domingo, 3 de janeiro de 2010

Os blogues dos outros


Em 2010 gostaria de ver uma blogosfera mais irreverente e menos previsível, com ideias próprias e sem temor dos diversos poderes. Gostaria de ver uma blogosfera menos dependente de agendas políticas e com a autenticidade que a marcou nos primeiros anos. Gostaria de ver uma blogosfera que reflectisse menos as opiniões impressas nos jornais e se revelasse mais capaz de influenciar o que neles se publica. Gostaria de ver uma blogosfera onde o espírito de trincheira não prevalecesse, onde jamais se confundisse quem pensa de maneira diferente com um adversário e muito menos com um inimigo. Gostaria de ver uma blogosfera onde o insulto não fosse moeda corrente e onde o prazer de discutir ideias voltasse a estar na primeira linha. Acredito que é possível. Se não acreditasse, não estava aqui.

Pedro Correia, Delito de Opinião

Na quarta vaga da democracia Samuel Huntington incluiu Portugal renascido, saído de quatro décadas de repressão, cegueira e ultramontismo. Não sei se alguma vez perspectivou a quinta vaga. Morreu entretanto, privando-nos do seu olhar lúcido e de uma visão clara de um mundo futuro. A prospectiva em relações internacionais é terrível. Quando se acerta é-se o maior, quando não um vigarista. Veja-se o que acontece para os lados de Fukuyama, talvez um dos mais lúcidos e prolixos cientistas políticos do nosso tempo. Talvez se fosse vivo Huntington perspectivasse o Irão como a nova explosão de liberdade. Nada existe neste país, salvo um clero obtuso e estúpido, que impeça o progresso para a modernidade e a iluminação. A sua história rica de tradições sugerem-no a inteligência do seu povo também. Em pontos fulcrais da história dos países é a juventude, com o seu enorme sentido de futuro, a sua paixão, o seu sacrifício, que abrem pistas para um amanhã mais promissor. Esse é o caso da juventude iraniana, helas pelo seu sacrifício e amor à sua Pátria! Teimo em acreditar que amanhã cantará a Liberdade em Teerão. Já não falta muito.

Arnaldo Gonçalves, Exílio do Andarilho

É para mim um grande mistério a tradição do Bolo Rei, um pitéu que afinal poucos apreciam, mas que nem a fúria jacobina de Afonso Costa conseguiu liquidar, vai fazer cem anos. Disponíveis em impressionantes quantidades pelos cafés e pastelarias, e empilhados em promoções nos supermercados, há casas especializadas onde se faz bicha para comprar um exemplar. Mas pelo que me é dado observar, com mais ou menos frutas, mais ou menos ovos ou açúcar, esta é, entre as iguarias da quadra, a menos apreciada: as crianças regra geral enojam-se só de ver as frutas cristalizadas, e os adultos estão de regime, depois do peru e das filhoses. Quando muito é o dono da casa que come uma fatia por descargo de consciência ou sentido de missão. Assim, chego à conclusão que o Bolo Rei é uma espécie de penitência pagã para “aliviar” a sã alegria da quadra, não vá o diabo tecê-las. Em tempos, quando o Bolo Rei tinha um brinde, (em boa hora eliminado em nome da sacrossanta segurança alimentar, que isto de engolir bijutaria não é agradável) o pessoal ainda o escarafunchava para habilitar-se a ir à fava. Já o bolo que me oferecem no escritório todos os anos, por norma resiste incólume à consoada e segue directo para o congelador, donde é sacrificado ainda antes do fim de ano no aniversário da minha filha. Acaba feito em torradas numa caixa de lata ilustrada com animais de Beatrix Potter, donde segue para o caixote do lixo por ocasião das limpezas de Primavera. Tão certo quanto o Natal ser em Dezembro.

João Távora, Corta-Fitas

Já me tinha parecido desde o primeiro momento em que foi nomeada Isabel Alçada para ministra da Educação que algo iria correr mal no reino dos professores. O ano de 2009 foi de protestos, de manifestações, de reuniões, de desgostos, de preocupações, de desempregos, de injustiças. 2010 vai ser igual. Os professores têm o destino marcado: protestos nas ruas contra um governoi de surdos. Bem me parecia que aquela falinha mansa de Isabel Alçada era para tentar enganar papalvo. Mas, os profes já têm um calo no rabo como o macaco e só os enganam quem eles querem. Os profes já toparam que a falinha mansa é muito mais venenosa e tenebrosa que a da Milú (leia-se doutora Maria de Lurdes Rodrigues, uma senhora de quem já muitos profes têm saudades). Os profes já estão a ver que o filme actual do Ministério da Educação não tem qualquer subsídio para agradar ao público docente. É um filme a preto e branco sem qualidade e com o som imperceptível. Avaliação e carreiras continuam a ser temas de discórdia e de desentendimento entre as partes e, como tal, a luta vai continuar nas ruas debaixo dos protestos intermináveis. Neste país, aliás, neste governo, ainda ninguém percebeu que os professores não são palhaços...

João Severino, Pau Para Toda a Obra

Falta um ano para o balanço efectivo de uma década. Perda. Desperdício. Retrocesso. Sente-se que a corrupção recrudesceu na mesma proporção com que Portugal regrediu e não mais cresceu ao mesmo tempo que a pobreza alastra a par do envelhecimento da população. A incompetência das elites políticas é clara para os portugueses. Provocar mudanças aparece, por isso mesmo, como lei para o cidadão bem informado e capaz de se escandalizar com o que lhe escondem e o quanto lhe mentem. É notório um crescer de impaciência e um asco novo pelas dimensões política e pública das figuras mais odiadas no seu egocentrismo estadista ou mais subservientes a um certo poder sem peias, sem escrúpulos e com uma péssima relação com a realidade ela-mesma. Provocar é preciso. Os blogues são a ala avançada de uma nova cidadania arrastando à reflexão e a actos consequentes toda a demais sociedade. Excedemo-nos? Com toda a certeza. Porque por aqui as nossas hipérboles ou o registo global hiperbólico, repleto de disfemismos, comparados com os factos brutos que analisamos todos os dias, podem não passar de singelos eufemismos. O lado humano e simpático das figuras públicas não as isenta de responsabilização política por actos, decisões e retórica, exorbitados. Pois vivemos tempos em que o Poder Político e as instituições por ele controladas ou a ele submetidas, exorbitam, cedem ou omitem, claramente. E contra isso nos insurgimos. É preciso contrabalançar que façam gato-sapato do cidadão comum e poupem despudoradamente o cidadão incomum.

Joshua, PALAVROSSAVRVS REX

Em 2010 os políticos, todos, vão repisar promessas que nunca tencionaram cumprir.
Em 2010 vai aumentar o desemprego embora Sócrates e seus cúmplices jurem que não.
Em 2010 duplicará a nossa dependência de um Estado cada vez mais inchado.
Em 2010 subirão os impostos com o pretexto da crise que passou e da que está para vir.
Em 2010 o País ficará mais endividado.
Em 2010 vamos ser superados por outra mão-cheia de países do ex-Leste europeu.
Em 2010 a podridão dos homens públicos já não abalará quase ninguém.
Em 2010, falar-se de corrupção passará a ser uma grave falha de etiqueta.
Em 2010 a liberdade de expressão ocorrerá só às vezes.
Em 2010 nenhum dos crónicos problemas que este regime retém será resolvido.
Em 2010 ficaremos ainda mais iguais ao que éramos em 1910.


Carlos Abreu Amorim, Blasfémias

«O Natal é tempo de paz, tempo de amor, tempo de lamentar a existência de pessoas como eu. Não admira que seja uma época que toda a gente aprecia. No dia que assinala o nascimento do salvador, o cardeal-patriarca não resistiu a lembrar que há quem não tenha salvação possível. (…) O ateísmo tem sido, para mim e para tantos outros incréus, a luz que me tem conduzido na vida. Às vezes fraquejo, em momentos de obscuridade e de dúvida, mas, mesmo sendo incapaz de provar a inexistência de Deus, tenho conseguido manter a fé – uma fé íntima fundada numa peregrinação que tem a grandeza e a humildade da longa caminhada da vida – em que Ele não exista. Todos os dias busco a não-existência do Senhor com renovada crença, ciente de que a Sua inexistência é misteriosa demais para que eu a tenha inventado. (…) Acreditar que Deus existe é uma convicção profunda, mas acreditar que não existe, curiosamente, não o é. Alguém, munido de um aparelho próprio, mediu a profundidade das convicções e deliberou que as do crente são mais fundas que as do ateu. Quando alguém diz acreditar em Deus, está a exprimir legitimamente a sua fé; quando um ateu ousa afirmar que não acredita, está a agredir as convicções dos crentes. Ser crente é merecedor de respeito, ser ateu é um crime contra a humanidade. (…)»

Ricardo Araújo Pereira, Visão in Diário Ateísta

1 comentário:

Anónimo disse...

Para confirmar aquilo que Ricardo Araújo Pereira escreveu, basta-nos ler as reacções dos crentes no Bairro do Oriente quando há posts sobre o assunto e, sobretudo, quando há cometários de não-crentes.