terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

Eles não percebem nada disto...


Em tempo (e antes que saia o desta semana), deixo-vos aqui com o artigo da última quinta-feira do Hoje Macau. Estou cada vez mais para lá de Bagdad, como podem verificar...

Não sou ninguém para falar de Democracia. Ponto. E digo isto como forma de garantir uma certa imunidade aos anticorpos do chorrilho de disparates que vou dizer a seguir. Disparates para alguns, pois se calhar há quem concorde em número e em grau, ou só num destes dois, não sei, incomodava-me se toda a gente concordasse, mais do que se nem vivalma me desse razão – ou um bocadinho dela, vá lá. E isto no fundo é exactamente do que se trata a tal “Democracia”: uns dizem os disparates que bem lhes apetece, alguns concordam, a maioria discorda, e se há algo que me deixa seguro de que a maior parte vai achar que eu devia era ir dormir “porque o meu mal é sono”, é porque as coisas são assim mesmo, como em quase tudo: não há cabecinha que não produza a sua própria sentença sobre tudo e mais alguma coisa. É por isso que a “Democracia” é uma coisa complicada, afinal. A forma como as coisas deviam ser ou funcionar é aquela que EU acho mais indicada, e a que ME dá mais jeito, ou que ME traz mais vantagens. A “Democracia” é aquilo que EU quero que seja. Na minha casa, onde eu mando, ou noutro lugar onde eu vier eventualmente a mandar, “democracia” é aquilo que eu quiser. Discordam? Ainda bem.

Em Macau não existe “Democracia”, claro, uma vez que se trata de uma RAE da RPC (nesta fase do campeonato toda a gente devia saber o que estes acrónimos querem dizer). Nós, portugueses que aqui residimos, convivemos bem com este “vácuo democrático”, e isto apesar de sermos – pelo menos a maioria – oriundos de uma Democracia, essa conquistada “na raça”, vai já para lá de 40 anos. Quem aqui chegou antes de 1999 sabe que antes também não tínhamos uma Democracia propriamente dita. Éramos aquilo que oficialmente se designou de “Território Chinês Sob Administração Portuguesa”, onde concomitantemente se repetiam as mesmas juras de amor: “elevado grau de autonomia”, ou “Macau governado pelas suas gentes”. Tretas, pá. A Catalunha tem um “elevado grau de autonomia” a que Macau não chega sequer aos calcanhares e nem assim estão satisfeitos. As coisas são o que são, e o que vigora na prática é um suave e ameno “come e cala-te”. Com anestesia. Valha-nos isso. Por enquanto.

Nesta “não-Democracia” que é Macau, nós Portugueses seguimos cantando e rindo, e vamos tratando da nossa vidinha. Óptimo, que bom para nós. Isto não nos impede de opinar sobre o que seria se aqui funcionasse um entreposto da Democracia, e é do lado do “mero observador” que analisamos o comportamento daqueles que vão pelejando pela “Democracia”, e de um modo geral a análise que se faz é negativa. Sim, adivinharam, vem aí a dose de paternalismo da ordem: estes gajos não percebem nada de Democracia. Nós sim, percebemos bué. Transbordamos de Democracia por tudo o que é poro e outros orifícios cuja liberdade de expressão me permitiriam especificar, mas o mais básico decoro (e bom gosto) me impedem – vêem como eu “edromino” esta cena da Democracia e tudo? Ah, pois.

Um bom exemplo de como a Democracia na versão local não funciona nesta não-Democracia que é Macau é a notícia recente que dá conta da saída de um dos “históricos” da Associação que se determina ser a representante da tal “Democracia”, e tudo porque “não concorda com o rumo que a nova geração de dirigentes está a dar à associação”. Isto é grave. Quer dizer, deve ser, para alguém. Para nós, que sabemos o que é uma Democracia às direitas é indiferente, ou até dá jeito, uma vez que, repito, “estes gajos não percebem nada de Democracia”. Ainda iam arruinar o banquete, com aquela receita marada de “Democracia” que para ali desencantaram – se é que se pode chamar àquilo “Democracia”, sinceramente.

Se percebessem da missa metade, marcavam um congresso, e de um lado ficavam os Au-Kam-Samistas, do outro os Jason-Chaoistas, e numa terceira alternativa (só para chatear, e para aparecer, claro) os Scott-Chiangistas. Depois de muita conversa fiada, lá emergia o novo líder, os outros aplaudiam este exemplo de “Democracia on the making”, e ficava tudo na mesma. Esperem lá, na mesma não. Estes novos dirigentes são o quê? Ah, muito “radicais”, dizem. E ainda “adoptam um discurso xenófobo”, dizem também. De facto, dá medo só de olhar para eles, e imaginem que foram ao ponto de defender que os Trabalhadores não-residentes têm…ora essa, estou a fazer confusão. Quem disse isso foi a outra, uma das representantes das Associações da contra-Democracia. Isto de viver numa não-Democracia consegue ser mais complicado que uma Democracia propriamente dita. Deixem lá.
Entretanto esta terça-feira em Hong Kong tivemos a polícia a carregar em cidadãos, tendo efectuado mais de 50 detenções e deixado uma centena de manifestantes com a carola rachada. Em Hong Kong, onde ainda não há muito tempo tivemos uma espécie de “proto-revolução” que ficou baptizada com o nome de “Guarda-chuva”. Que giro. Esta incluiu ainda uma greve de fome (ou tentativa de greve de fome, enfim), falou-se de “desobediência civil”, e tudo mais que consta do guia “Democracias: faça você mesmo”. Mas que não se entusiasmem aqueles que aguardam por uma “Democracia” aqui ao lado, para que possam lucrar do eventual (e mais que certo) caos que daí adviria. Estes tumultos deveram-se à exaltação de alguns comerciantes que vendiam (ilegalmente, ao que parece) bolas de peixe na rua, e a quem a polícia ordenou que levantassem o estaminé. Ui, para esta gente pior que mexer com a “Democracia” é irem-lhes ao bolso. Isso é que não pode ser mesmo nada.

Reitero o que disse no início deste texto: não sou ninguém para falar de Democracia, nem me sentei à volta da fogueira para saber o que custou a liberdade, como na canção do outro. E não sou grande adepto de bolas de peixe, para ser sincero. Pode-se mesmo dizer que por estas bandas a Democracia é como as bolas de peixe: às vezes o sabor pode ser demasiado adstringente para a maioria dos gostos, e quase sempre “há molho”. Ah é verdade, completamente fora de contexto, queria desejar a todos um feliz ano do Macaco. E a isto chama-se acabar em grande estilo. Macaco, com que então. Kung Hei Fat Choi!



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