quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Igreja e homossexualidade


Os últimos tempos têm sido marcados por uma certa discussão que muito divide a opinião pública: o casamento de pessoas do mesmo sexo. Este blogue têm dado uma especial atenção ao assunto, não propriamente à essência da questão (o direito ou não dos homossexuais de contrair matrimónio), mas a certas opiniões da Igreja Católica sobre o assunto. Alguns leitores mostram-se visivelmente incomodados com as minhas opiniões sobre a posição marcadamente homofóbica da Igreja, ou do direito desta última em interferir numa questão meramente civil e social, mais do que moral ou ética. Nunca em ocasião nenhuma neguei o direito à Igreja Católica de dar a sua opinião sobre o assunto, mas quando o faz, é de um conservadorismo atroz, e de uma enorme falta de humanismo. Humanismo pelo qual a Igreja se tem pautado, e bem, em outras situações.

Considero-me agnóstico e nem sequer sou baptizado, crismado ou qualquer outra modalidade da vasta gama que a Igreja Católica oferece aos reles seres humanos como forma de “entrar no reino dos céus”. Não sou judeu nem comunista, sou sim de uma família ribatejana em que o chefe de família (o pai, conceito muito católico) teve a inteligência e a sensatez de deixar os seus filhos escolher o que queriam para o seu futuro, incluíndo a religião. Não foi fácil, e a família Leocardo sofreu pressões de muitos lados para que os seus rebentos fossem registados no grande index do catolicismo, dos que se podem, no fim, “salvar”. Preocupam-me mais os assuntos terrenos, nomeadamente o exercício da democracia e dos direitos terrenos inerentes a qualquer cidadão. O que mais me preocupa é a vida, e a hipoteca da casa. Com o pós-vida e o lugar no Céu preocupo-me depois.

A Igreja tem defendido o “modelo tradicional de família”, que consiste no pai, na mãe e nos filhos, quantos mais melhor, segundo a doutrina cristã na sua vertente católica. Os cidadãos homossexuais, que na falta de um yang para o seu yin ou vice-versa, não são capazes de concretizar este conceito de família tradicional, daí que sejam vistos como uma “anormalidade”, um senão no glorioso plano que a Igreja diz ser “o de Deus”. Generalizando este conceito, incomoda-me que a Igreja não tenha pensado em todas as ovelhas do seu rebanho. E não me refiro apenas aos homossexuais, mas aos casais inférteis, por exemplo, aos que optaram por não ter filhos (que são cada vez mais) ou às pessoas que gostam simplesmente de ficar sozinhas. Como se pode observar facilmente, são muitos os exemplos de família “não-tradicional”. O que se sentem estes cristãos que têm fé como qualquer outro quando a sua Igreja insinua que o seu estilo de vida é uma “anormalidade”?

A questão da adopção é ainda muito complicada, e falo da burocracia e da exigência. Não é fácil a qualquer casal adoptar uma criança simplesmente porque é estéril ou porque prefere salvar uma criança orfã do que trazer outra ao mundo. Pesam factores como as condições económicas, o registo criminal, a estabilidade do casal e outros. Na falta de uma China ali à mão de semear, o processo pode demorar vários anos e muitas vezes esbarra na regra da família de acolhimento (famílias que recebem crianças em risco) não poder adoptar. Quando o Bispo D. José Policarpo disse que a legalização do casamento entre homossexuais “é um mau exemplo para as gerações futuras”, que “podem escolher de uma lista aquilo que podem ser”, errou. O que mais queremos é que as gerações futuras possam escolher o que querem ser, e há cada vez mais alternativas. O que mais faltava era que os nossos filhos fossem o que nós queremos, ou pior ainda, o que a Igreja quer que eles sejam.

Fui criticado aqui por ter dado a entender que o lugar da Igreja Católica é a “dar a missa”. Nada disso. A Igreja tem e sempre teve um papel importante na sociedade, no seu aconselhamento e na orientação a homens, mulheres, casais, jovens e marginais da sociedade, como os sem abrigo, presidiários, prostitutas ou toxicodependentes. O que me leva a questionar: o que têm afinal contra os homossexuais em geral? Duvido que Jesus, um homem bom e fundador do cristianismo (que se confunde muitas vezes com a Igreja Católica) tivesse preconceito com os homossexuais, da mesma forma que não tinha com os aleijados, os leprosos ou as prostitutas. Sabem qual das citações atribuídas a Jesus é a minha favorita? “Que atire a primeira pedra quem nunca pecou”. Se o que os preocupa é a palavra “casamento” e a instituição em si, que se chame outra coisa qualquer, então.

Já expliquei porque me oponho ao casamento de pessoas do mesmo sexo, e não tem nada a ver com religião ou com o núcleo familiar. Nada me irrita mais que as bichas loucas (passo o brasileirismo) que usam o lobbyismo para marcar a sua afirmação, e a volatilidade das suas relações pessoais, que são mais um “estilo de vida” do que propriamente uma convicção. Quem fica a perder são os restantes homossexuais que se amam (yes, they can) e não querem mais que a mesma liberdade do restantes casais que se amam. Mas se essa for a vontade expressa de uma maioria parlamentar eleita democraticamente pelos portugueses (ao contrário de uma religião que é inerente e seguida muitas vezes apenas por tradição), que seja.

Nem o argumento do eventual divórcio dos homossexuais (que para uma certa corrente de pensamento “prova” que os homossexuais não conseguem ter uma relação estável) pega, quando perto de metade dos casamentos heterossexuais em Portugal acabam eventualmente em divórcio. E entenda-se que não simpatizo com os “devassos” que agem em nome da homossexualidade da mesma forma que me irritam os chamados “machões”, que tratam mulheres como objectos e praticam a infedilidade conjugal como forma de afirmação da sua masculinidade, não olhando a quem magoam, com um completo desrespeito pelos votos a que se comprometeram a cumprir.

Quanto à questão da minha insistência em escolher a Igreja Católica como alvo preferencial. Os católicos têm no seu historial um rol de atrocidades e horrores que cometeram quando tinham demasiado poder, e por alguns dos quais chegaram mesmo a pedir desculpa. Um fiel leitor chamou-me a atenção para esse facto, e lembrou-me que “já não estamos nos tempos das cruzadas e da inquisição”. Muito bem, mas é para isso mesmo que serve a História: para que nos lembremos dos maus exemplos do passado, e que não os deixemos repetir no futuro. O leitor usou o exemplo do passado bélico da Alemanha e do Japão. A diferença é que nem um nem outro estão interessados em repetir esse passado, e o mundo olha com atenção e suspeita de qualquer acontecimento que possa fazer lembrar esse passado, e eventualmente dê a entender que se repita. Basta recordar as peregrinações do ex-primeiro ministro japonês ao mausoléu de Yasukuni, onde se encontram os restos mortais de alguns dos piores criminosos de guerra japoneses, que veio acordar alguns fantasmas desse triste passado.

Quando o Bispo D. José Saraiva Martins fala de “anormalidade” e usa Adão e Eva como exemplos, está a fazer lembrar os tempos em que o dogma se sobreponha à lógica e à razão. A igreja não pode nunca passar uma mensagem para um povo que se diz (ou se quer) educado e inteligente que “Deus não queria homossexuais, por isso fez um homem e uma mulher”. Chega a ser insultuoso. Se outras religiões condenam igualmente a homossexualidade, isso é outra história. O que está a acontecer em Portugal agora é a sequência do que está a acontecer em outros países de maioria cristã, como os Estados Unidos, os Países Baixos, o Reino Unido e mesmo a nossa vizinha Espanha, onde já existem leis que regulam o matrimónio entre pessoas do mesmo sexo.

Comparar o caso de Portugal com o que passa no Islão (prisões, torturas, morte) é descabido. Acredito ainda que o Islão (que tem um “atraso” de sete séculos em relação ao cristianismo no que toca à sua fundação) possa vir a evoluir, como tudo que evolui, no sentido de ser mais tolerante e aberto. Existem exemplos de países islâmicos onde a homossexualidade não é punida por lei, como a Turquia e a Malásia (que castiga a sodomia, mas não a homossexualidade per si), e um bom exemplo de que Islão pode não ser igual a homofobia. Além do mais, se a homossexualidade ou os seus malefícios vêm referidos na Bíblia ou na Torah judaíca, talvez não seja uma coisa de ontem, ou de há alguns séculos, mas um aspecto diferenciado da natureza humana. Não uma “anormalidade”.

Finalmente uma referência aos leitores que dizem que dou demasiada importância à Igreja Católica, e de que esta discussão não é mais que uma manobra de charme do Governo socialista de José Socrates para desviar a atenção de coisas muito mais importantes, como a Economia. Ora bem, a Igreja Católica tem importância, sim, e daí a dualidade quanto ao tema da homossexualidade. Se os portugueses, bem como toda a gente, não fossem maleáveis ou influenciáveis, ignoravam simplesmente o assunto, o que não acontece. O português médio (e Portugal não é só Lisboa e Porto) é temente a Deus, e reconhece na Igreja a Sua palavra. Se não é praticante e muitas vezes não é o melhor dos cristãos, isso é aceitável, e perfeitamente normal. Agora numa questão que não lhe diz directamente respeito, pode muito simplesmente seguir a orientação que a sua fé lhe indica, o que neste caso é a homofobia. O homófobo padrão usa os mesmos argumentos que a Igreja Católica tem vindo a apresentar: os homossexuais não se reproduzem, não é “natural”, é pecado, etc. Em relação à “urgência” de debater outros temas urgentes para o futuro da nossa nação, só posso dizer uma coisa. Duvido que os portugueses percebam mais de economia do que de sexualidade. E desde quando um tema social não é importante para que se discuta a qualquer altura?

PS: peço desculpa pela extensão do post subordinado a este assunto, mas são posições que gostava de clarificar, e que não cabem na secção de comentários.

5 comentários:

Anónimo disse...

Igreja não tem legitimidade moral para classificar a homossexualidade como uma anormalidade. Deveria olhar mais para os seus pecados ou então estar caladinha. Desde os crimes da inquisição à pedofilia dos Bispos americanos - e muitos outros -, são crueldades e perversões hediondas! - Absolutamente condenáveis que, em nada, têm dignificado a sua doutrina - E que Cristo, hoje, condenaria, sem piedade, se fosse vivo.

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Anónimo disse...

Meu caro Leocardo,

Eu sou o anónimo que criticou os seus posts acerca da posição da igreja católica sobre este assunto.
E deixe-me dizer-lhe que este seu post foi o melhor de todos acerca disto e que fiquei esclarecido.
Só não entendi uma coisa: Se você é tão contra a discriminação e o tratamento dado pela igreja aos homossexuais, então porque razão não concorda com o casamanto entre eles?
Por causa das bichas doidas?
Eu essas duvido que se queiram casar e de qualquer forma são uma minoria de entre os homossexuais.

Anónimo disse...

Apenas uma achega, pra reflexão:

«O casamento entre pessoas do mesmo sexo ou entre muçulmanos e católicos são as questões da actualidade que dividem os católicos.

Tal como anteriormente aconteceu com a lei do divórcio. Uns defendem a oposição pública ao casamento civil entre homossexuais por ir contra a génese do matrimónio. Outros, entendem que a Igreja Católica não se deve meter nos assuntos civis. A Conferência Episcopal decide no dia 10 de Fevereiro a posição oficial a tomar.

"Não há orientação por parte do Patriarcado para se condenar o casamento homossexual. Não foi tomada posição oficial", disse ao DN o porta--voz de D. José Policarpo. Mas, à agência Lusa, Manuel Morujão, do Conselho Permanente da Conferência Episcopal Portuguesa, admitiu que o assunto será motivo de discussão na reunião de Fevereiro: "É natural que seja programado esse ponto." Resta saber se tomarão uma posição pública e de que forma o farão.

O grupo homossexual católico Rumos Novos foi um dos primeiros a manifestar "regozijo" por José Sócrates se comprometer a defender o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Foi no domingo, na apresentação de uma moção ao congresso socialista. E, em comunicado, os homossexuais católicos sublinham: "O assumir de um tal compromisso denota um país apostado na modernidade, mas sobretudo na tolerância, igualdade e respeito pelos direitos de todos os cidadãos, independentemente da orientação sexual." Já o padre Marcelo Moraes, do Renovamento Carismático Católico, salienta que "a palavra de Deus condena a união de pessoas do mesmo sexo".

Posições opostas que encontram eco em outros movimentos católicos, sendo que há quem questione a intromissão da Igreja em aspectos civis. "Só pode falar no casamento católico, onde existem regras, como o facto de um divorciado não poder voltar a casar pela Igreja", diz Maria João Sande Lemos, do Nós somos Igreja. Já em relação às palavras do patriarca sobre o casamento entre católicas e muçulmanos, considera que o alerta faz sentido, embora a Igreja seja a primeira a discriminar. "Tem o direito de avisar, mas esquece que a Igreja trata as mulheres como cidadãos de segunda", critica. O movimento defende uma igreja aberta, que aceite a ordenação da mulher, condene o celibato obrigatório dos padres e acabe com o fosso entre o clero e os leigos.

Para Peter Stiwell, responsável pelo Diálogo Inter-Religioso do Patriarcado de Lisboa, o casamento não pode ser reduzido a gostos ou preferências sexuais. "Do ponto de vista da Igreja, o matrimónio é quando um homem e uma mulher se unem por amor, há uma manifestação do que é o sentido da humanidade. Para nós, é fundamental salvaguardar o que aqui há de específico e que não tem nada a ver com sensibilidades especiais", defende. Até porque, acrescenta, foi a Igreja a instituir o casamento como a união entre um homem e uma mulher e contrariando outras formas, como a poligamia.

É, também, aquela a posição de D. Januário Torgal, bispo das Forças Armadas. "Acho lógico e consequente que a Igreja tome posição contra os casamentos entre homossexuais, tendo em conta a concepção religiosa do casamento. Sem cruzadas nem guerras, mas é natural que estejamos em oposição", salienta. Já quanto à afirmação do patriarca em como as católicas deviam pensar bem antes de casar com um muçulmano, acredita que D. José o tenha dito com base nos relatos que lhe chegam.»

Fonte DN

Anónimo disse...

Ainda mais uma achega, quanto à questão da agenda política:

«Sócrates recusa casamentos homossexuais
24 | 09 | 2008 16.19H
O primeiro-ministro, José Sócrates, recusou hoje uma alteração à lei para permitir o casamento entre homossexuais, em discussão no Parlamento em Outubro, afirmando que não está na agenda política nem do Governo nem do PS.
A garantia foi dada por José Sócrates no debate quinzenal com o Governo, na Assembleia da República, em resposta a uma pergunta da deputada do Partido Ecologista “Os Verdes” (PEV) Heloísa Apolónia sobre o que pensava dos casamentos entre homossexuais.

«O casamento de homossexuais não está na agenda política nem do Governo nem do PS. Não está no programa do Governo do PS e o PS não anda a reboque de nenhum outro partido», disse José Sócrates, lembrando que foi o que disse «há três anos», durante a campanha eleitoral.

No comentário, a deputada, que tem um projecto de lei para o casamento de homossexuais, a par de outro do Bloco de Esquerda, ironizou: «Este país, quando espera pelo PS para promover a igualdade fica sempre em lista de espera».

Os dois projectos, agendados para 10 de Outubro, e a possibilidade de haver liberdade de voto para os deputados do PS abriram polémica dentro da própria bancada da maioria.

A polémica

Na semana passada, a direcção do Grupo Parlamentar do PS propôs à bancada que os diplomas do Bloco de Esquerda e "Os Verdes" fossem chumbados, com disciplina de voto.

No entanto, vários deputados (casos de Paulo Pedroso, Maria de Belém e Miguel Coelho, entre outros) pronunciaram-se contra a disciplina de voto.

A bancada parlamentar do PS só tomará uma decisão definitiva sobre a liberdade de voto a 2 de Outubro.»

Fonte Lusa

Anónimo disse...

Eu é mais poligamia.