Hoje foi dia 13 de Maio, que marca o 92º aniversário das aparições da mãe de Jesus na Cova da Iria. A aparição foi presenciada por três pastorinhos perto da localidade de Fátima, que se tornou um santuário onde se deslocam todos os anos milhões de fiéis de todo o mundo. Sendo eu de Ourém, sei bem o que representa o 13 de Maio. É a Meca da religiosidade portuguesa. O que se vê na TV não é nada comparado a estar lá ao vivo. É um espectáculo único.
Não quero comentar a veracidade das aparições, que aconteceram numa época em que decorria a Primeira Guerra Mundial, e Portugal estava mergulhado numa enorme depressão económica e social derivada da incompetência da I República. Quem acredita guia-se pela fé cristã, quem não acredita em fantasmas é normalmente ostracizado, uma vez que "se realmente aconteceu e alguém estave lá", então a descrença é baseada num argumento oco. Foi, aconteceu e acabou a conversa.
O fenómeno de Fátima teria sido bastante original, não tivesse sido decalcado das aparições de La Sallete, em França, onde em 1846 a Virgem apareceu a...dois pastorinhos. Coincidência? Em 1858 Maria apareceu em Lourdes, também na França. É preciso recuar até ao sec. XVI para registar a última aparição conhecida. Foi em Guadalupe, no México. A mais recente deu-se em Međugorje, na Bósnia, em 1980. Já ouviram falar em Međugorje? Certamente que sim, é o destino de peregrinação "da moda". Algumas economias estimulam as suas economias deprimidas com a legalização do jogo, outras com o turismo rural, outras com as aparições. É simples.
Em Macau o dia é marcado por uma procissão até à Ermida da Penha. Um acontecimento singular na Ásia, talvez apenas ultrapassado pelas representações do calvário de Cristo nas Filipinas, durante a Páscoa. É um acontecimento que tem tanta ou mais importância dez anos após a transferência de soberania de Macau para a China, e onde participam centenas de fiéis de todas as comunidades (não apenas a portuguesa e macaense, como alguém referiu). Nunca fui na procissão, mas hoje conseguia ouvir os cânticos da janela da cozinha, de onde se vê a Penha.
Hoje de manhã assisti através da RTPi a um pouco do que se passou ontem à noite em Fátima. Um comentador do tipo religioso dizia que "a mensagem de Fátima é que se reze, que se reze muito, pois Jesus está zangado". Juro que foi isto que ouvi, e não consumo LSD. Mas porque será que Jesus está "zangado"? E com o quê, exactamente? E rezar, resolve? Respeito todas as manifestações de fé de todas as religiões, mas gostava muito de saber qual a religião que não respeita a inteligência dos seus crentes - e principalmente do público em geral.
Vou directo ao assunto: não acredito que alguém tenha falado com Deus ou com algum elemento da Santíssima Trindade. Se eu algum dia falo com Deus, não espero que Ele me responda. Deve ter mais que fazer. Não acredito que alguém tenha falado com a Virgem Maria, não acredito nos horrores do Inferno, não acredito no Apocalipse, não acredito em fantasmas. E já sei que me arrisco à fogueira da censura pública, pois isto de "não acreditar" no discurso directo de uma entidade divina não é bem recebido. Já cheguei a ser insultado por dizer que "não acredito" nos fabulosos milagres e na salvação que a Igreja nos oferece em troco de quase nada, a não ser nossa alma imortal.
Quando estudava no 5º ano, o meu professor de Religião e Moral, o bom Padre Manuel, falou-nos nos milagres de Fátima, sempre um momento alto do ensino da cátedra na EP de Ourém. Contou-nos que - e volto a lembrar, nas palavras do Sr. Padre - que "Jacinta e Francisco morreram porque Deus os chamou para o seu lado". Sei que "chamamento de Deus" é um eufemismo para a morte, mas o Sr. Padre queria dizer exactamente isto - uma convocatória para a Selecção Nacional do Paraíso. Mais tarde aprendi que morreram devido ao surto de gripe espanhola, que dizimou perto de 5% da população mundial entre 1918 e 1920. Fico sem perceber porque quis Deus que duas criancinhas morressem dessa forma horrível, e fico sobretudo sem perceber porque tiveram 50 milhões de pessoas acompanhar os petizes. Falta de anjos no Céu?
Tenho a certeza que nem Deus nem Jesus querem que as pessoas sofram. Não querem que as pessoas se auto-flagelem ou crucifiquem, não querem que as pessoas matem em Seus nomes, não querem que as pessoas andem de joelhos à volta dos Seus santuários. Se querem, então já não gosto Deles. Fátima, sendo ou não verdade, é uma mensagem de paz, de amor e de alegria. Não de sofrimento, angústia e devoção cega, coberta pela burca do "respeitinho". Nas palavras de Steven Weinberg, físico norte-americano laureado com o Prémio Nobel: "A religião é um insulto à dignidade humana. Com ou sem ela, haveria sempre gente boa a praticar o bem e gente má a fazer o mal. Mas é preciso a religião para pôr gente boa a fazer o mal".
4 comentários:
Mais uma vez a ironia, a crítica e uma certa raiva latente em relação de tudo quanto seja católico. Aceita-se, pois este é um blogue pessoal e a liberdade de expressão e credo ou ausência dele é para se respeitar.
O que é uma pena é que não haja um alto e bem parecido católico que entre no mesmo restaurante em que você esteja a almoçar para que o Leocardo fique embevecido como ficou com o jovem árabe e fale com candura sobre o catolicismo da mesma forma que falou do Islão.
O que seria de estranhar é que não existisse um post em relação a Fátima e umas criticazinhas. Que pena que é não podermos ser brindados com idêntica verve nas datas importantes de outras religiões
Tem sempre a parelha do físico.
Se o Leonidas, em vez de vir sempre criticar o Leocardo quando este critica a religião, viesse era explicar por que é que acredita nas aparições de Fátima e em tudo o que a ICAR lhe põe no prato, é que nos deixava a todos mais esclarecidos.
Meu caro Gentio Infiel,
Ponto um: eu nem sempre critico o leocardo e quando o faço é para provocar a discussão, mas sem o fel que muitas vezes caracteriza muita gente que vem para aqui descarregar frustrações.
Ponto dois: só estranho que ele quanto às várias religiões apenas opine nestes termos sobre a católica.
Ponto três: quem disse que eu acredito em todo que diga respeito à Igreja Católica;
Ponto quatro: o Leocardo sacrifica o seu tempo pessoal para postar aqui e nos disponibilizar, quase sempre, material de excelente qualidade.
Apenas as questões de coerência meu caro me levam a provocar o Leocardo. É tão-só uma provocação. Espero que ele não as leve a mal pois não tenho qualquer intenção de o indispor ou de o atacar pessoalmente.
Quanto ao ponto três: só posso falar daquilo que conheço. E conheço a Igreja Católica porque cresci num país católico. Sempre que posso (quando se justifica) critico as outras religiões. Exemplos recentes: os talibãs, os bois reais do Cambodja ou a escola "Cristã" que suspendeu o aluno por ter ido ao baile de finalistas da namorada.
Obrigado e cumprimentos.
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