terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

O "ser estrangeiro"


O documentário “Mad about english” fala do esforço que muitos residentes de Pequim fizeram nos anos antes dos JO de Pequim para aprender inglês, de modo a receber melhor os seus convidados estrangeiros. Foi engraçado observar entre os casos – alguns de mais sucesso que outros – o esforço, mesmo entre os mais idosos, para conseguir o seu objectivo. Da mesma forma que construíram a Grande Muralha, os chineses arregaçam as mangas e dão o seu melhor para levar a cabo uma tarefa, a muito custo e esforço.

Não é fácil para o chinês médio aprender outra língua. Os mais pequenos tomam contacto com os tais caracteres desde tenra idade, e alguns chegam a memorizar perto de quatro mil. Tomavam o primeiro contacto com o nosso abcedário já depois dos 10 anos, e os mais velhos nem isso. É difícil tomar contacto com uma língua completamente diferente em estrutura que a deles, e é muito difícil que venham pronunciar uma língua estrangeira correctamente. Daí nasceu por exemplo o famoso “chinglish”. Até porque não é necessário, pois o Mandarim (a língua oficial) é a segunda mais falada no mundo inteiro. Ou devia ser, se ignorarmos os números do analfabetismo ou a força de alguns dialectos, devia ser a segunda.

Seja como for, tem uma importância tão grande que são cada vez mais as escolas chinesas que aceitam estrangeiros ávidos de aprender chinês. Ao contrário do Francês (falado em França, África, partes da Bélgica, Suíça e no Quebeque) ou do alemão (falado na Alemanha, Áustria e Suíça), o Mandarim é uma língua com um enorme potencial de aprendizagem. É admirável o esforço que os chineses fazem para aprender uma língua com que possam não só comunicar com o resto do mundo, mas também ter acesso a mais informação, à cultura, etc. Aprecio e admiro o esforço que um chinês (assim como qualquer estrangeiro) em aprender uma língua com que possa comunicar comigo, fale bem ou mal. Não sou de corrigir ninguém, não sou purista e muito menos professor de línguas. Explico qualquer coisa se ele me pedir, claro, mas já fico feliz se não estivermos ali a ter um conversa de surdos.

É atroz que em Macau hajam tantos jovens de 18 anos ou pouco mais que não sabem falar inglês. A minha sobrinha, que tem 13 anos, consegue fazer os trabalhos de casa de inglês com uma perna atrás das costas (salvo seja), mas não consegue dizer uma frase na língua inglesa que se perceba. Claro que podemos atribuir as culpas aos método educativo do “empinanço”, o mais rápido e eficaz, mas depois o que fica é muito pouco. As escolas, os pais, a sociedade está a preparar sobretudo chineses que saibam chinês para que possam competir num mundo chinês. Como isto se tratasse de alguma cabala com o propósito de atingir a dominação global ou qualquer coisa do género.

Existe nos países grandes como a China uma certa rivalidade regional, um certo bairrismo se quiserem. O norte, mais conservador e politico, o sul mais liberal e apolítico. O sentimento patriótico tem crescido nos últimos anos no sul, talvez devido a um mecanismo de defesa. Os chineses, que desde a criação da RPC em 1949 têm finalmente uma China unida com um poder centralizado, pelam-se de medo pela desagragação, das “forças estrangeiras” que querem provocar a cisão. Talvez por isso seja tão comum ouvir a ladainha dos “assuntos internos da China”. Afinal foram muitos séculos de incerteza e muito sangue derramado para chegar onde se chegou.

Mesmo os casamentos interraciais são ainda vistos com muito cepticismo. A família tradicional chinesa segue ainda regras muito rigorosas, que aparentemente não estão ao alcance de estrangeiros. Claro que os pais com menos posses conratulam-se que uma das filhas case com um homem rico e honesto, independente da sua origem ou nacionalidade. Mas nos outros casos, a coisa até pode ter a sua piada no início, mas a longo prazo existem diferenças difíceis de aproximar. Sem meias palavras, é bastante complicado. Por vezes os jovens pensam mais com a cabeça do que propriamente com o coração.

Aqui em Macau podemos encontrar bons exemplos. Tenho um colega chinês que tem nacionalidade portuguesa que diz que “é chinês, menos quando viaja”. Bastante elucidativo. A minha mulher, que é chinesa de Macau, tem muito a mania de criticar alguns chineses “que se vendem ao estrangeiro”, que se esforçam por agradar aos estrangeiros e muitas vezes rejeitam a sua própria cultura e origem. Em suma, que “querem ser estrangeiros”. É muito fácil falar de barriga cheia, atendendo que até há poucos anos a emigração na China assumia controlos dramáticos, com os chineses, o povo mais empreendedor e inteligente do mundo, capaz de se adaptar às situações mais adversas, de viver onde quer que seja, ainda há poucos anos eram tratados como invasores, uma verdadeira "praga" nos seus países de acolhimento.

É salutar que os chineses, especialmente os mais jovens queiram estar abertos a experiências novas. A quantidade de chineses entre os 18 e os 24 anos que estão na Universidade duplicou na última década, e valorizar-se não passa apenas por aprender o que se dá nos bancos da escola. É preciso viajar, descobrir, enfim, “ser estrangeiro”, mesmo que só um bocadinho (excepção feita aos programas sobre viagens e culturas estrangeiras produzidos pelos canais de TV de Hong Kong, que são um insulto à inteligência). Lembro-me do episódio daquela menina chinesa que entrou na arena do Campo dos Operários em plena tourada em 1995 e levou uma chifrada do touro. Quando lhe perguntaram porque fez aquilo, respondeu simplesmente que “era uma coisa nova, nunca tinha experimentado”.

Mesmo assim continuam cépticos quanto ao valor do seu país e das suas coisas. Voltando à minha mulher, já aqui falei do suplício que é ir ao supermercado com ela. Verifica a origem de todos os produtos, e se forem feitos na China (com excepção de massas, chá e afins), volta a colocá-los na prateleira. Prefere comprar bolachas, chocolates e outros produtos que chegam de países como a Bélgica, a Espanha e até mesmo a Polónia! O pior é que o recente escândalo da melamina veio dar-lhe razão. É o tal controlo de qualidade que ainda falta melhorar para que a China possa realmente competir no mercado internacional. É preciso de uma vez por todas quebrar essa barreira do preconceito, e isso pode demorar ainda muitos anos.

Quem acha que a sua língua, a sua cultura, os seus hábitos são os melhores que os outros, aprende pouco. Nós também somos um pouco assim. Temos a mania de dizer que o nosso queijo é o melhor do mundo, mas poucos conhecem o queijo francês, ou que o nosso azeite bate os restantes, e conhecemos pouco do azeite italiano por exemplo. Em alguns casos mais graves, dá-nos para garantir que as nossas ovas de sardinha são por si só suficientes para esterilizar um cardume inteiro de esturjão iraniano. Em Macau tivemos o célebre e recente exemplo do deputado-empresário que entrou numa cruzada contra a calçada à portuguesa, afiançando que na China “temos pedras melhores”. Quando isto chega até às pedras…

Por exemplo, hoje leio as afirmações de Stanley Ho no jantar de Primavera da SJM afirmar a propósito da sua rivalidade com a americana Las vegas Sands: “somos todos chineses e temos de nos unir para enfrentar as dificuldades e impedir que os empresários estrangeiros nos assediem”. Porquê só os “estrangeiros”? E os outros? Por muitas razões, e até boas, que Stanley Ho ou mesmo uma boa fatia da população de Macau possa ter contra Sheldon Adelson e os seus “boys”, isso não é razão para disparar nesta direcção, e criar animosidade contra os “estrangeiros” em geral. É populista, básico e muito perigoso. Depois há os democratas, aliados a alguma imprensa e opinião pública, com a culpabilização da mão-de-obra estrangeira pelo desemprego, ou os imigrantes africanos e do Sudoeste Asiático pelo aumento da criminalidade. Ou seja, a culpa é sempre do outro menino. Mas daí, cada um ouve e acredita no que quiser...

28 comentários:

Anónimo disse...

Parabéns Leocardo,

O seu melhor post até à data.

Cumprimentos

Anónimo disse...

Tirando a frase "os chineses, o povo mais empreendedor e inteligente do mundo". Só pode ser piada.

Anónimo disse...

Os chineses sao empreendedores
mas nao sao inteligentes, essa e'demais

Anónimo disse...

O povo MAIS empreendedor e MAIS inteligente é piada, foi o que eu disse. O anónimo anterior deve ter problemas de interpretação. Precisa de aulas?

Anónimo disse...

Inventaram uma das primeiras formas de escrita, inventaram o papel, a imprensa, a bússola, a pólvora, uma forma primitiva daquilo que é hoje o futebol...
Devem ser mesmo burros, coitados.

Anónimo disse...

Vindo de quem vem, uma frase desse calibre nao me surpreende.

O Leocardo quando for grande quer ser chinês.
Mas como o outro, excepto quando viaja.

Leocardo disse...

Obrigado pelo seu comentário, Leonidas.

Já sou "grande", e sou o que sou, não me interessa mudar. A julgar pelo teor de alguns comentários, os chineses podem não ser os mais inteligentes do mundo, mas os portugueses é que não o são, certamente. Nem os mais pluralistas.

Cumprimentos.

Anónimo disse...

Desculpem, mas eu é que sou o mais inteligente do mundo. (E também Presidente da Junta)

Anónimo disse...

E eu que pensava que a imprensa tinha sido inventada por Gutemberg. Seria ele chinês?

Anónimo disse...

Gutenberg inventou a prensa (máquina), mas antes disso os chineses já tinham caracteres móveis. Sabe quais foram outras coisas que os chineses inventaram? Papagaios de papel, a lotaria, papel higiénico, a seda (foram os bichos que a fizeram, mas percebe muito bem o que quero dizer), a escova de dentes, as perucas, os canhões de fogo e os cadeados. Entre muitas,muitas outras coisas. Aprenda que eu não duro sempre.

Anónimo disse...

Inventaram muita coisa, tal como diversos outros países. Inferir daí que são o povo mais inteligente do mundo é de uma saloiice tremenda. Você é um básico, ainda que pense o contrário.

Leocardo disse...

Só para deixar claro não sou o anónimo das 6:03 e 9:00, e não o vi a dizer que os chineses são o povo mais inteligente do mundo. Guarde as suas opiniões, assim como eu guardo as minhas, e seja um bocadinho mais humilde.

Cumprimentos.

Anónimo disse...

Pois não, não foi o anónimo que o disse.

Foi você, no seu post.

Ou já se arrependeu de ter dito?
De repente ficou sem graxa?

Leocardo disse...

A tragédia, o escândalo, o horror. E depois? Sente-se mais burro por eu ter dito isso?

Anónimo disse...

O anónimo das 9:24 não é o das 10:24. O Leocardo está em minoria.

Anónimo disse...

Eu sinto-me mais burro?

Você é que se sente, pois você é que acha que eles são mais inteligentes que você.

E olhe, tem toda a razão em achar.

Além de ser mais burro é acima de tudo mais patético.

Macau para além de ser uma terra de gente mais papista que o Papa é pelos vistos uma terra de tugas mais sínicos que os chineses.

Leocardo disse...

Como certos tugas que vêm aqui fazer uma tempestade num copo de água por causa de quatro ou cinco palavras de um post de mais de 1300. O post não é sobre quem é mais inteligente ou deixa de ser, é uma dissertação sobre a forma como os chineses olham para os estrangeiros e para eles próprios.

Mas o meu amigo quer aqui abrir um debate sobre quem é "mais inteligente", simplesmente porque a minha opinião é de que os chineses são um povo empreendedor e inteligente que eu admiro muito, independente de orientações políticas, ou como você chama, "graxa".

Se acha que falar bem dos chineses ou de qualquer outro povo é "graxa", então tem uns valores muito distorcidos. O facto de vivermos na China (no meu caso há 17 anos e no seu caso não sei) deixa-nos conhecer melhor este povo com uma história milenar e uma cultura riquíssima, que em poucos anos passou de um país moderno empobrecido e amorfo a terceira maior economia do mundo.

As minhas experiências aqui vividas são boas, positivas, e fazem com que me sinta cada vez menos um estrangeiro, mas não sou nem nunca me vou considerar chinês. Sou o que sou. Isto não me impede de lhes apontar alguns defeitos ou criticá-los, como faço muitas vezes (e "criticar" não passa apenas por ser anti-regime), inclusive neste post.

Se por acaso teve alguma experiência desagradável ou se os chineses lhe fizeram algum mal, problema seu. Se vive em Macau e acha que os chineses são burros, sujos, feios e maus, então desculpe, mas é um hipócrita que vende as convicções a troco de um vencimento (que são os chineses que lhe pagam, por sinal). Digo-lhe isto com a mesma sinceridade que diria a um elemento próximo da minha família.

Meu amigo, a vida é curta! Ultrapasse esta crise e viva! Viva!

Cumprimentos.

Paulo39 disse...

Pensei que a inteligência fosse uma característica de cada ser-humano e não de uma nação... A discussão entre que povo é o mais inteligente é ridícula! Como em qualquer lugar do mundo, na China há gente inteligente, gente assim-assim e gente burra. Talvez por serem 1/6 da população mundial, se encontre muitos chineses inteligentes e muita coisa tenha sido inventada por chineses.
Mas meus amigos.. sinceramente não vejo qual é a relação entre a inteligência e a nacionalidade de uma pessoa. Esta discussão é mais uma brincadeira mesquinha de gente que não tem mais nada para discutir e em que pensar.
Passemos ao post seguinte ;)
Cumprimentos

Anónimo disse...

Como são vários a fazer o blog....

Anónimo disse...

ÉO QUE DÁ SEREM VÁRIOS INTELIGENTES A FAZER O BLOG, E NÃO UM APENAS COMO ALGUNS AINDA JULGAM...

Anónimo disse...

O problema não foi você dizer que os chineses são inteligentes e empreendedores.
Se você dissesse isso eu concordava consigo.
Mas voce disse que eles são o povo MAIS inteligente e empreendedor DO MUNDO.

E isso, e conhecendo aquilo que você costuma escrever sobre a China, não passa de mais graxa.

Só que dantes você era mais refinado na sua graxa.
Agora está a perder qualidades e a meter dó.

Como se costuma dizer na minha terra, quanto mais tu te abaixas mais se te vê o cu.

Anónimo disse...

Cheguei um pouco tarde a esta discussão (da qual, parece-me, nascer luz no post do Paulo39...) mas não resisto, quando se fala da "inteligência dos povos" a citar uma pequena anedota que li no "Foice & Martelo - A história do comunismo em anedotas comunistas", edição Guerra e Paz (os nomes são citados de memória).
Assim, a propaganda estalinista anunciava que o cientista soviético, camarada Petrov, tinha inventado o comboio e o barco e que tinha sido um outro cientista soviético, o camarada Smirnov, a inventar o avião e o automóvel.
Dizia o povo que, no museu da Ciencia de Moscovo estavam afixadas as suas fotografias, com indicação dos respectivos feitos, e também a fotografia do camarada Vasiliev, um outro cientista soviético que fora o inventor dos camaradas Petrov e Smirnov.
Cumprimentos.

Leocardo disse...

Anónimo das 11:06, como eu já disse, viva! Esqueça as frustrações, os ódios e os maus fígados, e seja feliz! De tanto bater na tecla, esta já nem se lê.

Ludovico: não foram os "camaradas" que inventaram o papel, a pólvora, etc. Foram os chineses. Boa anedota, em todo o caso.

Cumprimentos.

Anónimo disse...

O mesmo posso eu dizer quando você fala da Tailândia ou da Igreja Católica.
Eu ao menos não tenho traumas.

Nunca apanhei um travesti nem nunca nenhum padre me foi ao cu.

Deve ser esse o seu problema.

Anónimo disse...

A China é hoje uma enorme potência económica mundial, com o terceiro PIB do mundo, mas o seu PIB per capita continua ao nível do terceiro mundo.
A China cresceu muito nos últimos trinta anos e tem razões para se orgulhar disso, mas foi um crescimento apoiado na exploração humana, na destruição do ambiente, no totalitarismo, no que há de pior tanto no sistema socialista/comunista como no capitalista.
A prioridade até agora foi a acumulação de capital para poderem investir mais, produzir mais e exportar mais. Alguns enriqueceram, muitos melhoraram de vida e muitos outros continuam na miséria.
Veremos se as prioridades mudarão no futuro e os enormes deafios que subsistem serão atendidos.
Por mim, continuo a preferir ser um pobre português governado pelo pinóquio do que um inteligentíssimo e empreendedoríssimo chinês governado pelo PCC, mas cada um sabe o que prefere para si e para os seus. Vou à China de férias e volto para Portugal. Eles vêm para cá aos milhares e já não querem regressar a casa.

Anónimo disse...

Olhe, anónimo das 7.44, comigo por acaso aconteceu aquilo que diz acontecer com os chineses: vim para a China e já não quis regressar a Portugal. Mas claro que o Leocardo se deixou levar pelo entusiasmo com aquela de "os mais inteligentes do mundo". Pergunte a alguns professores de Macau que os tentam ensinar. Em certas escolas é missão quase impossível. Mas talvez na China seja melhor, que é capaz de haver mais respeito e disciplina e portanto estarem criadas as condições para aprender.

Anónimo disse...

Para mim, que lido diariamente com chineses no trabalho e em todo o lado, a maioria deles de inteligente não tem muito, já para não falar na tremenda falta de cultura geral.
Mas alguns são muito empreendedores, isso concordo.

Anónimo disse...

Eu penso que Macau abriu a indústria do jogo aos americanos apenas por razões estratégicas: havia todo o interesse em retirar Macau das listas negras da lavagem de dinheiro. Melhor não havia que permitir que alguns dos principais operadores americanos aí acorressem. Foi um golpe de génio das autoridades chinesas, há que lhes retirar o chapéu...