A propósito dos 200 anos do nascimento de Charles Darwin e do século e meio da publicação do seu “A origem das espécies”, sinto que não posso deixar de expressar alguns pontos de vista sobre as teorias evolucionista e criacionista, e dos argumentos de ambas. É óbvio que defendo a teoria evolucionista, pelo simples facto de que a evolução está sempre presente, está sempre a acontecer. Todos os dias o Homem faz novas descobertas nos ramos da ciência, da tecnologia.
Se o engenho humano nunca tivesse evoluído, teríamos desde sempre o telefone, o automóvel, a electricidade ou mesmo a roda e o fogo, invenções relativamente recentes quando se mede a História da humanidade no tempo geológico. Mesmo a nossa civilização – oito mil anos – é insignificante perante os milhões de anos do tempo cósmico. A cristiandade, o Islão, e até mesmo a escrita aconteceram “ontem”. Se a vida deste planeta que hoje habitamos se reduzisse a um ano, estes oito mil seriam apenas um segundo.
Lembro-me de uma conferência dada há muitos anos pelo meu professor de Antropologia, em que falou que “no futuro” o Homem evoluirá ao ponto de ter apenas dois dedos num pé, uma caixa craniana maior, um sentido de visão cada vez menos apurado, e um apuramento dos sentidos da audição e do olfacto. Claro que este discurso foi motivo de galhofa na sala inteira. Risos de medo. A ignorância leva normalmente ao medo que usa o riso como que para afastar os maus espíritos, como quem bem lá no fundo está a pensar: “e se me sai um filho macrocéfalo com dois dedos em cada pé?”. A espécie humana é isto mesmo; o resultado de uma selecção natural, da lei do mais forte e com muito acaso à mistura.
Um dos argumentos utilizados pelos criacionistas para minar a teoria da evolução é: “Se o Homem descende do macaco, porque é que os macacos continuam a ter outros macacos e não um Homem?”. Isto é demonstrativo da pouca vontade de debater este tema que existe por parte dos criacionistas, que ao contrário dos evolucionistas, apresentam primeiro as conclusões, sem se preocuparem com os factos. Claro que se deve respeitar a fé (a tal que às vezes move montanhas) de cada um, mas não é menos verdade que as evidências são por vezes demasiado fortes para que se mantenham certos princípios como dogmas.
Para os criacionistas a Terra foi criada há seis mil anos por Deus, e tudo é hoje exactamente como sempre foi e sempre será. O primeiro homem foi Adão, e a primeira mulher Eva, que foi criada de um costela de Adão. Se Adão e Eva foram o primeiro homem e mulher, então os seus filhos tiveram filhos com quem? Não quero acreditar que a origem da humanidade é suportada no incesto. Assim como esta, há muitas outras perguntas que ficam por responder. A Bíblia é um livro maravilhoso, cheio de alegorias, simbolismo, e cuja leitura a todos recomendos, mas deve ser tomada em pequenas doses, com uma colher de chá, e não se deve levar tudo rigorosamente à letra. E há mesmo quem leve, pois só nos Estados Unidos, o país científicamente mais desenvolvido, existem 48% de criacionistas.
O livro de Genesis (é preciso não esquecer que todas as religiões/culturas têm a sua própria interpretação da origem do Universo e do Homem) é uma espécie de explicação, de teoria. Ninguém sabe exactamente a resposta para o sentido da vida, o porque estamos aqui. Aliás é curioso que a Igreja esteja sempre a procurar explicações para os mistérios que a sustentam. Ninguém sabe o que acontece depois da morte, não há provas da existência da reencarnaçã, do Paraíso, Purgatório ou Inferno. É irónico criticar a motivação dos terroristas islâmicos e as tais 72 virgens que os esperam no Paraíso, mas qual é a diferença entre essa convicção e as outras?
Mesmo Darwin, que recebeu uma educação cristã, terá ficado tão abismado com as descobertas que fez durante as suas viagens quanto ficaram as pessoas do seu tempo quando as deu a conhecer. Ao contrário dos ateus, esses senhores cheios de certezas, não duvido da existência de Deus. Talvez não do mesmo Deus que Miguel Ângelo pintou no tecto da Capela Sistina, mas um ser superior, um alfa. Se a própria evolução, indiscutível como é, tem as mesmas falhas que qualquer outra teoria. Darwin revolucionou o pensamento humanista da mesma forma que o fizeram Da Vinci, Galileu, Newton ou mesmo Marx.
Não é fácil discutir este tema abertamente; as pessoas gostam de qualquer coisa de divino a que se agarrar para justificar a sua própria existência. E não há nada de errado com isso. A Teologia é um conjunto de estudos respeitável, que tem uma história e um peso respeitáveis. O diálogo é quase impossível, e haverá sempre uma fenda irreparável entre as teorias do evolucionismo e do criacionismo. Se um meio termo existir, se a evolução faz parte de um grande plano divino que por alguma razão limita a nossa existência a uns meros 70 anos entre milhões que seja. Cada um acredita no que quiser, e eu não sou de dar sermões.
5 comentários:
Caro Leocardo,
Muito bom post. Parabéns.
Cumprimentos,
Tudo acaba na inevitavel pergunta: O que apareceu primeiro, o ovo, ou a galinha?
Atenção à gafe: "Ao contrário dos ateus, esses senhores cheios de certezas, não duvido da existência de Deus". Ou seja, quem está cheio de certezas é você, Leocardo, porque não duvida da existência de Deus. Alguns que se dizem ateus duvidam, afirmam não saber se existe ou não, e são ateus porque não estão para acreditar numa coisa que não sabem se existe.
Hmmm bem, o que eu digo em relação à existência de Deus, é que não posso garantir que exista, assim como não poso garantir que não existe. Acredito sim num ente superior, se é o Deus da religião, não sei. Os ateus - que respeito - têm a certeza que não existe. Se ser agnóstico é isso, sentar-se na muralha que divide a crença em Deus do ateísmo, que seja.
Cumprimentos.
Oi, li seu texto e achei muito interesante. Esses dias estava vendo na tv um especial sobre Darwin, acho que seria interessante se você desse uma olhada, o link é: http://mais.uol.com.br/view/8zedvdipch98/especial-mas-de-darwin-04023468D8916326?types=A&
. Valeu
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