximo com duzentos paus, portanto não me assaltem que não vale a pena...), o acto de levantar dinheiro nessas caixas é quase uma rotina diária. Em Macau isso é muitas vezes uma aventura (e falo de Macau, com conhecimento de causa), e vastas vezes sucedem-se situações que irritam os mais pacatos e os mais santos torna maus. E quais, interroga-se o querido leitor, que terá passado por muitas situações idênticas.

Desde o aumento da população e o sucesso da economia que qualquer analfabeto tem um cartão, e não hesita em utilizá-lo. Alguns, principalmente os mais velhos, fizeram dinheiro no contrabando ou na bolsa, e ainda não aprenderam que se pode realizar mais que uma operação de cada vez. Quase todos os dias apanho um destes, que mete o cartão (ritual sagrado que demonstra opulência e modernidade) três vezes: uma para verificar o saldo, outra para levantar o dinheiro (e pede sempre o recibo, não vá o banco roubá-lo, parte de uma conspiração macabra) e finalmente mais uma vez para verificar novamente o saldo. O pior são as senhoras, que se acomodam junto da caixa e não arredam pé enquanto não estiver tudo devidamente arrumado na bolsinha.

O serviço de cartões e a comunicação entre os bancos é absolutamente lastimável. Se o cartão for "comido" por uma caixa ATM do seu banco, nunca demoram menos de uma semana a emitir-lhe um cartão novo. Se foi noutro banco, nem vale a pena reclamar ou tentar recuperá-lo, e a demora é maior ainda. Dos cartões perdidos, e sempre por "razões alheias à entidade bancária", nunca mais sabemos o que lhes aconteceu. Provavelmente vão para o Grande Cemitério dos Cartões Multibanco, na Parvónia. Já me aconteceu levantar dinheiro e a pasta não sair, mas o levantamento ficar registado. Uma vez tive que ir ao Banco da China preencher um formulário para recuperar 400 patacas, que escusado será dizer, nunca mais vi.

Outro factor a ter em conta são os feriados, principalmente do Ano Novo Chinês. Os bancos fecham durante quase uma semana, e no segundo dia já não há dinheiro nas caixas, uma situação que faz em tudo lembrar o racionamento de água em qualquer deserto. A única solução é levantar milhares de patacas alguns dias antes, para não ter que enfrentar esta carestia carnavalesca. Outro dia problemático é o dia 16 de cada mês, quando os funcionários públicos recebem o seu vencimento. Nesse dia é praticamente impossível encontrar uma caixa ATM disponível de manhã. Mas até os compreendo, coitados, que têm contas a pagar.

E por falar em cartões, li hoje no JTM uma notícia absurda. Um palerma qualquer roubou a carteira a um colega e usou o cartão de crédito para comprar um iPod. Até aqui tudo bem (ou tudo mal), mas o fulano foi apanhado porque apresentou o BIR do colega quando pagou o objecto com o cartão roubado, e tentou disfarçar "tapando metade da cara e coçando a cabeça". Que tipo de idiota é este? E qual é o supermercado ou loja de electrodomésticos que confere a assinatura, armado em cartório notarial? E se a carteira foi roubada, porque não ligou a vítima ao banco para cancelar o cartão? Mistérios do arco da velha.

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