Ontem (Domingo) estava pela hora de almoço a elaborar aquele tratado mal-tratado em quatro actos sobre os macaenses e "whatchmacallit", e como sempre com a TV ligada, para não ficar com um ambiente sepulcral, que imagino que seria como Sartre gostava de escrever. Pelo menos tinha o barulho das teclas da máquina de escrever, que incomodariam caso estivesse a querer escutar os programas caso tivessem eles TV como temos hoje. Pode-se dizer portanto que sou um "Sartre ao contrário", ou "Ertras". Como acontece sempre quando estou em frente ao PC ao Domingo de manhã, deu-se a feliz coincidência de apanhar a Eucaristia Dominical, em directo, como sempre, aliás, da Igreja da Sé. Tirando aqueles rituais de evocação de divindades, cânticos aos céus e outras coisas arrepiantes e coreografadas (adoro quando me chamam "acamado" no início: saudações aos acamados que nos acompanham pelo canal 1 da TDM), há o sermão, ou homilia, ou o-my-god-ia ou lá como isso se chama - fica assim para quem também não está nem aí: é quando o padre fala da Bíblia e tal. E quem senão o Rvdssmo. Stilwell para me despertar interesse no que diz o padre? Interesse em saber para que vão as pessoas à missa, ou porque não exigem uma coisa com qualidade.
E antes que me venham bater com os crucifixos, ou tentar convencer-me que "Deus me castiga", era melhor que lessem tudo até ao fim. É que nem eu vou tentar demover ninguém em ir à Missa, nem quero que corram com alguém do clero - isso aconteceu recentemente, e a minha contribuição na forma de um ou outro aparte foi menos relevante do que uma corneta de plástico da feira num concerto de vuvuzelas. O que se passa aqui, e que só lamento que os fiéis tenham que ficar prejudicados, foi uma sequência de eventos que nada tiveram a ver com Deus, que como sabem para mim pode ou não existir, e se vocês acreditam óptimo, senão também não vos cai um raio em cima. E o mesmo se aplica ao outro (aquele que lembra um adepto do Benfica), que até nem tem sido muito referido, tal é a polivalência do primeiro, tão requisitado na hora de perdoar, quer na hora de meter os meninos que se portam mal na linha.
Ajuda se tivermos em conta que o clérico em questão acumula com a função de pastor uma outra mais tutelar, e a que dedica o tempo todo quando não está a dar missa: reitor da Universidade de S. José, afiliada com a Universidade Católica em Portugal, ou pelo menos em parte, mas com toda a certeza força motriz da sua implantação inicial no território. Curiosamente (e felizmente, só faltava mais essa) as notícias relacionadas com a Universidade têm uma recepção que demonstra uma "individualização" da parte da opinião pública, e ninguém ia gostar de ver o nome de Deus associado a uma obra que com toda a certeza nunca seria "uma obra Dele". Digamos que a todos Deus dá a sua graça, e dessa graça se criam as obras - Deus quer, o homem sonha, a obra nasce. É claro que Pessoa não previa problemas de ligação entre as três valências, pois para ele aparentemente funcionavam na perfeição, mas aqui a culpa pode também ser atribuída em parte ao "terreno acidentado", e que ainda por cima está muito longe de ser tão fértil para semear a fé daquela denominação - não se trata aqui da Terra Santa, nem de longe nem perto. Ou melhor ainda, um qualquer entreposto provinciano e fiel incondicional ao criador, ao ponto de convencer o rebanho que "a vontade de Deus é suprema". Aqui há demasiados gentios, as ervas-daninhas das obras em nome do divino, mas que nada aparentam de divinas. Nem de outra coisa, entenda-se, a não ser das obras do Homem, e aqui o problema terá sido não ter existido o "clique" com Deus: pode ter sonhado, mas não foi porque Deus quis. Ou sonhou demasiado alto.
Não conhecia o senhor Stilwell quando este chegou a Macau, nem como sacerdote católico, nem como reitor, mas se quanto a este último o melhor mesmo é dissociá-lo do seu alter-ego religioso, o primeiro parece-me estar a evidenciar um certo desgaste, ou recorrendo ao léxico adequado, está "desencontrado com a fé". Minha opinião apenas, e se quiserem chamar-me "blasfemo" ou outra dessas designações do manual de regras do vosso jogo, que como podem entender não conheço e não jogo (eram como se fossem marcar falta contra um espectador na bancada e mostrar-lhe cartão amarelo), e esta opinião é a de quem escuta o que uma pessoa está a dizer a um grupo de outras pessoas que esperam de um templo onde praticam o seu culto algo que as faça sentir mais seguras que estão a fazer mesmo o bem, que as faça sentir melhor, dê inspiração, conforto, sei lá, respondam-me se puderem: para quê? E o que eu ouvi foi o seguinte, que podem também confirmar no link, se quiserem:
Pois é meninos, isto de cumprir com o culto semanal não é para rodriguinhos e patricinhas, mas para homens e mulheres de barba rija (mulheres também, sim, e pode-se considerar qualquer uma das barbas). Entrámos na Quaresma, período que como se sabe culmina com a celebração da chacina do mais querido de entre os nossos, por desígnio de seu Pai, e que como prova da nossa devoção incondicional vamos bater palmas, que aquilo é mesmo o máximo. De todos os testes que fazemos na vida, o sr. Deus tem sempre os mais interessantes e espectaculares. Então reparem em Abraão, que segundo os ateus é o "tipo que a ter existido, se inculpa a invenção de Deus", uma espécie de autor de ficção científica daquele tempo (há seis mil anos, dizem alguns fiéis, daqueles que percebem disto). A ser verdade, este Abraão entrará para o panteão dos defraudados, e não me façam essa cara, porra, pois leiam aquilo que está ali escrito! Deus promete mundos e fundos a Abraão, caso este aceite fazer com Ele uma "aliança". Como não conhece nenhum dos Seus filhos mais digno da graça que se prepara para anunciar, não deverão restar muitas alternativas ao pobre Abraão senão aceitar. É por isso que devemos aceitar as graças de Deus, senão estamos a ser ingratos com o Pai, e podem-nos acontecer "coisas terríveis", ao contrário de Abraão, a quem são dadas vantagens fabulosas, quando tudo o pobre homem tem é "um mordomo chamado Eliézer (e de facto, lá isso é nome que se dê a um mordomo?), e o que não tem mas gostaria muito de ter era descendência. Deus garantiu-lhe que não só teria muitos mordomos que "compraria", como vamos ver depois, como ainda a sua descendência seria em número "igual ao das estrelas que ele contasse no céu", um método de planeamento familiar muito em voga entre patriarcas bíblicos. Questionado sobre como é que podia ter a certeza de que lhe seriam entregues todas estas benesses, Deus pede-lhe que traga três jovens quadrúpedes e duas aves, e obriga-o a executar de ritual que levaria os activistas dos Direitos dos Animais à apoplexia - os tais que chegam a pedir a Deus que interceda pelos bichinhos, sabem? Ou se calhar é outro, e eles afinal são islâmicos. De seguida Abraão cai num sono, ou "escuridão", e é aí que Deus lhe dá o "golpe": ele e os seus descendentes, que quantas mais estrelinhas ele contasse, mais seriam, estavam fadados para imigrar para o Egipto, onde seriam escravos "por 400 anos". Isto deve ser uma modalidade muito precoce de "time-sharing". Nem os mais crentes iam...bom, esperem lá.
Existe um debate tão interessante, relevante e actual sobre se Abraão e os seus descendentes foram escravos durante 400 anos, ou se afinal foram 430, com uns a considerar que "poderiam ter sido mais trinta anos" além dos 400 que Deus determinou serem o tempo suficiente para que o seu fiel servo e os seus descendentes andassem a toque de chicote do Faraó. Nem é preciso lembrar que tudo o que nos parece um acto de crueldade desnecessária da parte de Deus faz parte de um "plano" Seu (desconheço qual, assim como toda a gente), a obra mais antiga, mais aguardada e mais adiada de todos os tempos - e digo TODOS os tempos, mesmo. Deve ser por isso que os activistas dos direitos dos animais não só relativizam este facto, como ainda apelam ao divino que intervenha cada vez que consideram que um tipo qualquer que tenha descurado por a higiene do seu cão, e deixado que este apanhasse pulgas, merece um castigo não só exemplar, como ainda contendo uma elevada carga irónica - devorado por um crocodilo, por exemplo. "Ai não deste banhinho ao bebézinho durante três dias e deixaste as pulgas morder o coitadinho? Agora fica tu saber como é ser mordido, seu canalha!".
E quem levantou essa questão dos 30 anos a mais? Comunas ou ateus com toda a certeza, lobos com pele de carneiro, que interpretam a sagrada escritura de forma desonesta, dando a entender que o Deus de que aqui se fala era cruel, uma versão do Pai tirano comum, com o acréscimo de tirar prazer dos castigos que aplica aos seus filhos. E prova disso é exactamente esta passagem; para quê especular que em vez de vetar Abraão e o seu povo a 400 anos de escravatura, coisa perfeitamente tolerável, o Criador decidiu-se antes por 430, como se fora um monstro?!?! Assim não dá, sinceramente. Como se pode chegar à razão com estas pessoas, que duvidam da sapiência omnisciente do Rei e Senhor disto tudo, que se nos pôs cá, só é justo que nos extinga quando a Sua vontade assim exigir.
Mas voltando agora à inspirada homilia que o Pastor da Igreja que em Macau é indissociável da própria matriz do território, tendo chegado praticamente de mão dada com os primeiros portugueses que aqui se fixaram deu ao seu rebanho. Certamente que haverá mais naquela passagem do que aquela espécie de "bullying extremo", onde à vítima não é dada sequer a alternativa de se esconder ou reagir às investidas do seu omnipresente e omnipotente agressor. "Hmmm...bom, parece que ele conseguiu escapar. Vou-me embora, paciência, mas antes deixa-me decorar ali aqueles arbustos com labaredas, lavra e enxofre, que certamente ninguém se encontra escondido ali atrás. E sou eu que o diz, e tudo sei". Bem, disse o que lá estava, tranquilizando qualquer dona de algum gatinho que por acaso ali estivesse, e numa segunda e improvável hipótese, estivesse a prestar atenção, que aquele número com animais que se esperaria do Dr. Mengele, e não do todo-misericordioso, era "assim, naquele tempo", encolhendo os ombros de seguida. Quatrocentos anos? Pois, e foi por isso que Abraão foi dormir, acordando na escuridão com um pressentimento "mau". Podia ser pior, de facto. E se fossem mesmo 430? Se quem acha que este lindo conto bíblico com chancela da Igreja é digno de ser recontado aos mais pequenotes em "A minha primeira Bíblia", e ficou especialmente inspirado, porque não passar para o capítulo seguinte, onde a generosidade de Deus continua a ser demonstrada?
Ali entre Génesis 17:4 e 17:9, fica descrita a montra de prémios, e perante tamanha bonomia, o patriarca foi na conversa - o mundo tinha começado recentemente, e como Deus criou TUDO, os "truques de confiança" não foram excepção. Uma vez "aliado" a Deus, o "sócio" passou aos "requisitos do contrato", logo no versículo seguinte, e não faz a coisa por menos: como condição e para celebrar a aliança, Abraão devia mutilar parcialmente o seu membro genital. Pois, aqui o sr. orador optou por circuncisar a passagem, pois ao Domingo ao meio-dia não dá para transmitir programação para menores de dezasseis, e logo atrás dele no altar estavam criancinhas, por misericórdia! Ninguém pensa nas criancinhas??? Também não interessava muito falar da segunda condição, que implicava "dar um filho" a Abraão, que riu-se quando escutou estas palavras, pois "a sua mulher tinha 90 anos de idade, e ele quase uma centena". Deus parece ter assegurado que não seria necessário ele se preocupar com nada, que o Próprio se encarregaria de providenciar os meios e a mão-de-obra, e tudo o que Abraão precisava era receber a criancinha nos braços. Entre decepar a pele frontal do membro, e esta nova proposta, o patriarca começava a sentir-se "baralhado" - pelo menos seria essa a razão do peso que sentia na cabeça, mais ou menos na zona da testa. "Caminhos misteriosos", com que então. Talvez para o pobre Abraão, pois é óbvio que de todos, seria o último a saber. Penso que nunca soube, coitado.
Pronto, isto foi o que NÃO se falou na íntegra na homilia da Sé episcopal este Domingo. De facto o pastor falou da aliança entre Deus e Abrãao, mas não houve para ali nenhuma linguiça às rodelas, nem marotices com a mulher do próximo. Ah! Então e o texto original e integral do livro 17 de Genesis, fui eu que o escrevi, agora? Se estivesse aqui o diácono Hugo Gaspar, vinha explicar que eu sou um idiota, etc. - e eu não me importo nada que o faça, e se quiser pode referir-se a mim pelo meu nome, que ao contrário dos filhos de Abraão, não foram dados por Deus (momento da criação do "padrinho à espanhola"). Depois disso, muito cândido e paternalista, aplicava a sua formação católica-apostólica-romana para nos educar, começando por nos alertar que "nem tudo pode ser interpretado literalmente", e que o hino nacional não nos está a mandar marchar contra nenhuns canhões. Isto dito com um ar de quem está a falar com Cromagnons, explicando-lhes que as clavas eram mais úteis usadas na caça a outros animais, do que a esmagar a pinha uns dos outros. Depois elucidava-nos sobre como "são só os judeus" que ainda praticam aquele "solene momento" que marca a aliança, enquanto que aquilo que os islâmicos (ou "muslos") praticam chama-se "mutilação genital". Porquê? Enganaram-se no Deus, que é outro, enquanto o deles é o único. Isto da Sara engravidar do Senhor é mais uma daquelas coisas dos pobres judeus, que nunca mais aprendem que estão errados, e se porquanto agora são muito queridos, de vez em quando temos que os mandar ir ter com o criador mais depressa. Aproveitem agora para gastar e gozar a vida, que quando andarmos a precisar de "capital", liquidamos o credor e deixamos a dívida na conta de Deus. Auschwitz! Desculpem, espirrei. Não precisam de dizer santinho.
Confesso que me diverti imenso com tudo isto, que não magoa ninguém, pois caso contrário teria deixado de ler a certo ponto (na segunda ou terceira linha), e se quem leu tudo ficou "ofendido", é possível que tenha alguma parafilia a atirar para o sado-maso, e basta ler esta linha que agora escrevi para justificar a minha recusa (e censura), e dizer "não faz o meu tipo" seria redundante. E diplomático, também. Eu digo, sempre disse, e como não se avizinham alterações ao conteúdo dos textos em causa sempre direi, a Bíblia tem para todos partes que lhe podem servir, não sobre "o que fazer", ou "como fazer", mas como inspiração, ou objecto de reflexão. Não será tanto por culpa do Rev. Stillwell que de tudo o que podia escolher para mandar os católicos de Macau para casa mais bem dispostos, usufruindo com alegria do resto do Domingo, pegou num mórbido recanto de um dos livros que mais evidencia o lado negro, pérfido e cruel da natureza humana. O resto de Génesis não é mais do que um somatório de incesto, traição, homicídio e todo o agravo que se possa imaginar. Mesmo que o Hugo Gaspar vos diga que quando Ló ofereceu a sua filha virgem aos ávidos sodomitas para que estes "não incomodassem" dois gajos que ele alojou, e que nunca tinha visto mais gordos, o que se deve entender após uma interpretação como deve ser é que por "filha" ele queria dizer "alaúde", que tocou acompanhado de uma Cantiga de Amigo, apaziguando assim os incorrigíveis habitantes de Sodoma. O que vem a seguir, e que incluiu ainda a cidade vizinha de Gomorra, é o que aconteceria SE não tivesse o jogral Ló cometido aquele acto de heroísmo. Se tivesse oferecido a filha, depois como é que lhe tirava os três mais tarde na gruta, depois de Deus lhe ter transformado a esposa em estátua de sal? É preciso "interpretar", então?
Mas deixemos o meu camarada-de-armas (sendo a dele uma cabeça de porco, Novo Cruzado que é), e passemos ao teste do algodão. Na manhã seguinte, segunda-feira, comentei com uma colega macaense, curiosamente uma católica devota, o que tinha ouvido da Missa do dia anterior. Ela ria-se, naturalmente, pois apesar de já estar a par da minha posição nestes assuntos, a rábula escolhida para o sermão nem precisava de qualquer teatralidade ou exagero que a tornassem hilariante, pois o riso é uma das reacções que se podem ter ao escutar da boca de outro ser humano da era moderna um episódio desta natureza, tentando passar mais por "histórico" do que simbólico - e que raio de simbolismo é esse? Sabendo que era, ou é com mais ou menos frequência praticante, de família incondicionalmente devota, fiz-lhe uma pergunta que foi mais a confirmação do que estava à espera: "você não acha que as pessoas que ali estão a assistir nem sequer prestam atenção?". Antes de acabar a pergunta, já ela fazia sinal com a cabeça, toda divertida: "claro que não, as minhas tias nunca querem saber dessa parte". Por um lado ainda bem que assim é, de facto, pois os fiéis de Macau não são imbecis nem iletrados, e provavelmente sabendo o que a casa gasta, "aguentam" aqueles dez minutos como quem aguarda de pé pelo autocarro na paragem. O resto do culto é o que têm em comum com a fé que lhes foi transmitida pelos seus ancestrais, e mesmo que não se revejam em muitos aspectos da Igreja dos tempos de hoje, vão ao templo cumprir o que para eles é um dever, e depois da comunhão, chau, até p'rá semana, Sr. Deus.
Pode ser que o discurso do Papa Francisco tenha vindo a arejar um pouco o ar pesado e sôfrego exigido aos católicos para praticar a sua religião, mas isto só vem dar razão a quem o descreve dessa forma: se dizer que "ninguém é pessoa por não ser católico", ou que "o inferno não existe" revelam uma aproximação com o mundo moderno e civilizado, bem como a rendição ao senso-comum. Longe de uma "revolução", lamento refrear o entusiasmo. E de que serve a Igreja mostrar sinais de querer finalmente dar a mão aos que durante séculos considerou indignos da graça de Deus, se as bases, ou neste caso a Eucaristia Dominical, ou um outro serviço religioso, continuam a fazer-se como se Deus lá estivesse a vigiar toda a gente com ar de zangado? Deve ser por não conseguir passar desta fase de "temei a Deus" que até a perspectiva do que se vai encontrar no tal "Inferno" não se apresenta tão terrível quanto isso. Já viram como no Brasil se perdem os crentes para confissões evangélicas onde o culto consiste em ritos que seriam considerados "hereges", e um "desrespeito" pela Igreja Católica? E entre esses, que são já bastantes e para todos os gostos, há até alguns compostos apenas por homossexuais, que louvam Deus - e suponho que continua a ser o mesmo e único - indiferentes ao que lhes foram dizer que era o Seu desprezo por eles.
Ah, mas ia-me esquecendo de um aspecto importante; não são só os fiéis indiferentes à mensagem do seu pastor que frequentaram aquele serviço deprimente no passado Domingo. Há quem vá porque é praticante, e apesar de se manter no personagem e não questionar o método utilizado, duvido que possa dizer que sai dali mais cristão, e entre esses há os que julgam que me podem repreender por estar aqui a dizer tudo isto, saudosos do tempo em que era só discar o número da PIDE, para ir buscar o "comuna", e de seguida o do Forte de Peniche, para fazer a respectiva reserva. A esses só a morte alivia tamanho sofrimento. E "last but not least", havia ali gente inteligente, ou pelo menos com um nível que me deixa fazer esta presunção, incluindo elementos do círculo do alter-ego do sacerdote, a Universidade de S. José, que trouxe para junto de si após deixar bem claro o que acontece aos gentios e críticos da fé e dos seus aliados (será que cortaram o prepúcio, também?). É possível que estes tentem branquear o triste desempenho que foi aquele sermão com uma tal de "tradição cristã", que obedece a esses preceitos para que se prolongue e perdure. Não creio que nada de "cristão" se perdia sem aquele conto de "vikings", pois o que entendo por "tradição cristã", que valorizo, é nada mais que aquilo que cada um contribui para o bem de todos pautando-se pelas boas práticas, sabendo distinguir o bem do mal, receptivo ao diálogo e sempre pronto em auxiliar o próximo. Pode ser ainda que alguns dos sisudos crentes que ali estavam pensem que basta dizer "presente", e tem-se carta branca para pecar, "limpando" a cada semana os pontos acumulados. Tanto estes como o seu reitor mediram mal a força da fé em Macau; não a dos crentes, mas a dos tolerantes, e dos que não o sendo entendem a importância da instituição como ingrediente na confecção da "harmonia" com que se amanha a governação.
Não é necessário que a Igreja ou a Universidade tenham uma intervenção directa, ou se coloquem como obstáculo ao poder político, e nessa contabilidade seria a mesma coisa de sempre: Igreja e Governo a cantar à desgarrada, com a primeira a educar as alminhas para que não dessem muito que fazer aos segundos, com estes a atender aos "urgentes desígnios" dos representantes de quem tinha (e tem, para todos os efeitos) o Seu santo nome gravado no nome da cidade. Isto tomado com um grão de sal e deixando os "geradores de riqueza" fora do campo de acção dos tutores da moral, e ultimamente da salvação, foi sempre indo de vento em popa, até se dar um "cisma" - quando se "cismou" que se estava a ajudar o tal poder político com sermões que não tendo sido encomendados, ainda deram pior resultado que qualquer demonstração da bizarra forma com que o Deus do Antigo Testamento tratava os seus colabores. Ah sim, é verdade, esqueci-me: o Novo Testamento é a "Bíblia Light", para quem não aguenta o "kick" dos delírios do Antigo, que após uma "revisão mais atenta" coincide em termos de crueldade com...o Islão. Ah. Interpretem o horrível fim do filho de Deus e fundador do Cristianismo como "uma dádiva", e fechem o livro do Apocalipse, que possivelmente terá sido ali incluído por culpa de uma avaria na gráfica que imprimiu a primeira edição.
O que a Igreja podia aproveitar agora que ficou provado que nem todos os juízos que afirma serem vontade dos Céus, ou o que acham que seria (para muitos "a mesma coisa") colhem entre quem põe à frente de mais nada o direito consagrado à liberdade de culto contemplada na Lei Básica, podia muito bem devolver o interesse a esse mesmo culto. Tudo bem, que se mantenham os prantos com que se carrega o Senhor dos Passos, ou a versão amadora do 13 de Maio, que posso até arriscar dizer que não gera lucro que chegue para comprar uma Virgem fluorescente no santuário da Cova da Iria, mas fora disso, atinem com os sermões, não por mim, mas pelos fiéis, pessoas adoráveis que não me interessa o que acreditam, mas que são aquilo de que a Igreja é feita: pessoas. Pode ser esta uma boa oportunidade, e Stillwell pode continuar, porque não, se é uma pessoa lida e culta, e certamente que sabe fazer melhor do que aquilo que se viu no Domingo. Em vez daquele ar de enterro, austero e com uma queda para o teatralismo, e bem me recordo de um Stillwell ainda mais carrancudo a levantar os braços abertos junto ao altar durante o ofício, como quem ergue uma travessa de Leitão da Bairrada ao Senhor, podia falar com um tom mais, sei lá, "normal"? De alguém que não tem a espada de Demócles constantemente sobre a cabeça? Sei que é difícil, quando semeamos fé e nascem campus, e fiquei suspenso por um nanossegundo quando na semana passada o vi a falar do novo espaço da USJ, salientando "a grande ajuda que tiveram..." *suspense* "...do governo". Uff...melhor assim. Deus que peça contas a S. José a esse respeito, e...esperem lá, não é esse S. José aquele...bem, como já ficou mais que comprovado, eles lá se entendem.
Meus amigos, que acreditem em Deus e queiram praticar o culto, nem que fosse com um som de fundo do Coro dos Monges Gregorianos ou de Frei Hermano da Câmara, sois livres, e nem leiam nas minhas palavras qualquer intenção em expor uma fraude, ou seja o que for. Para mim a vossa ambição é tão legítima como a de quem prefere passar a manhã de Domingo a jogar ténis ou simplesmente a destilar os venenos da má-vida de uma noite de Sábado quem nada teve de católica . Se ajudar e quiserem chamar-me de blasfemo, pagão ou esse palavreado que ilustra a "simpatia" e o "fair-play" com que a Igreja (ainda) lida com os não-crentes, tudo bem, mas se pensam que "Deus castiga", saibam que para ser muito pior que aquela "aliança" que firma com Abraão, será precisa muita, mesmo muita imaginação.
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