segunda-feira, 18 de setembro de 2017

Eleições legislativas - e agora, de cabeça fria


Acabei de ver no Telejornal o comentário de José Rocha Dinis aos resultados eleitorais de ontem, e há coisas em que não podia estar menos de acordo com o director do Jornal Tribuna de Macau. Em primeiro lugar, quem venceu as eleições de ontem foi a Associação Novo Macau (NM) que obteve mais de 30 mil dos votos expressos, em segundo lugar ficou a Associação dos Cidadãos Unidos de Macau (ACUM) com cerca de vinte e cinco mil votos, e nos lugares seguintes, aí sim, a União Macau-Guangdong de Mak Soi Kun, a associação dos operários, e a Nova Esperança de Pereira Coutinho, por esta ordem - e isto se não contarmos com os "kai-fong", que este ano concorreram pela primeira vez separados da Associação das Mulheres, obtendo ambos mais de vinte mil votos no total. Quer se goste ou não dos democratas, tecnicamente foi assim mesmo, e não foi nada do outro mundo. É verdade que obtiveram o maior número de votos da sua história, mas em termos percentuais ainda ficaram dois pontos abaixo dos resultados de 2009. Falar numa "vitória de Mak Soi Kun", é analisar "a quente", e 24 horas desde a divulgação dos resultados é tempo mais que suficiente para arrefecer, e pensar de cabeça fria. Adiante, passemos àquilo que eu penso em relação aos resultados de ontem, depois de feito o rescaldo e analisadas as reacções.

O que aconteceu com o NM foi simples; a mesma estratégia de há quatro anos surtiu resultados desta feita, com Sulu Sou quase a triplicar o número de votos de Jason Chao em 2013. Não foi propriamente uma surpresa ou um sucesso estrondoso, pois os democratas ainda estão longe da ideia que os levou inicialmente a concorrer com três listas separadas: eleger quatro deputados. Não foi mau, mesmo assim, e a única "surpresa", por assim dizer, foi a lista de Au Kam San ter obtido mais votos que o histórico Ng Kwok Cheong, que anunciou recentemente que este mandato seria o seu último. Foi de facto negativo para a imagem de Au ter saído a criticar a intervenção do Exército da R.P. China durante a crise do tufão Hato - eu não gostei de ouvir, bem como muita gente. Mas é ingenuidade pensar-se que este tipo de discurso não tem eco em Macau, ou que os eleitores habituais de Au Kam San o fossem castigar apenas e só por ter dito aquilo. Se fosse comprovodamente mentiroso, ou suspeitamente corrupto, aí sim, acredito nessa possibilidade.

Menos sorte com a distribuição dos votos teve a ACUM, que depois de conquistar três assentos com uma única ista encabeçada por Chan Meng Kam há quatro anos, dividiu-se em duas, e só conseguiu eleger dois deputados. O que faltou à associação ligada aos cidadãos de origem fukinenses? Chan Meng Kam, lógico. Si Ka Lon teve alguma visibilidade durante o seu último mandato no hemiciclo, e pode-se mesmo dizer que se deu conhecer, e cimentou a sua presença, mas não é um Chan Meng Kam. De Song Pek Kei pode-se dizer que não chega a um Si Ka Lon, e chegou mesmo a ter a sua eleição em risco durante o apuramento dos resultados, vindo a confirmar a sua reeleição a jogar "em casa", na zona norte da cidade. Chan Meng Kam "apadrinhou" as duas listas, marcou presença, mas isso não foi suficiente para igualar ou até ultrapassar os resultados de há 4 anos. Este é um homem que vale muitos votos, minha gente.

Quanto a Mak Soi Kun, que encabeçou a lista mais votada, não teve um desempenho propriamente espectacular, especialmente em termos de crescimento. Apesar de ter obtido 17 207 votos, quase mais mil do que há quatro anos, isto em termos de percentagem é uma descida de 1,12%. Quanto aos operários  e aos "kuai fong", os chamados "sectores tradicionais", obtiveram aquilo que queriam, provavelmente, e no caso dos primeiros foram eleitos dois deputados pela via directa, e outros dois pela via indirecta. São grupos normalmente homogéneos, onde não se tem em conta tanto o seu peso político, mas em vez disso trata-se de uma questão de "representatividade". Não estando eu ligado nem a um nem a outro dos grupos, nem ninguém da minha família (pelo menos directamente), não terei um interesse por aí além naquilo que os operários e moradores têm para me oferecer, e por isso não faz para mim qualquer sentido votar neles. E eles sabem disso, e até se abstêm de me abordar ou oferecer propraganda eleitoral durante as campanhas. Sou invisível, para eles.

Falando agora de Pereira Coutinho, pode-se dizer que perdeu o seu companheiro de bancada, Leong Veng Chai, mas viu a sua própria posição reforçada. Encabeçou a quarta lista mais votada e conseguiu mais 1200 votos que em 2013, mesmo que isto se tenha traduzido numa queda percentual ligeira de 0,63% do total de votos válidos. O resultado foi festejado na ATFPM, pois estranhamente Coutinho vinha anunciando uma espécie de "cataclismo eleitoral", apelando efusivamente à participação em massa do seu eleitorado. Estranho. E mais estranho ainda é o resultado de Agnes Lam, que quase duplicou a sua votação em relação às últimas eleições, e acampanhou bem o aumento da adesão, registando uma subida de dois pontos percentuais no universo total do eleitorado. E digo "estranho", pois não me parece ter sido aos democratas ou a Pereira Coutinho que ela foi buscar este novo eleitorado. Eu suspeito que desta feita a professora de Comunicação da UMAC conseguiu convencer alguns eleitores a irem votar nela, em vez de ficarem no sofá, ou ir dar um passeio domingueiro como alternativa a ir cumprir o dever cívico.

Finalmente falando dos "casineiros", provavelmente os grandes derrotados da noite. Angela Leong perdeu 2500 votos e caíu quase três pontos percentuais, e a isto não é despeciendo o aparecimento da lista 25, apoiada numa associação independente de trabalhadores do sector do jogo, e que só nesta estreia conseguiu 3200 votos. Mesmo assim a empresária da SJM conseguiu aquilo que normalmente é o seu objectivo, que é ser eleita. Já Melinda Chan não teve a mesma felicidade, e perdeu o lugar que se vinha definhando desde que era ocupado até 2005 pelo seu marido, o também empresário David Chow. A lista MUDAR nem teve um "crash" muito grande, perdendo apenas cerca de 600 votos em relação ao último sufrágio, o que desta vez não lhe garantiu o número suficiente para ser eleita. A candidata diz que não sabe o que se passou, e se a derrota terá tido alguma coisa a ver com algo que ela disse ou fez. Bem, eu diria que não, que não fez nem disse nada de especial. E o problema se calhar foi mesmo esse.

As eleições decorreram dentro da normalidade, sem incidentes graves, apesar de se terem registado alguns episódios curiosos. Para saber mais, basta ter lido os títulos da imprensa em língua portuguesa de hoje (e chinesa também, suponho, mas eu não li). Mais uma vez lamenta-se que a participação tenha ficado ainda abaixo dos 60%, apesar de ter ido mais gente às urnas, e isso foi notório. Se os eleitores das listas ligadas aos interesses associativos e empresariais vão normalmente votar compulsivamente, seria interessante observar no que se traduziriam os resultados caso mais eleitores independentes se dessem ao trabalho de expressar o seu voto. É errado dizer-se que para alguns isto "não tem interesse". É o nosso futuro, e o dia de amanhã interessa-nos sempre.


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