E pronto, está decidido. Este ano vou passar o Natal a Portugal, muito contra o meu gosto, uma vez que vou ficar apenas 8/9 dias. Compromissos inadiáveis na base da quase centena de milhar de patacas que viagens, prendas, deslocações e outras porcarias vão implicar. Gosto muito de ir a Portugal sim senhor, apesar de não o fazer todos os anos, ou nem sempre com a regularidade que me apetecia. Adoro passear pela minha adorada lezíria, sentir aquela frescura, pisar aquelas gigantescas bostas, matar as saudades.
Só que me sinto cada vez mais estrangeiro cada vez que lá vou, principalmente desde que os meus pais e irmãos decidiram assentar arraiais na capital. Ainda me lembro da primeira vez que lá fui, três anos depois de ter vindo para Macau. Os tios foram-me buscar ao aeroporto, e primeira paragem, Café Central, em Almada, para comer um pastel de nata e beber um galão. Lá chegado, ainda às primeiras horas da manhã, fui tratado como um criminoso pelas empregadas de mesa: “Aos Domingos é pré-pagamento. Se quiser qualquer coisinha tem que pagar primeiro”. Aparentemente os seres noctívagos iam lá depois da febre de Sábado à noite cantar o “Chamem a polícia, que eu não pago”.
Outra moda irritante dessa classe tão peculiar, os empregados de mesa, é a do “copos de água não temos, só copos com água”. Uma vez, cansado dessa boa piada, expliquei a um deles que o “copo de água” aqui é uma medida, um quantitativo, assim como a garrafa de água, o barril de cerveja ou o jarro de sangria, e não significa que o copo é “feito de água”. Escusado será dizer que não gostou do meu aparte. As compras eram também um calvário. Às vezes entrava numa loja, comprava 10 ou 20 contos de roupas, livros, discos, prendas ou seja lá o que fosse, e sempre que chegava ao balcão era tratado como um maluquinho, que não sabia o que fazia, e levava sempre com uma cara de “olha que não podes pagar isto, seu palerma”.
Depois há a questão dos cigarros. Quando ainda fumava, dizia-se e com razão que “em Lisboa dois maços: um para fumar e outro para dar”. Será que nem o preço dos pauzinhos do vício intimida os fumadores que não conseguem sustentar esse mesmo vício? Alguns dos mal-entendidos, discussões de taberna, conflitos de tráfego (e logo eu, que tirei a carta em Macau), e outras tricas vão sendo cada vez mais difíceis de aguentar cada vez que vou a Portugal de férias.
Quando cheguei a Macau também não foi fácil a adaptação. Cheguei a ir a festas (era convidado para muitas, mais que agora curiosamente) onde via os pais a tratar os filhos por “você”. Ia a casa de conhecidos que pareciam o Museu Britânico de tantas peças de “artesanato” e móveis que lá haviam. As idas a Zhuhai com as “senhoras” mais pareciam um saque colonial, tal era a procura de objectos de decoração, loiças e tudo mais que hoje se pode encontrar em qualquer loja de chineses em Portugal.
Macau dos anos da pré-transição era o paraíso dos cabotinos. Qualquer um via um livro publicado, gravava um disco ou fazia uma exposição. Era tão fácil aparecer na televisão e nos jornais que a única forma de evitá-lo era ficar em casa e não aparecer em qualquer evento que juntava os nossos “artistas”. Isto sem desdém para o que de bom também se fazia, muito mais que agora, por sinal. Havia mais dinheiro, pois é.
A reverência aos doutores (não aos médicos, entenda-se) consegue ser pior ainda. Da parte das pessoas mais velhas, especialmente, mas os mais jovens também lhes seguem o caminho. Alguns falam de fulano que é “doutor” como se fosse um herói de guerra. Estudar em Lisboa/Porto/Coimbra é o equivalente em alguns países a ter servido na II Guerra, na Coreia ou na Bósnia.
Uma vez estava num conhecido café onde se juntava a nossa comunidade, e perguntei a um senhor, ilustre advogado entretanto já regressado à pátria, “se o jornal que estava em cima da mesa era seu”. Respondeu-me com um ar afectado: “Se o jornal é seu, senhor doutor! Ó homem, você já aprendeu com os chineses, que raio!”. Primeiro pensei que estava a brincar, e depois de um compasso de espera de segundos e ter percebido que a coisa era séria, respondi-lhe que não o conhecia, que não trabalhava para ele, mas que não me importava de o tratar por “senhor doutor”, desde que ele me tratasse por “Sua Majestade”.
Mas enquanto me passeava pela baixa da cidade no outro dia, à hora de almoço, apercebi-me da quantidade ainda significativa de portugueses que cá temos, ou que pelo menos estão de passagem pelo território. Gente jovem e bonita, e congratulo-me que cá estejam ou que cá venham. Se cá estão, é porque são mesmo bons, e quantos mais, melhor.
2 comentários:
O L. só podia ser da margem sul...
Então o L. deve ser o Lawrence da Arábia.
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