quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

Da morte de Bowie (Sim, só agora, porquê? Já não interessa?)


Durante mais esta minha pausa sabática da blogosfera, morreu David Bowie. Morreu muita gente, mas nem todos eram celebridades, e nem todas as celebridades se podem comparar a Bowie. Claro que o cantor teria que morrer um dia, e penso que teria consciência disso - apesar das suas múltiplas "personas" que nos deu a conhecer através das suas muitas metamorfoses, o homem era isso mesmo, um homem. Só tinha uma vida. Foi-se. O problema com a morte de David Bowie, além da surpresa que foi para os seus fãs, que ignoravam a sua doença, tem a ver com isso mesmo: a morte derruba o mito. Quem morre aos 69 anos de doença prolongada, definhando lentamente enquanto termina o seu último trabalho com as forças que lhe restam, está a deixar-nos com a simplicidade com que o comum dos mortais nos deixa. Bowie não partiu na casa dos 40 com a doença da moda, como fez Freddie Mercury, nem de uma "overdose" de uma porcaria qualquer, como Jim Morrison, ou em alternativa "de repente" e sem avisar, como Warhol, que ainda foi um dos seus mentores. Talvez tenha aqui referido agora três ícones pop que de alguma forma tinham qualquer coisa a ver com Bowie. É triste como ele nos deixou, pois não fica muito a dever à imaginação. 

Eu nunca fui um grande fã de Bowie, nem nada se acrescenta à minha opinião sobre o seu trabalho  pelo facto dele ter morrido. O problema com a morte das celebridades é sempre esse mesmo: dá-se-lhes muito mais valor do que quando eram vivos. A primeira canção que me recordo escutar dele foi "This is not America" (recordo-me vagamente de "China Girl", mas tinha 5 anos e não identifiquei o cantor), de uma qualquer banda sonora de um dos muitos filmes em que participou. Bowie era bom actor, e do que conheço, um bom músico - era tudo aquilo que o Sting queria ser e não consegue, em suma. Escutei "Ziggy Stardust" pela primeira vez já depois dos meus 20 anos, e como qualquer pessoa que não seja surda ou melófoba, achei aquilo genial, mas pouco ou nada sei do que foi feito durante a segunda metade dos anos 80 e a partir daí. Bowie era uma espécie de elite da pop, e calculo se viesse um Bentley para o apanhar, ele mandava-o embora e esperava por um Rolls-Royce. Metia-se na droga, como qualquer génio que se preze e modelo da malta jovem, mas a sua tal "personalidade andrógina" e "sexualidade ambígua" faziam dele o que se pode designar em termos leigos por "junkie rabeta". Mesmo nesse particular conseguiu bater aos pontos Elton John, para quem essa qualidade se apresenta mais como um defeito do que propriamente um virtude. 

É possível que os fãs de Bowie - e tinha muitos, nem toda a gente consegue ser indiferente como eu, e ainda bem - sintam o seu último disco de uma forma especial, e como sempre há os que o consideravam apenas "ok" e que agora acham que foi o maior génio que andou pelo mundo depois de Da Vinci, e que "nunca devia morrer" (exagero parvo). A morte tem esse condão de nos tornar mais úteis e queridos do que éramos em vida. Eu adoro ser inútil, e posso esperar o tempo que for preciso. Mas passando aos vivos, e no mesmo estilo de Bowie, prefiro Marc Almond. Desculpem se discordam, e se calhar sou eu que tenho um gosto horrível, mas até o Almond é para mim a mesma coisa vivo ou morto - a única diferença é que depois de morto não pode cantar mais, logicamente. Mais uma vez mil perdões se não faço entender bem, mas no fundo o que quero dizer é o seguinte: a morte leva-nos o artista, mas nunca nos poderá levar a arte. É só.

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