Mais filipinos, sff

Encontrei ontem ao fim da tarde a minha amiga filipina M., que trabalha em Macau há oito anos na situação de trabalhador não-residente. M. chegou a Macau nas mesmas condições que qualquer outro imigrante filipino, à procura da sorte, uma vez que no seu país, como é por demais sabido, "não dá", ou como ela diz num desabafo com um quê de trágico, "não há comida". M. conheceu o marido em Macau, um segurança que entretanto viu o seu contrato terminado, e regressou às Filipinas. Juntos tiveram um filho, uma adorável criança que estuda na escola Luso-Chinesa da Taipa. O marido de M. regressa a Macau ocasionalmente para visitar o filho e tentar novamente a sua sorte, mas debalde. A situação poderá tornar-se ainda mais complicada se qualquer dia os filipinos entrarem na lista de nacionalidades que necessitam de visto prévio para entrar na RAEM. Enquanto M. desespera e me pergunta se "conheço algum sítio" onde o marido possa arranjar o emprego, digo-lhe a mesma coisa que aquele senhor filipino na semana passada: se calhar é melhor tentar outro país.

Nem dei por isso, mas a RAEM tornou-se um território muito egoísta, muito mesquinho, muito virado para dentro. Enquanto continuarem a entrar os milhões fresquinhos da China continental nos casinos, através dos tais apostadores que "normalmente fumam", a qualidade de vida da população pode ficar para depois. É incrível como foi o Governo cair na esparrela de que os filipinos e os trabalhadores não-residentes de outras nacionalidades podem ser substituídos por trabalhadores residentes, os tais que preferem ficar sentados em casa à espera que o dinheiro caia do céu da Praia Grande. Os filipinos são gente honesta, trabalhadora, asseada, e que ainda por cima fala inglês. Como pode Macau aspirar a tornar-se uma cidade internacional sem trabalhadores dos sectores da hotelaria e da restauração que falem inglês?

É claro que os filipinos "são diferentes", e isto chegou mesmo a ser utilizado por alguém como argumento: não falam cantonense, existe uma barreira da língua, não conseguem comunicar com os seus amos, e outras desculpas de mau pagador. E que tal se a população fosse aprender inglês, para variar? Parece que a auto-valorização e a aprendizagem de uma língua estrangeira que é só a mais falada no mundo são conceitos pioneiros que não passam do muro do autismo em que a população esbarra a toda a hora. E porque não vão todos falar mandarim? Afinal essa é a língua oficial da China, e o cantonense apenas um "dialecto".

Desde que cheguei a Macau há quase 20 anos tive a oportunidade de conhecer imensos filipinos, e fazer amizade com alguns. Foram sempre gente cumpridora, honesta, que no quer chatices com ninguém, que quer fazer algum dinheirinho para mandar lá para a terrinha. Não me parece que as mil ou duas mil patacas que mandam para as Filipinas todos os meses faça um grande diferença nas contas, ou pelo menos tanto como os gigantes que mandam milhões de cada vez para pagar as hipotecas das casas no Canadá ou na Austrália, para onde planeiam fugir se isto "der para o torto" algum dia, ou para as sociedades offshore nas Ilhas Virgens Britânicas onde têm participações. A sério, até dá gosto saber que algum do dinheiro honestamente obtido em Macau serve para ajudar famílias num país pobre e necessitado.

Também dá gosto ter as camisas passadas a ferro em condições, ser atendido com educação e eficiência nos restaurantes, nos bares e nos cafés, sempre com um sorriso e muita simpatia, e numa língua cristã. Recentemente fui jantar num restaurante indiano onde nenhum dos empregados falava inglês, e trocaram-me os pedidos todos, isto apesar de ter apontado para as fotografias no menu. Às vezes os filipinos bebem umas cervejas, deixam as latas no chão, mijam na rua, fazem barulho (são um povo muito musical), e tudo mais. Também não é menos verdade que são pessoas, e não maquinaria. Os filipinos, que chegam hoje a Macau e têm trinta dias para mostrar o que valem, são parte indissociável da História de Macau. Macau tinha mais a ganhar com mais filipinos, e não com menos. E enquanto isso os preguiçosos e os inúteis batem palmas.