Tourada, ai a tourada. A festa brava, o sangue na arena, sol e touros. Sendo ribatejano, é completamente impossível ignorar o assunto. Uma das minhas recordações mais queridas é a visita anual que se fazia à Monumental de Vila Franca de Xira com a família. Eram três carros, a criançada pulava de alegria, e enquanto os mais velhos preparavam o farnel, os mais novos já ensaiavam as pegas e os pasodobles. Lá chegados era um espectáculo. As luzes, a areia branquinha, a banda filarmónica que tocava aquela música sempre a subir. Era fascinante. Comiamos gelados e queijadas de Sintra, pipocas ou amedoins. Como o avô conhecia os toureiros a cavalo, cheguei a apertar o bacalhau a figuras como o mestre Baptista, e ao meu ídolo da altura, João Palha Ribeiro Telles. Chegava a sair rouco de VFX, de tanto olés. Convém mencionar que na altura tinha sete ou oito anos. Era um pequeno néscio.
Os argumentos a favor da tourada passam pela “tradição”. É um espectáculo secular e deve ser “respeitado”. Quem é contra o espectáculo fala de crueldade e tortura. Os dois têm razão. Não é preciso brigar. Os primeiros, principalmente os chamados “aficionados”, não admitem que se termine um dia a festa em nome dos recentes e tão apregoados direitos dos animais. E devem ser muitos, uma vez que ficou recentemente demonstrado através de um estudo que a maioria dos portugueses prefere assistir a uma tourada do que a um concerto de música erudita. Muito bem. Eu cá prefiro a ópera.
E não há dúvida que o espectáculo é bem animado. Tudo menos chato. Ao contrário de alguns jogos de futebol, por exemplo, e ainda com a vantagem de ninguém se queixar da arbitragem, e do comportamento do touro ser mais passivo do que o de certos profissionais do chuto na bola. O “sofrimento” do animal é relativo. Se as tais farpas conhecidas por “bandarilhas” colocadas no lombo do touro por aquele senhor vestido de menina montado num cavalo doessem mesmo, duvido que o touro continuasse a correr e a investir contra o toureiro depois do primeiro ferro. Provavelmente ficaria no chão da arena a contorcer-se em agonia. Já sei que os defensores do bicho vão pensar “e se fosse contigo?”. Certo, mas eu não peso 400 quilos. Não sei se ainda é assim, mas lembro-me de ouvir dizer que a carcaça do touro molestado era oferecida a instituições de caridade, como asilos ou orfanatos. Esses que passam fome ou raramente vêm um bife, devem ter mais em que pensar do que no sofrimento do famigerado animal.
Depois os do contra. É cruel, é primitivo, não devia ser permitido. Na Espanha (e em Barrancos, diz-se) mata-se o touro na praça, e o “torero” ainda arranca uma orelha ou duas para delírio da “afición”. Os tais forcados saem de lá todos cagados de sangue, normalmente o do touro. De facto não é um tipo de entretenimento para a toda a família, como um circo ou um filme da Disney. E depois é muito injusto. Quer dizer, e que tal darem ao touro uma oportunidade? Serram-lhe os cornos, sangram-no antes da corrida, e nunca um touro tem a oportunidade de fazer duas touradas, não lhe dando oportunidade para aprender os “truques” do ofício. E no fundo penso que existe algo de gay em tudo isto. Homens de ceroulas cor-de-rosa e lantejoulas, chapéus com penas, cintas apertadas, barretes, hmmm…se isto é um espctáculo muito “macho”, tenho muitas dúvidas. Em todo o caso é uma tradição, pois, muito respeitinho. E quem não gosta não vai. Existem mil e uma actividades mais aprazíveis que ir a uma tourada. Uma visita ao dentista por exemplo. E a propósito, o circo romano era também um espectáculo antigo e “cheio de tradição”. E que tal voltar?
5 comentários:
Caro Leocardo,
Obrigado pela visita, pelo elogio, e por ter a amabilidade de nos dar guarida.
Cumprimentos!
Já que se fala em tradição, devia voltar não só o Circo Romano, como também os Autos-de-Fé (aquelas procissões dos condenados pela Igreja à fogueira). Já não é do meu tempo, mas diz-se que o povo se acotovelava para ver a procissão, de tanta gente que lá ia. Não há nada como ver o poviléu feliz com estes grandiosos espectáculos.
Ah, e tinha a vantagem de ser grátis!
Óptimo artigo,na minha opinião!
O Leocardo tanto falou de um lado como de outro e expôs os argumentos de cada um.
Boa dissertação.
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