sábado, 30 de agosto de 2014

Da ordem ao caos e ao contrário (e depois mais uma vez)



Escutei esta tarde o programa Contraponto, transmitido pelo Canal português da Rádio Macau, fico contente que estivessem lá estado hoje os "Três Mosqueteiros": Carlos Morais José, Isabel Castro e Paulo Rêgo. Sem desprezar os restantes (e tenho gostado também muito do dr. Frederico Rato, que suponho estar de férias fora do território) são estes três os comentadores que mais gosto de ouvir, e quando se juntam mais interessante se torna o debate. E o momento convida ao debate, sem dúvida, pois encontramo-nos agora numa encruzilhada política (finalmente, política!) de que poderá depender uma parte do futuro de Macau. Digo "uma parte" porque não acredito que esta agitação recente em torno do referendo civil organizado pelas associações da pró-democracia vá mudar algo no essencial, mesmo que depois dos eventos desta última semana se possam levantar algumas questões pertinentes, nomeadamente no que toca à aplicação do segundo sistema na RAEM. É interessante reparar como tanta tinta e tanta saliva se gasta na imprensa em língua portuguesa, e de como os incidentes que começam a levantar sérias dúvidas sobre a eficácia real da Lei Básica, nomeadamente no que toca ao respeito das liberdades e garantias tem causado revolta na comunidade portuguesa - e algumas divisões também - enquanto que para a maioria dos locais continua a ser "business as usual". Mas então o que se passa? Os residentes de Macau de etnia chinesa, em particular os "oumunyan" não querem saber das liberdades e das garantias implícitas ao segundo sistema, e que os distinguem dos seus "compatriotas" do continente, onde vigora o sistema que eles (ainda) tanto desprezam? E mesmo que optem em não se ralar com muito isso, não pensam nos seus filhos, e o que será o Macau de amanhã onde eles vão viver e trabalhar? Claro que se preocupam, mas ao contrário de nós, que somos "vacas refilonas", eles encostam-se ao divã com um balde de pipocas e assistem ao filme, e quando aparecer a palavra "Fim" no ecrã, levantam-se e vão para casa, que amanhã é outro dia.



A chave de todo este "mistério", se assim o quisermos chamar, está aqui ao lado em Hong Kong, onde se fala realmente de política, que se discutem os temas relacionados com a democratização do sistema, apregoado pelos dirigentes, quer os locais quer os do Governo Central, e existem grupos de pressão que fiscalizam o desempenho do Executivo, não lhes dando um palmo de terreno para onde se possa desviar dos compromissos que assumiu em nome da estabilidade governativa. Um dos fenómenos que deixou o Executivo honconguense em cheque e dá enormes dores de cabeça a Pequim é o movimento "Occupy Central with Peace and Love" (和平佔中), criado em Janeiro de 2013, e que ameaçava ocupar o distrito de Central, o coração financeiro de Hong Kong, caso a eleição do Chefe da Executivo da RAEHK em 2017 não fosse realizada através do método do sufrágio universal, "um cidadão, um voto", e as eleições legislativas em 2020 realizadas no cumprimento dos padrões internacionais, ou seja, os da "democracia". O Executivo da RAEHK chamou a atenção para os perigos desta forma de protesto, principalmente quanto aos efeitos que isto poderia ter para aa Economia, e em Pequim soou o alarme - soa sempre, até quando está um grupo de meia dúzia de aldeões a jogar "mahjong" sem autorização do partido. Porreiro, pá, então como é que é? Estes tipos do "Occupy Central" devem ser malucos, uns mauzões com uma agenda sinistra, pagos pelos americanos para derrubar o regime através da criação de um entreposto da democracia ocidental em Hong Kong, e que a partir daí contagiaria toda a China. Por supuesto, mas então porque é que lhes prometeram aquilo que eles vêm agora pedir que se cumpra? Olhemos para o artº 45 da Basic Law, a mini-constituição de Hong Kong:
"The method for selecting the chief executive shall be specified in the light of the actual situation in the Hong Kong Special Administrative Region and in accordance with the principle of gradual and orderly progress. The ultimate aim is the selection of the chief executive by universal suffrage upon nomination by a broadly representative nominating committee in accordance with democratic procedures"
Muito bem, então diz-se que o progressivo desenvolvimento do sistema tem como último objectivo a implementação do sufrágio universal, certo? Mas isto pode ser, e pode não ser, e se for, é para quando? A questão foi levada ao Comité Legislativo da Assembleia Nacional Popular em Dezembro de 2007, de onde saíu a seguinte deliberação:
"(...) that the election of the fifth chief executive of the Hong Kong Special Administrative Region in the year 2017 may be implemented by the method of universal suffrage; that after the chief executive is selected by universal suffrage, the election of the Legislative Council of the Hong Kong Special Administrative Region may be implemented by the method of electing all the members by universal suffrage..."
Não me posso pronunciar sobre a versão da decisão em língua chinesa, mas em inglês, outra das línguas oficiais de Hong Kong, lê "the election of the fifth chief executive of the Hong Kong Special Administrative Region in the year 2017 may be implemented by the method of universal suffrage". Este "may be" é diferente de "maybe"; este último quer dizer "pode ser" e interpretado acrescentando "...mas é difícil", enquanto "may be" é no sentido de "pode ser, a gente deixa". Só que os anos foram passando, realizou-se em 2012 uma eleição tripartida, com CY Leung a vencer com 57,4% dos votos, vencendo Henry Tang, que obteve pouco mais de 23%, e Albert Ho, o candidato democrata, que obteve apenas 6,3% dos votos. A eleição foi realizada pelo método vigente desde a trasferência de Hong Kong para a R.P. China, com um colégio eleitoral composto por 1200 membros. Os democratas queriam mais.



O movimento "Occupy Central" vem desde Fevereiro ameaçando cumprir a sua intenção de ocupar o centro financeiro de Hong Kong, e nem o aviso das autoridades no sentido de quem seriam presos caso o fizessem os demoveu. Para deixar as suas intenções bem claras, organizaram entre 20 e 29 de Junho deste ano um referendo não-oficial em tudo semelhante ao que se está a realizar em macau nesta última semana, mas com uma diferença: em Hong Kong participaram 730 mil residentes, quase 100 vezes mais do que a adesão ao "referendo civil" de Macau - e recorde-se que a população de Hong Kong é "apenas" 11 vezes a da RAEM. Talvez porque aqui ao lado haja o mínimo de decoro que leva a que não se inventem leis para proibir uma actividade que, não sendo legal, não é proibida. Com que então não pode ser chamada de "referendo", porque a lei "não prevê referendos". A lei também não prevê morangos com chantilly, e isto quer dizer que não os posso comer, se quiser? Mas onde não há lei, pode-se dar a lugar a interpretações de outras leis, ou a analogias. Mas até onde se pode ir nesse sentido?




Um dos protagonistas de toda esta confusão foi o Gabinete de Protecção de Dados Pessoais (GPDP), liderado pela juíza Chan Hoi Fan. Atenção: juíza. Isto leva-me a questionar a integridade do sistema judicial, supostamente independente do poder executivo. Carlos Morais José considera que esta foi uma "interpretação brilhante" do artº 5º da Lei da Protecção dos Dados Pessoais. Brilhante, só se for no sentido de que uma mosca varejeira é "brilhante" - mas cheia de vermes e nociva para a saúde. E não foi só, pois tivemos o IACM como regulamento dos espaços públicos para impedir que os organizadores do referendo montassem estações de voto na via pública, e ainda ontem o próprio Código Penal foi metido ao barulho nesta lamentável prostituição do sistema jurídico. E tudo isto para quê?



Na sua rubrica de opinião da última segunda-feira do Telejornal da TDM, José Rocha Dinis, director do Jornal Tribuna de Macau, fala do "espírito da Lei Básica", que "não prevê o referendo", mesmo que a "letra da lei" não seja específica nesse aspecto. Ora bem, não é preciso ser jurista para entender o que quer dizer "espírito da lei", que não se trata de nenhuma alma do outro mundo que sai dos códigos para assombrar organizadores de referendos. Se a letra da lei é o que está escrito, o espírito é a intenção do legislador quando fez a lei, o que tinha em mente quando a produziu, o seu fim. Mais nada. Não vale a pena vir branquear este tipo de atentado ao sistema jurídico com outro atentado à inteligência. Pode ser que isto resulte com alguns, que ouvem isto do "espírito da lei", desligam a televisão e vão para a caminha. Não estaria no espírito do legislador quando pensou a Lei de Protecção dos Dados Pessoais ou outra qualquer vigente em Macau impedir a realização de um referendo, uma vez que nem existe sequer essa figura jurídica. Associar uma coisa à outra é um malabarismo perigoso que abre a porta a muitos outros que podem ferir de morte a jurisprudência de Macau e o próprio segundo sistema. Alegar outra razão qualquer, tudo bem, mas o espírito da lei? E o espírito da Lei Básica? Recordo-lhe as palavras de Jorge Neto Valente (e penso que para si nem era necessário): a Lei Básica é sobre o que é, e não sobre o que não é. O que levou a que não se falasse do referendo na Lei Básica? A falta de espírito?

E que razão pode ser essa que levou o GPDP a manipular a lei? Uma "razão política", concorda o painel do Contraponto, e se concordam menos devem ficar preocupados com a saúde do segundo sistema, e eu próprio não estou muito preocupado: estes atropelos à lei foram feitos à medida para os organizadores do referendo. Ordens de Pequim? Certamente, mas no género, não no número, pois Pequim nunca teria engendrado esta trapalhada toda. Como teria feito, é difícil de imaginar, mas em Macau nunca o poderia fazer sem recorrer à força e à opressão, à revelia da lei, obviamente. Ao assumir o segundo sistema (e não terá sido de ânimo leve), o Governo Central sabia de antemão que estes focos de dissensão, existentes já durante as administrações inglesa e portuguesa nas duas regiões, iriam persistir e ganhar força. Não é à toa que se persistiu em políticas algo "intrusas" do sistema, como a legislação emanada do artº 23º de ambas as versões da Lei Básica, a Lei de Segurança, que seria aprovada em Macau mas não em Hong Kong, onde encontrou forte resistência e levou a concorridas manifestações, assim como a introdução da disciplina de Educação Patriótica nas escolas. E não foi apenas nestes aspectos que Hong Kong demonstrou pouca vontade para a progressiva integração no primeiro sistema, enquanto tinha sido sempre "o bom aluno". Outros tempos.



Em Hong Kong o Partido Democrata tem uma tradição muito maior que deste lado, e existiu sempre uma forte influência do Kuomitang (Martin Lee, proclamado "pai da democracia" em HK é filho de um general do Kuomitang), o partido nacionalista exilado em Taiwan desde a fundação da China popular, provocando uma cisão que levou à criação de uma "segunda China". O tão apregoado conceito de "uma só China" pode parecer estranho a quem não esteja por dentro destes assuntos, e de facto a designação oficial de Taiwan é "República da China", que era o nome do país actualmente por República Popular da China antes da vitória dos comunistas sobre as tropas de Chang Kai-Shek. A guerra acabou, a R.P. China passou por décadas de implantação do regime e solidificação do poder do partido único, enquanto do lado de Taiwan o sentimento foi sempre o de regressar à soberania da China, mas como parte soberana. A política de cooperação económica entre a China e os países ditos "em vias de desenvolvimento" levou a que muitos deles cortassem relações diplomáticas com Taiwan, e actualmente são muito poucos os países que reconhecem a ilha nacionalista, mas até inícios dos anos 90 eram quase 40. O crescimento económico, uma das prioridades da abertura protagonizada por Deng Xiaoping, levou a que o país aderisse à Organização Mundial do Comércio em 1999, e pouco depois realizavam-se em Taiwan eleições, onde o favorito (e eventualmente vencedor) era Chen Shui-Bian, que ameaçou declarar a independência, indiferente às ameaças da China. Confesso que cheguei a temer uma guerra, mas depois disso fiquei "vacinado"- aqui não há "guerras" para ninguém, e tudo é "negociável".

A afirmação da China como potência mundial foi feita um tanto ou quanto com a filosofia de "em frente é o caminho", e em nome do poder, o Partido Comunista tem adoptado uma espécie de "os fins justificam os meios", com a diferença de que o "fim" está longe. O problema é que o mundo mudou bastante desde o fim da Guerra Fria, há mais acesso à informação, e o regime chinês é actualmente muito "vintage" para a era moderna. Entende-se que o partido tema constantemente um golpe que o derrube - tem sido essa a história da China desde sempre - e o esmagamento do movimento estudantil em Tiananmen em 89 consituíu uma séria ameaça, mas desde aí, e apesar dos números, pouca coisa mudou. A censura à internet, a imposição da ordem à força, as prisões arbitrárias, a constante paranóia com as "potências estrangeiras" que pretendem derrubar o regime, todos os tabus colocam o governo chinês numa posição de contínuo estado de alerta, obliterando tudo o que se assemelhasse remotamente a discórdia das directivas, deixando fora de hipóteses a negociação e o diálogo com uma putativa "oposição". O apelo ao patriotismo, a propaganda, a retórica e tudo mais que resultou durante décadas começa a diluir-se nos escândalos de corrupção, que apesar das tentativas do presidente Xi Jinping em combatê-los, são amiúde os casos escandalosos de enriquecimento ilícito que chegam à imprensa. A (nobre) intenção do novo presidente chinês tem levantado outro problema, pois sem um sistema permanente de "luvas" cresce a insatisfação, e para perceber porquê basta lembrar que um funcionário público na China ganha em média pouco mais de 2 mil patacas.

Na história da China tudo o que sempre existiu foi quem detém o poder, e quem está do outro lado é quer usurpar esse poder, e reparem que os apelo à "harmonia", valor muito solicitado, parte sempre de quem está no Governo, como forma de apelar ao povo que não apoie grupos subversivos. O Partido Comunista conseguiu inicialmente unir a população chinesa através da ideologia socialista, mais solidária, ideal para um país grande, populoso e pobre. O totalitarismo foi a única coisa que nunca mudou; é difícil imaginar um país com estas dimensões a votar em dois ou três candidatos a assumir tanto poder, dividido por uma área maior que a Europa a oeste da Rússia, com conflitos étnicos e religiosos a leste, e uma população migrante na ordem dos 300 milhões, um quarto do total. Como vai caber aqui a democracia, uma pessoa um voto? Como vão os ricos aceitar ter exactamente o mesmo poder de decidir que os pobres, e ainda se arriscando a que o seu candidato perca para o candidato deles? E não é difícil, pois se a educação cívica já é quase nula para quem não quer dividir o poder,é inexistente para quem tem muito pouco, e basta chegar um "aventureiro" que promete um pouco mais para ter 100 milhões de votos logo "à cabeça". O poder terá sempre que ser unicéfalo, o consenso entre partidos seria impossível, e uma coligação seria algo impensável. É assim a China, sempre foi, e mudar seria um salto no desconhecido, e duvido que seja isso que eles querem.



É neste contexto que entram os activistas, a face visível da oposição ao regime, e que nas Regiões Administrativas Especiais é mais visível - na China o activismo vale prisão, e dependendo da causa pode valer um Prémio Nobel da Paz, ou qualquer outro destaque que sirva para "irritar" a China. O problema é que a China tem estado facilmente irritável, e se a forma como lida com a contestação é já por si pouco ortodoxa, os seus representantes em Macau e Hong Kong não conseguem melhor, e sem a bota cardada da opressão, os "democratas" vão somando pontos, fazendo exigências e ganhando protagonismo. Reparem como coloquei democratas entre aspas, e não foi por acaso. Para nós, ocidentais, o conceito de "democracia" é muito diferente deste que aqui se pratica. "Democracia" para os chineses é a oposição ao regime, e duvido que uma vez no poder os democratas locais fizessem as coisas de maneira muito diferente - só mudavam as faces. Os grupos considerados do campo da pró-democracia não são vistos como alguém que vem trazer democracia do estilo ocidental, pluralismo, multipartidarismo ou sequer distribuir direitos, liberdades e garantias à tripa-forra, e na verdade só aqui existem devido a direitos que na China não há, que lhes valeria a prisão - o que eles querem é "qualquer coisa", e no fundo são iguais ao que estão actualmente no poder, só que estão "do outro lado. Aqui o regime fez o seu trabalho de casa, convencendo a população de que estes grupos são compostos por "traidores", a soldo de potências estrangeiras, sendo o Japão e os Estados Unidos a opção mais usada.

Pode-se dizer portanto que os nossos critérios pouco ou nada servem aos chineses e à China. O que é para eles uma democracia parlamentar? Sabem o que significa eleições presidenciais? Sabem ler um programa político? Discutir ideias sem a percepção de quem lhes promete melhorar as suas vidas não tem na verdade uma agenda oculta? Reparem como a tendência nas últimas eleições legislativas em Macau foi em votar no sector empresarial, os que já eram ricos. Na altura fiquei aborrecido, mas agora entendo isto como uma espécie de apelo, de um raciocínio difícil para mim de assimilar e que para que estas gentes parece lógico: quem já enriqueceu tem mais disponibilidade de fazer algo pelos pobres, ou pela classe média. Foi a aposta menos arriscada, mas terá faltado o entrosamento entre os que mereceram a confiança dos eleitores e o Executivo, que se "esqueceram" de tratar dos menos afortunados. Os democratas, que nos primeiros tempos da RAEM dominavam as eleições (a primeira vitória do Novo Macau nas legislativas foi em 2001) eram vistos como um "tampão", uma garantia de que Macau mantinha as diferenças que o separavam do continente. Eram quem a população confiava para garantir que ficavam de olho na governação, mas nunca para chegar ao poder. Com o sector empresarial mais fortalecido, mas com uma evidente falta de tacto e incapacidade para reagir à contestação, a população não tem no poder legislativo um número de vozes que se faça ouvir. E agora?

Ao contrário de Hong Kong, onde a cultura democrática está enraízada, é planeada nos gabinetes, no LEGCO e nas universidades, e os activistas são apenas os "peões" encarregados de incendiar os ânimos, em Macau ainda se vão dando os primeiros passos. Ng Kwok Cheong "apareceu" no início da década de 90, não é um democrata "nato" (trabalhou no Banco da China), e tanto ele como o seu colega de campanha Au Kam San são apontados como "destabilizadores" do sistema, tentando miná-lo e não contribuir para o melhorar, ou fazer qualquer compromisso nesse sentido. E o contrário também é verdade, pois se há uma crítica que eu ouvi de muitos portugueses em Macau é que "os democratas só sabem falar mal", e "não apresentam propostas". Agora pergunto eu: queriam que eles debatessem os problemas com quem não os ouve, e apresentassem propostas que sabem à partida que seriam recusados? Outra acusação muito comum ouvir: são xenófobos. Isto porque o seu discurso se pauta pela máxima da prioridade dos residentes sobre os não-residentes no acesso ao emprego? Queriam que eles ganhassem apoio como, falando de política a quem não percebe nada de política, debitando retórica vazia? Confunde-se xenofobia com populismo, e onde não existe o debate político parte-se o activismo, que não sendo muito produtivo nem bonito de se ver, explica-se facilmente, e basta olhar para o próprio nome: activismo vem de "acção". Onde não se muda pela política, muda-se pela acção, e hoje existe uma nova geração de activistas políticos no sentido específico do termo, ou seja, mudam pela acção, e entendem de política - ou pelo menos têm formação superior que lhes permite afirmar tal coisa.



E quem são estes jovens que se alistam nas forças que se opõem ao regime através da oposição ao Governo de Macau? Têm sido muitos os recém-licenciados que engrossam as fileiras da Associação Novo Macau nos últimos anos, e alguns deles ainda bastante novos. Foram aparecendo aos poucos, primeiro Jason Chao, que foi imediatamente apelidado de "radical", apenas por aparecer na linha da frente que alguns confrontos mais "quentes" com as autoridades e com o Governo. Quem conhece Jason Chao sabe que ele é tudo menos radical, e é até uma pessoa cordata e educada, contando que não tenha quatro polícias a segurá-lo pelas pernas e pelas mãos até uma carrinha e levá-lo para a esquadra onde fica detido um dia inteiro sem acusação formada. Pelo menos não foi ele quem me pareceu "radical" quando foi diplomaticamente entregar uma petição a Wu Bangguo, presidente da Assembleia Nacional Popular que visitou o território em Fevereiro de 2013, sendo detido pelas autoridades como se viesse armado até aos dentes e com explosivos à cintura. Querem "radical"? Olhem para o tal "long-hair" ali ao lado, e que sorte não termos alguém assim entre nós - e sorte dos democratas, que certamente perderiam muita da credibilidade que vêm obtendo ultimamente.

E esta credibilidade tem vindo a chegar através de caras novas como Sulu Sou, Scott Chiang e restante sangue novo que tem aparecido no Novo Macau. Gente jovem, natural de Macau, com formação superior e muito pêlo na venta. O preço a pagar pela adesão ao activismo e à pró-democracia é elevado; são inúmeros os casos de elementos ligados aos democratas que perdem o emprego, tornam-se inempregáveis e vêem a sua vida de repente completamente virada de cabeça para baixo, portas a serem fechadas, amigos que lhes viram as costas, todo o tipo de obstáculos que ontem não existiam e que lhes começam a surgir no caminho. Quem é idealista encontra no Novo Macau a sua "praia", vai precisar de um estômago forte, aceitar ser vigiado, seguido pela polícia, ter o telefone sob escuta, um filme de terror que no fundo não passa de dissuasão e visa desencorajar outros a juntarem-se à contestação. Kam Sut Leng e Bill Chou, dois dos mais recentes membros do Novo Macau, foram despedidos das escolas onde lecionavam, e se o caso da primeira foi pouco mediático, já o professor de Ciência Política da UMAC abriu o debate sobre a liberdade académica, ou a falta dela. Para a opinião pública isto foi "normal", uma consequência da opção pelo anti-sistema. Fosse Bill Chou um indivíduo discreto e sem filiação com os democratas, o seu despedimento seria muito mal recebido, e realisticamente nunca aconteceria. Quem é inteligente e se interessa por política, tem poucas opções. Ou é próximo do poder, casos de Gabriel Tong e Agnes Lam, o "Agostinho e Agostinha", e para isso precisa de ter as "costas largas", ou o melhor é comer caladinho, e guardar a sua opinião para si. É por isto que a opinião pública não está muito preocupada com a actual situação e estas "turras" entre democratas e Governo, que é um filme de "polícias e ladrões" que já viram antes muitas vezes. Não se preocupam com a estabilidade ou com o segundo sistema, pois sabem que estas peripécias têm destinatário, nem pena dos democratas detidos, despedidos ou perseguidos têm sequer: estes estão a fazer apenas "o seu papel".



E falando de dissuasão, as tentativas de boicotar o referendo civil foram em vão, e produziram os efeito tragicómicos que se viram. Este Sábado participaram mais de 700 residentes, e o total a esta hora é 8530 participantes, provando que alguns deixaram a visita ao sítio do Macau2014 para o fim. Enquanto amanhã promete ser muito quente em Hong Kong, com o movimento "Occupy Central with Peace and Love" a levar a cabo mais uma iniciativa a favor do sufrágio directo para a eleição do Chefe do Executivo em 2017, em Macau o Colégio Eleitoral reúne-se no Macau Dome para reeleger Chui Sai On, o único candidato para esse cargo. Depois é a hora de contar as armas, e ao mesmo tempo que a Comissão Eleitoral divulga os resultados, Jason Chao e a rapaziada da pró-democracia vão retaliar com os números do referendo civil. Isto promete aquecer, e depois voltar tudo ao normal, para no futuro voltar a acontecer, e só resta saber em que circunstâncias. Fiquem atentos aos próximos dias.



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