terça-feira, 20 de maio de 2008

O tempo dos vIRCiados


Comprei pela primeira vez um PC em 1995, quando o Edifício Fortuna, na Avenida Ouvidor Arriaga, estava transformado num verdadeiro silicone valley em versão macaense. Os preços praticados então não tinham nada a ver com os de hoje; lembro-me de ter pago perto de 20 mil patacas (e ainda me sinto enganado...) por um computador que hoje nem serve para pisa papéis. Nos dias que correm, 4 mil patacas chegam e sobram para comprar um PC mais ou menos decente. Mas a malta queria aderir à moda da internet, ter o mundo em casa à distância de um clique.

Passado pouco tempo fui apresentado ao IRC, que significa qualquer coisa como Internet Relay Chat, um medium inventado por um tal Khalem Mardam Bey, um engenheiro informático vegetariano que vive actualmente em Londres, e que criou um monstro. Não havia adolescente ou jovem adulto que não aderisse a moda. Alguns passavam horas a fio, noites inteiras agarrados ao brinquedo, e entre eles muito boa gente já com idade para ter juízo. A CTM chegou a fazer uma promoção que brindava os seus clientes com internet grátis ao fim-de-semana, e graças à falta de servidores, era quase impossível conseguir ligação.

Não sei se alguém teve um pen pal quando era mais novo. Na minha escola alguns dos meus colegas tinha, e como a maior parte da malta tinha dificuldades no inglês, era sempre uma menina do Brasil que escolhiam para trocar correspondência, que normalmente se resumia a duas ou três cartas por ano de cada uma das partes. O IRC era a versão revista e aumentada do pen pal. Era a possibilidade que alguém, fosse ele muito feio, gordo ou esquisito, conseguir comunicar com milhares de almas gémeas no mundo inteiro. Do outro lado podia estar o maior camafeu, mas podia-se crer que se tratava do príncipe encantado, ou da alma gémea.

O IRC era (e ainda é…) organizado por servidores, sendo o mais popular a Undernet, que contava com centenas de milhar de usuários. Uma vez entrados no servidor, podia-se optar por procurar os mesmos amigos, ou entrar em um dos canais e conhecer gente nova. As conversas que tinham lugar nestes canais eram tão deprimentes que nem vale a pena citar exemplos. Os canais mais populares entre a malta nova de Portugal e Macau eram o #portugal e o #macau (lógico…), e lá chegavam-se a travar amizades, ódios e até relações mais sérias! Cheguei a conhecer duas meninas portuguesas que vieram a Macau conhecer os seus namorados virtuais, também eles portugueses. Não sei se foi mesmo amor, ou a vontade de juntar o útil ao agradável, e conhecer o Oriente.

Estes canais eram moderados por operadores, vulgo ‘ops’. Para se chegar a moderador era necessário ser um visitante regular e engraxar o dono do canal. Os operadores eram normalmente pequenos ditadorzinhos, pessoas com sérios problemas emocionais e um forte complexo de inferioridade, que tinham o “poder” de expulsar outro utilizador do canal, muitas vezes à margem das regras (sim, existiam regras e tudo!), provavelmente como escape à vida triste e insignificante que levavam. Mas nem tudo era gente séria. Houve um tempo em que os war scripts estavam na moda. Programas que eram adaptados ao IRC que serviam paraterminar a ligação a outro utilizador, e às vezes mesmo mandar virus ou bugs.

Outra monstruosidade era a linguagem que se utilizava entre os vIRCiados, como eram conhecidos os viciados no IRC. Os rapazes e as meninas não tinham mãos a medir, tal era a azáfama, e então falavam por abreviaturas. Era o "dd tc" (donde teclas) o "vc tb" (você também) ou o "fds" (fim-de-semana, pensavam o quê?). O minimalismo chegava ao ponto de se escrever "o q" em vez de "o quê". Da gramática e da ortografia nem se fala. Mas o mais irritante é o "lol" (laughing out loud), abreviatura usada qd se axava qqer coisa engraçada (oops, já me apanharam). Não pelo "lol" em si, que até faz todo o sentido, mas as suas variantes portuguesas "loooool" ou "lolololo" o ainda "lolada", como se "lol" fosse algum tipo de ditongo ou verbo.

Escusado será dizer que além de muitos amores, o IRC destruíu muitos casamentos. Conheci alguns vIRCiados que gastavam contas astronómicas de telefone a ligar para os quatro cantos do mundo para escutar a voz dos seus "namorados virtuais", e nunca ficou bem claro se o tal do "sexo virtual" contava como adultério. Como eu era solteiro, mou man tai, e confesso que até cheguei a conhecer uma ou outra namorada no IRC. Já sei que não é tão romântico como se conhecer no casamento de um amigo, ou em Verona, no meio de uma disputa entre famílias rivais, mas permitam-me a analogia: o IRC era, nos anos 90, o equivalente aos bailes nos anos 60 e 70, ou às matinés dos anos 80.

5 comentários:

Anónimo disse...

Ping? Pong!

Anónimo disse...

O melhor é o ROTFLOL = rolling on the floor laughing out loud :-)

Anónimo disse...

/me slaps leocardo around a bit with a large trout.

Anónimo disse...

Caro Leocardo
Tenho seguido com interesse os seus artigos.
Permita-me uma sugestão.
Actualmente custa a ler o seu blog porque ela é muito estreita para tanto texto e os comentários ficam mesmo estreitinhos.
Tenta modificar no HTML para a forma clássica, parece que assim os comentários abrem na totalidade da página, e onde diz pixel de 6?? substitua por auto, ou mais pixels.
Desde que não faça "save" pode sempre voltar atrás.
Cumprimentos

Anónimo disse...

Grandes tempos. As noitadas que fazia, sabendo que tinha aulas no dia seguinte ás 8 da manhã...