quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Turista acidental


Ai o turismo, o turismo. O filho de um amigo meu entrou este ano na Universidade, e quando lhe perguntei o que andava a rapaz a estudar, respondeu-me “Turismo”. Aí mandei uma das nossas piadolas mais espirituosas, e perguntei-lhe se o rapazote fazia planos de se tornar turista.

Quando era miúdo lia muito as revistas da Disney (aquelas que os velhos chamavam “Patinhas”, mesmo que fossem do Mickey), e havia uma edição do Disney Especial dedicada aos “Turistas”. Eu sempre pensei que ser turista fosse assim mesmo, viajar para lugares distantes, com uma valise (passo o brasileirismo) cheio de etiquetas dos lugares por onde se passou, e de máquina fotográfica pendurada ao pescoço.

Quando cheguei a Macau passaram ainda alguns dias antes de começar a trabalhar, um simpático “período de adaptação” concedido pelo meu patrão da altura. Foi na altura que fiz turismo por Macau, que me perdia em ruas e vielas, dava com os locais turísticos quase por acidente. Lembro-me de uma vez ter andado sem direcção e ter ido parar às Portas do Cerco. Macau de noite era fascinante, completamente distinto do dia, graças ao colorido do néon e daquelas adoráveis lâmpadas que se penduram ainda em algumas mercearias.

Hoje quando um turista me pergunta que locais recomendo, pergunto-lhe sempre “já foi ao Farol da Guia/Mong-Há/Templo de Lin-Fong/Jardim Lou Lim Ieoc”? Se me responde que sim, então não sei mais o que lhe dizer. As ruínas de S. Paulo e o Templo de A-Má estão implícitos.

Quando levava os miúdos ao Jardim de Infância, costumava tomar o pequeno-almoço no café Rosa, ali em frente ao Tunel da Guia, e reparava na horda de turistas que vinham saindo do Hotel Mondial, em direcção àquelas camionetas que mais pareciam sobras da guerra da Coreia, a horas indecentes (8 da madrugada; é por isso que viajar em tour é uma merda), provavelmente a caminho daquele que é já considerado o passeio dos tristes. Ora ruínas de S. Paulo, depois lojas negras (inevitável), o Templo de A-Má, os casinos, e se der tempo, um pulinho à Taipa ou a Coloane.

Curiosamente na zona onde vivo, é raro ver excursões. Então a Penha não tem interesse? E o Lilau? O quartel dos mouros? Bem, assim também não estragam, se calhar é melhor. Incidentes recentes como a batalha de Hac-Sá, no final do ano passado, provam que o turista chinês está cada vez mais exigente, e já não se deixa enganar tão facilmente por operadores turísticos pouco escrupolosos.

Existe um conceito – talvez derivado da feroz concorrência no sector – que só se faz um bom trabalho na indústria do turismo se se for capaz de espremer o turista até ao último centavo. Virá-lo ao contrário para que o dinheiro lhe caia todo, ou sugando-lhe os bolsos com um daqueles aspiradores de migalhas.

A aspiração de qualquer turista, onde quer que vá, é ser bem tratado, saber onde se come realmente bem (ou em bom português “onde não se come mal”), exprimentar em primeira mão a cultura, a História, as cores e os sabores do lugar que visita. É preciso pensar em acabar com os compadrios entre as agências de viagem e as lojas que vendem recordações, bolachas, carne assada e outras porcarias, os restaurantes que se denominam de comida portuguesa e que só dão mau nome à dita cuja, enfim, a toda uma rede que se convencionou achar que tem dado resultado.

Há quem me tenha falado dos gloriosos tempos em que os turistas japoneses visitavam Macau, nos anos 80, que gastavam fortunas nos casinos, fotografavam as pedras da calçada e as igrejas de lés a lés. O que aconteceu, entretanto? Que se saiba os japoneses não acabaram, continuam lá felizes da vida no arquipélago à espera de descobrir novos mundos e novas aventuras.

Em Macau temos potencial para fazer do turismo qualquer coisinha de jeito, e ultrapassar a crise sem mácula de maior. Temos o Instituto de Formação Turística, um verdadeiro luxo, de onde saem todos os anos jovens preparados para uma carreira no turismo ou na hotelaria. Não há motivos para recear uma falta de profissionais, o que se deve apostar mesmo é num turismo de qualidade, que se afaste do inferno dos casinos.

Não temos muito para oferecer, é verdade. Ao contrário de outras paragens da Ásia não temos praias (temos, cheias de salmonelas e outras bactérias) ou estâncias balneares dignas desse nome. O que temos é uma cultura imensa. Está mais que provado que a maioria dos turistas que procuram Macau têm na sua agenda o encontro das culturas orientais e ocidentais.

É por isso que é preciso combater uma certa tendência que existe em politizar alguns dos aspectos que tornam Macau uma cidade diferente no contexto internacional. Devemos preservar o que é genuíno, o que é nosso, pois é isso que fica quando as fichas acabam, quando Taiwan inicia vôos directos para o continente, e quando a crise aparece. O património resiste a tudo isto, e está lá para nos servir.

2 comentários:

Anónimo disse...

Na foto leio "Centro 'de' Turismo 'de' Negócios 'de' Macau. de + de + de = de3
Será uma equação matemática ou o acordo ortográfico à Macau?

Anónimo disse...

Anónimo das 12.50: bem sei que há ali 3 preposições "de". Mas se acha que isto não é português correcto, diga-me lá então como é que escreveria a mesma coisa sem as preposições. Antecipadamente grato pela resposta que certamente não terá.