quinta-feira, 6 de maio de 2010

Loucura


Tenho uma vizinha que é louca, coitada. Vive no quinto andar, e várias vezes vejo-a sozinha, na rua, a gritar com alguém invisível. Isto já lhe causou problemas, uma vez que grita profanidades e há quem pense que lhe é dirigido. Aqui no bairro já todos a conhecem, portanto ignoram-na. Mesmo em casa grita com o seu ser imaginário, ao ponto de muitas vezes ser possível ouvi-la, mesmo mais de dez andares acima.

Desconheço se a senhora, que aparenta ter entre 40 e 50 anos, tem família, mas duvido que tenha pelo menos uma família que queira saber dela. Às vezes apanho-a no rés-do-chão ou no elevador, aparentemente calma. Nunca falo com ela, mas só olhando já dá para perceber que descurou também a aparência e a higiene. Falei com a minha mulher, que falou com a administração de condomínios, que por seu lado respondeu que ela “apesar de gritar sozinha em casa”, não teve qualquer comportamento que justifique qualquer providência – deve pagar sempre o condomínio a tempo e horas, apesar de se desconhecer a sua fonte de rendimentos.

Ainda esta manhã a ouvi gritar quando saí, perto das 10 horas. No outro dia encontrou uma jovem no elevador e começou a insultá-la, chamando-a de “lixo” e “verme”. Sinto que está a piorar, e temo pela sua segurança, coitada. Do quinto andar pode apenas partir uns ossos, mas se saltar do terraço, acontece uma tragédia que podia ser evitada. Um dia destes um dos vizinhos queixou-se às autoridades, mas a resposta que levou foi que "enquanto a senhora não fizer algo ilegal, não podemos fazer nada".

Não é raro encontrarmos gente louca aqui em Macau. Todos conhecemos alguns casos um pouco aqui e ali, e ignoramos, associamos à pobreza, ao alcoolismo ou à toxicodependência, e deixamos passar. O único local conhecido onde se tratam as doenças mentais é um centro na Taipa, cujo nome agora não me recordo, que fica ali perto da loja das bicicletas, eufemisticamente chamado de "centro de recuperação". Ou aí, ou a prisão, dependendo da gravidade do caso. Sei muito pouco da quantidade e da qualidade da psiquatria exercida em Macau, mas duvido que seja uma especialidade com saída, ou sequer bem recebida.

Num território onde a ideia é fazer dinheiro e ter juizinho, não há cá lugar para “malucos”. E tal como a minha vizinha, e muitos outros, a solução é continuar a fechar-lhes a porta, ou virar-lhes a cara. Não vale a pena pedir que se tenha o mínimo de humanidade, ou respeito por outra pessoa que sofre por razões que ignoramos. Essa humanidade fica toda guardada para causas distantes, como terramotos aqui, cheias acolá, qualquer coisa que baste apenas atirar algum dinheiro e ficar de consciência tranquila.

3 comentários:

Pedro Coimbra disse...

Na mouche meu caro Leocardo!
Quando é preciso algo mais que umas patacas para acalmar as consciências, posando até para máquinas fotográficas e câmaras de televisão, a solidariedade vai toda para o caixote do lixo mais próximo.
Estas situações doem muito a quem tem familiares portadores de deficiência (uma irmã), que nada fizeram de mal e que não pediram para nascer com esses problemas.
Cumprimentos

Anónimo disse...

Já que o tema é esse, deixe-me dizer que aqui na caixa de comentários do Bairro do Oriente também anda muito maluco à solta.

Anónimo disse...

E a Gripe A? Onde anda?