domingo, 31 de agosto de 2014

Quanto mais conheço as pessoas...



...mais gosto do meu cão. Esta é uma frase atribuída a Blaise Pascal, matemático, médico, pintor, inventor, canalizador e filósofo do século XVII, que cunhou outras frases que se tornaram imortais, como "O coração tem razões que o coração desconhece" (desconfio que "roubou" esta de Camões", e "Escrevi esta carta longa porque não tive tempo de a fazer curta". Genial, o tipo, e gostava mais do cão dele do que das pessoas. Não o censuro, as pessoas são em geral uma merda, e parece que esta preferência fez escola, pelo menos a julgar pela página Direitos dos Animais, do Facebook.

Eu adoro animais, nos dois sentidos: gosto de comer os que se comem, e de me armar aos cucos com os outros (por "cucos" não quero dizer as aves com o mesmo nome, obviamente). Simpatizo com as associações e pessoas que em nome privado lutam pelos direitos dos animais - e lembremo-nos que em Macau não existe uma lei que os proteja contra a crueldade das pessoas - e sem dúvida que o mundo seria muito melhor se todos os seres vivos com sentimentos não fossem agredidos estupidamente, e tantas vezes sem razão nenhuma. Posto isto gostava dizer que a minha simpatia com os animais se resume a isto que ainda agora deixei expresso, e sou contra todas as espécies de fanatismo. A página Direitos dos Animais é fértil em fanáticos que entenderam mal a frease de Blaise Pascal: quem maltrata um animal merece ser castigado, mas não posso concordar que o ponham numa trituradora, que o moam lentamente e antes disso lhe arranquem a pele para fazer um par de pantufinhas e um barrete para o vosso "poodle". Lamento desiludi-los, mas um ser humano que mata um animal, mesmo com crueldade, não merece ser morto por isso. Outra vez, lamento, sei que me vão odiar, mas para mim isso não faz sentido.



A este ponto gostava de referir que esta página é do Brasil, bem como praticamente toda a gente que a frequenta. Temos aqui um caso lamentável, em que um sádico agride brutalmente um cão, batendo-lhe na cabeça com um pau, rapando-lhe o pêlo e queimando-o com um cigarro, antes de o abandonar - isto fazendo fé na descrição de uma das gerentes da página. Desconheço a lei brasileira neste particular, mas não deverá ser muito diferente de outras jurisdições, mas o indivíduo que cometeu esta atrocidade merece ser castigado, sem dúvida. Multa elevada, no extremo pena suspensa de prisão, qualquer coisa que o leve a não reincidir, e podia-se juntar à pena algumas horas de trabalho comunitário num canil ou num abrigo de animais para que se lembrasse do mal que fez. Não concordo é que lhe façam o mesmo que fizeram com o cão, que o mandem 20 anos para a cadeia ou que o matem, como sugere aquele utilizador. Vá lá, é por causa de extremismos deste tipo que muitas pessoas hesitam em apoiar estas causas.




Reparem como a radicalidade sobe de tom, e este é apenas um dos muitos exemplos. Um cão que guardava uma oficina foi morto por dois assaltantes, e os membros do grupo propõem soluções para os castigar; uma apela ao linchamento, acrescentando que "também gostaria de participar", outra queixa-se de terem deixado o cão a guardar a oficina, e por isso "o mundo está perdido", e outra ainda é mais pragmática, sugerindo que os autores do cruel acto "deviam ser mortos", pois caso fossem presos, ela teria que os sustentar com os seus impostos (penso que a lógica e essa), e recusa-se a sustentar "favelados, assassinos, bandidos, drogados, desgraçados". Este é o esquadrão da morte dos direitos dos animais.



E os racionais-irracionais defensores dos somente irracionais não se inibem de marcar o seu território, são o que são. Bom, por muito tentadora que seja a proposta, não vou começar a abandonar ou maltratar animais, não se preocupem. Como vou fazer mal a algo que não tenho?



Mas no fundo eu até os compreendo, pois isto é gente traumatizada que viu muito mal neste mundo - ou mesmo não vendo, gosta de se auto-torturar sabendo desse mal. Reparem nesta tragédia: em Santa Eugénia "havia um terreno baldio onde viviam muitos gatos", e na hora de se iniciar a construção, "passou uma draga que provocou uma carnificina", e no fim "só restaram um gato, duas caipivaras e alguns gambás". Conhecendo a malta do Direitos dos Animais, os responsáveis da construtora Jodif não se vão ficar a rir.



URGENTE! URGENTE! Estão a ver onde quero chegar? Este simpático amigo de quatro patas precisa de quimioterapia. Porquê? Porque "o seu pénis está infectado e com bichos". Ohhh...coitadinho. E por isso "querem abatê-lo", para que "não sofra mais". Boa ideia? Não, nada disso! Contribuam para aquela conta ali em baixo no Banco Itaú, e vão ver que ele sobrevive e ainda fica com uma história para contar aos netos.




Este é um momento de chantagem emocional que, diga-se em abono da verdade, é de génio. Reparem como "alguém" (pode ser ou não o dono) fala pelo animal, diz que se chama "vovó", que "não vai viver muito mais tempo", e que está "renal". Eu sei o que isso é, pois às vezes sinto-me "renal", e é uma chatice, para não falar quando me sinto "hepático". Depois pede paparoca, latas da "hills", peito de frango, enfim, melhor do que muitas pessoas comem. Mas se "não vai viver muito mais tempo", será que vale a pena? É que depois com o tempo que os correios demoram, não sei. Os residentes do Direitos dos Animais acham que sim, e há os outros que rezam, e ainda os que choram, e ainda...




E aí está. Temos desde sugestões dietéticas pós-quimioterapia, muita gente com vontade de contribuir, quer em dinheiro (e não falta a continha bancária, obviamente), géneros, ou simplesmente boa vontade. Pessimistas os que já fazem da "vovó" um "anjinho", quando a cadela ainda está viva - mal, mas viva. Além disso, eu não vos queria aborrecer, mas a Igreja ainda não alterou aquele dogma de que os animais "não vão para o Céu", por muita pressão que o Papa Francisco tenha feito. Ainda tentaram pôr lá os cães a título experimental, mas os bichos corriam atrás dos anjinhos a pensar que eram perús, e no Céu não há jornais, portanto nem foram precisas duas semanas para S. Pedro abandonar os cães num limbo. Vão lá pedir-lhe contas. Olha, e que tal "linchá-lo". Reparem como no fim uma utilizadora sugere que se façam "rifas dos electrodomésticos". Genial, e por mim a minha amiga podia até vender a sua casa! Que tal?

Este tipo de "activistas" dos direitos dos animais, coisa que se saúda e é sinal de progresso encontram-se um pouco por todo o mundo desenvolvido, e não mudam muito de país em país no que toca ao radicalismo com que tratam os cães, gatos, piriquitos e peixinhos dourados melhor que os outros seres humanos - não era isso que Pascal queria dizer exactamente. Como são do Brasil, vou mudar de norma para ver se me entendem melhor: "Aê, seus zés ruelas, suas perua, é assim: cachorro, vive aê, o quê, 14, 15 anos? Algumas raças menos? Éééé...éééé. Escuta aê, agora, você já não pediu essa droga de ter pai, mãe, tia, tio, avô, tudo isso morrendo à sua frente, um saco, ainda quer andar aê chorando morte de cachorro? Ah se liga, valeu? Morou, fui".

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