sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

Chuchú bandêra maquista! Parte II: Filu di Macau, batasuna!


Nesta segunda parte dedicada à controversa entrevista de Miguel Senna Fernandes ao Hoje Macau logo no arranque de 2016, e que pode muito bem ter lançado as sementes para que seja também este o ano I da nação maquista, nada como começar por reforçar as fundações do edifício onde fica sediado o novel "nacionalismo macaense", onde se discute a identidade, e se diz "basta!" à recente vaga de portugueses da metrópole, que se detêm em frente a outros portugueses, só que neste caso  ultramarinos, proferindo "slogans" racistas como "olha um chinês". A dor...a humilhação...o som do estalo do chicote no calor da sanzala...o tipo da "Vencedora" que nos acaba de anunciar que já não há mais "minchi" - em suma, o regresso a um passado negro, perdão, amarelo, e que por mais que se tente esquecer, há sempre um foragido de um asilo de doentes mentais que nos pára na rua e nos diz...sim, isso mesmo: "olha um chinês". O verbo olhar, o artigo quantitativo representando a unidade, o pronome que designa um indivíduo originário da China, ou pertencendo à etnia chinesa. Quando é que isto vai ter um fim? Qui ramede, sân nunca? 

Bem, e para garantir que o tal edifício não fica "sinfongado" para um dos lados, ou que não se substitui o concreto pelo concretamente absurdo das folhas de papelão, caixas de esferovite, latas de refrigerante, e outro material de construção improvisado (e quem disse que o "génio" humano tinha limites?), nada como confiar o projecto a um engenheiro "da casa", formado em Portugal, e mais importante que tudo isso, maquista chapado! Eis André Ritchie!


Mais uma vez peço encarecidamente que não procurem nas entrelinhas qualquer tipo de desagravo contra seja quem for, pois assim como adoro o Miguel Senna Fernandes, tenho uma enorme estima com o André Ritchie, que assina também no Hoje uma coluna de opinião, neste caso à sexta-feira, logo no dia seguinte ao meu filete de pescada. Adiante, bola para a frente que de tanto jogar para os lados e retaguarda já parecemos o Lopetegui. Como é possível verificar pelo exemplo com que ilustra a parte final do seu artigo do dia 8 de Janeiro, na sexta-feira, véspera do final da semana que começou com o manifesto de Miguel Senna Fernandes, que entre mil e uma interpretações, poderia muito bem ser uma manifestação de proselitismo, o apelo à união dos filu di Macau, um "batasuna" na versão local. Podiam aproveitar a ideia da lata de Coca-Cola onde se lê "macanese" como símbolo máximo dessa recém-descoberta autonomia, porque não? Nunca quis abordar esse tema, mas aquela espécie campanha não-oficial da lata de cola foi uma coisa que fiquei sem entender muito bem: é suposto ilustrar uma ideia mais concreta? Qual? Ou é só...lata? Nem é uma grande lata, ou uma lata por aí além. Na olimpíada das boas ideias, seria capaz de não chegar à medalha de prata, ou sequer de bronze. Ficava-se pela lata, helás.

O André Ritchie pode dizer o que quiser, até os maiores disparates, que eu ainda o acharia o máximo. Fiquei rendido à sua interpretação naquela parábola aos "talent-shows", inspirada no modelo do "Idols", onde fazia o papel de júria "a la Simon  Cowell", que conseguiu executar como se tivesse representado papéis de comédia desde que nasceu. A propósito, o André é filho de duas das mais ilustres personalidades macaenses da História - sim, aqui também se regista a História...de cá, a História de Macau - e nem por isso se coloca na posição de elite, de VIP inacessível, e sabem o que mais? Podia optar por essa conduta, e ninguém ia achar isso "estranho", ou sequer "inesperado". O André foi colega de escola de uma colega de trabalho minha, uma chinesa de Macau (ou mun yan) que estudou no sistema de ensino de língua veicular portuguesa, e tudo o que oiço dela são os mais rasgados elogios, e manifestações de apreço acima de qualquer suspeita. Para mim isso conta, uma vez que se trata de alguém que se pauta pela sinceridade, e nesse registo pode-se dizer que é uma daquelas pessoas que quando não tem nada de bom para dizer, prefere não dizer nada. E isto interessa porquê? Porque como já referi anteriormente, não conheço pessoalmente o André, e esta referência, a juntar à sua "persona" teatral, é a única massa que tenho para moldar um protótipo de opinião a seu respeito. 

E o que dizer daquele incidente ocorrido no elevador do prédio onde moram os Ritchie, com o André como patriarca? Confesso que me ri imenso e pensei para mim próprio: "ganda badalhoca, aquela tipa" - e garanto pelo que quiserem que nem desconfio de quem se trata. Alguém que olha para um objecto comprido e hirto, e leva logo a coisa para "o meio das pernas" (sempre partindo do princípio de que tudo se passou como está documentado), só pode ser uma badalhoca, e das grandes. Eu gosto de badalhocas, mas só quando me dá para a badalhoquice, claro. Pensando bem, vai sendo cada vez menos frequente, e se há quem pense que isto só pode querer dizer que "estou a ganhar juízo", lamento discordar, mas a verdade é que cada dia de badalhoquice que se perde, é menos um que nos resta para todo o resto (que filosófico). Mas isto é o prisma por onde analiso a situação, pois estando acompanhado do filhote de cinco anos, e ainda para mais de uma vassoura, "badalhoquice" seria a última coisa que passava pela cabeça do André naquele momento. Tudo bem, há horas para tudo, e nas horas vagas sempre se pode arranjar outra coisa para fazer além de interpretações extensivas que denotam uma certa "mania da perseguição". Sim, e quem ainda ficou na dúvida, permita-me que concretize sem recurso a qualquer figura de estilo: alguém que lê nas entrelinhas de "um pau no meio das pernas" a presunção de que a sua mera aparência determina os seus conhecimentos linguísticos, anda a precisar de repensar alguns conceitos. Um serão de badalhoquice, ou na sua alternativa mais "light", brejeirice, tem por norma ajudar a alargar os horizontes, ao que parece. Dizem os entendidos.

Eu é que não tenho tanta sorte assim, pois até em situações ocorridas no meu local de trabalho, sempre que alguém se demora mais que dois segundos a contemplar a minha ocidental moldura, faz uma carantonha de quem parece que acabou de ver o demónio em pessoa - e viu, só que aqui o "demónio" apanhou um atalho que conhecia mal enquanto se passeava lá pelos quintos dos infernos, e perdeu-se, indo para a meio hemisfério de distância de casa. E pensam que eu me importo com isto? O tanas, é que me importo, e já tenho cabelos brancos que me cheguem, adquiridos à custa de ralações mais merecedoras que esta, de querer tentar perceber porque é que um povo de mil e tal milhões de pessoas insiste em dividir a humanidade entre "eles" e "os outros, que não eles". Os chineses são etnocentristas, isso mesmo, e não "racistas". Eles não olham para mim como sendo inferior a eles, ou inabilitado para respirar o mesmo ar, mas sim como "diferente" deles, ou seja "não chinês". O problema? Não saberem o que esperar de mim ou dos outros como eu, de tão entretidos que andaram durante tantos milénios a aprenderem exactamente o que esperar uns dos outros. E se para quem não é chinês isto custa a assimilar, isso deve-se à mesma razão que os leva a adoptar uma postura que nos pode causar algum desconforto. Se o André tem na sua contabilidade o número de vezes que lhe aconteceram episódios semelhantes a este, eu se fosse contar acho que nem fazia mais nada. É que todas as vezes que me atrevo a falar mal e porcamente o cantonense (é o único que sei), não falta uma voz de espanto, vinda de quem se calhar pensou que existe uma predisposição genética dirimente na aquisição de certos conhecimentos, neste caso linguísticos. E digo "conhecimentos" de boca cheia, pois nunca é demais recordar que o cantonense que falo após 23 anos de Macau é uma vergonha. Receio que a surpresa que os locais manifestam tem mais a ver com a minha ousadia, e agora que penso nisso, "surpresa" estará aqui a fazer de eufemismo a "indignação". E já agora...


...vamos ver se o André adivinha que língua fala este indivíduo na imagem. Português?!?! Espantoso? Porquê, se o pobre de Cristo não teve outra alternativa, uma vez que nasceu no Brasil, onde o obrigam a falar a língua oficial do seu país, e é a mesma com que comunicam eu, o André, a badalhoca do elevador, ou os macondes da Guiné-Bissau? Eis a prova viva, em carne e osso e penas, que essa do "cara de quem fala português" não existe. Não o estou a desmentir, e continue a pensar o que quiser, mas para mim soa um pouco estranho, como se de uma maleita se tratasse: "hmm...este está com cara de quem não fala português". E a propósito dos que falam melhor que os outros, desconheço o instrumento que mede esse tipo de valência, mas posso-lhe ir dizendo que basta passar os olhos pelas redes sociais e ler alguns comentários de PORTUGUESES DE PORTUGAL, e ver o que para ali vai. Aquela confusão entre "houvesse" e "ouve-se" é de bradar aos céus, e é apenas um dos muitos exemplos. Se os macaenses "falam mal", ou se por vezes se entende mal aquilo que dizem? Já tive a minha dose de mal-entendidos cá, lá e em toda a parte - não depende tanto da língua, mas sim da boa ou má vontade com que cada um quer entender o outro. Já agora, vejam isto:


Sim, são portugueses, estes açorianos de Rabo de Peixe, uma vila piscatória do concelho da Ribeira Grande, ilha de S. Miguel. São portugueses e falam Português, que é praticamente impossível de entender sem legendas...em Português. Eles lá se vão entendendo entre eles, e caso eu, o André ou outro visitante do universo lusófono os for visitar um dia, e não perceber o que os Rabo-Peixenses lhe dizem (houve uma proposta para abreviar a denominação para "rabos", simplesmente, mas foi recebida entre a população com um enigmático "rob és tuu imois iu te pooi, cubrõn"), eles repetem as vezes que for necessário, e se algum deles tiver jeito para o desenho, não se importa de fazer uma ilustração, que pode ser que cheguem lá. Caso contrário, são eles quem se fica a rir no fim, lógico. E sabem o que mais?


Até um "rapper" saiu de Rabo de Peixe, rimando como sabe, como lhe foi ensinado, e quem sabe se depois dele outros lhe seguirão as pisadas? E há que ter vergonha ou pudor, ou hesitar sequer em falar como falavam os seus, com receio do que possam os outros pensar? Ok, iá meu, em Macau existem "ligeiras diferenças" no léxico, que em Portugal se designam por "regionalismos", e outra coisa não seria de esperar de um lugar que fica a milhares de quilómetros da metrópole, do outro lado do mundo, a mais de doze horas de avião de distância  - Viseu fica a menos de três horas de carro de Lisboa, e quando lá chega dizem-vos que afinal estão em "Bijeu", imaginem. Quem se atreve a rir daquilo que as coisas são apenas porque "sim", ou na como naquela expressão que comprova o desenrascanço lusitano, "não está mal, é mesmo assim"? Quem não gostar pode comer menos, se pretender mudar pode tentar, mas como em todo em caso não vai conseguir, certifique-se pelo menos que não chateia muito, que há sempre limites na hora de andar a aturar as birras dos filhos dos outros.

Eu próprio adoptei algumas expressões locais, e não foi para depois me ir armar em "migrã" lá para a santa terrinha. Há coisas que por muito que tentemos resistir "entram" em nós sem que demos por elas, e desde que o musical "chuchumeco" substituiu no meu vocabulário o intragável "coscuvilheiro" (soa a um restaurante árabe da Serra da Estrela; Coscuvilheiro: os melhores couscous da Covilhã e arredores), já nem vou mudar de novo, mesmo que a estrada que percorro e que chamo de "vida" me devolva qualquer dia ao remetente. E tudo isto acontece naturalmente, e mesmo assim existe esse bloqueio que leva a que se evite comunicar com receio do que os outros vão pensar da "qualidade" do idioma, como se no fim se fosse espetar o mindinho no ouvido, e chupar de seguida para atestar quão "aldentes" foram as palavras que acabaram de ressoar pelos tímpanos. Vá lá, que coisa tão sem "chiste, qui consumiçan"

Quanto ao grande André, "mou man tai", que nada disto belisca o que for, permanecendo a imagem que tenho dele intacta e imaculada, e vamos lá ver uma coisa: quem sou eu para mandar bitaites sobre o que ele pode ou não pode dizer, escrever ou pensar? No máximo venho aqui "lambá" ele, dentro das regras não escritas do bom trato entre os cavalheiros, e logo dois que têm sempre tanto para dizer sobre tudo e mais alguma coisa. Eu sou leitor assíduo dos artigos que ele assina, e em que me revejo, senão pelo conteúdo (claro que nunca poderia estar 100% de acordo, duh), pela forma ligeira, e atrevo-me mesmo a dizer mais, divertida, com que expõe as suas ideias. Nem por acaso, no artigo publicado ainda hoje, sexta-feira, expressa pontos de vista com que estou plenamente de acordo - e isto também acontece às vezes, porque não? Há mesmo algumas passagens em que me revejo como se estivesse em frente a um espelho; também eu fui um idealista "daqueles" durante a juventude (quem não foi pelo menos um pouco, nunca foi realmente um jovem), também eu tenho as mesmas reservas quanto à democracia "express" que certos grupos aqui do lado propõem implantar (ou nos tentam convencer que é isso que pretendem), e também eu fico de boca à banda com certas convicções, como essa de que a bófia está ali para aguentar a porrada, e ainda garantir que a rapaziada não se aleija enquanto lhes vai distribuindo fruta. É por isso que me custa a crer que uma alma tão livre, frontal e sensata se intimide por uma senhora quem nem conhecia, e que tudo o que queria naquele momento era...isso mesmo. Um dia ainda somos nós que vamos à procura, e ela sem aparecer, a maluca.

(Continua)





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