Consegui finalmente arranjar tempo para ver “The Curious Case of Benjamin Button”. Não foi grande coisa, para ser sincero, mas a expectativa também não era muita. Mas não é do filme que quero falar, apesar da história me ter deixado a pensar. A pensar como a vida é injusta, e como a desperdiçamos de uma forma tão deprimente, ora primeiro a estudar, a trabalhar, a cuidar dos filhos ou dos mais velhos.
O que seria mesmo bom era se a vida fosse ao contrário. Nascíamos todos com 80 anos. Chega do folclore dos supercentenários, histórias de sobrevivência e afins. Oitenta chega perfeitamente. Aos 75 vamos para a escola, e aos 60 começamos a trabalhar. Somos pais e mães entre os 40 e os 50, e depois a partir dos 30 começamos a gozar a vida, com toda a energia e pujança da idade. À medida que nos vamos aproximando dos 0 (e da morte certa), começamos a perder faculdades, a dizer disparates e vamos começar a precisar de alguém que nos troque as fraldas. No fundo não difere muito do que acontece agora quando passamos dos 70 ou 80, mas pelo menos fazemo-lo com muito mais graça e dignidade, e ficamos muito mais fáceis de transportar pelos nossos filhos, que terão então uns 40 anos.
As doenças passam todas a ser banalidades como o sarampo ou a varicela. Alguns poderiam sucumbir tragicamente aos 7 ou 8 anos de meningite. Acabavam-se os diabetes, a ciática, o reumatismo, o Alzheimer e a Parkinson. Aos 30 anos, com a liberdade e a “vida toda” pela frente iamos ter um fígado e um coração cada vez mais jovens e com uma capacidade regenerativa impressionante que nos ia dar muitas alegrias. Aquilo é que ia ser um nunca mais acabar de beber, enfardar e fazer disparates. Tudo nos era permitido; não seria necessário que os mais velhos se preocupassem connosco, nem “comer bem e fazer exercício” para enganar a morte, até porque isso seria impossível. Toda a gente sabia exactamente quando ia morrer.
Evitar-se-iam, por exemplo, as humilhantes listas de espera nos Hospitais (já os pediatras…), ou andar a esmolar a comparticipação de medicamentos. A sociedade seria muito mais bem organizada. Os cartões de idoso seriam substituídos pelos cartões jovens, emitidos a quem tivesse 15 anos ou menos. Quem tivesse menos sorte acabava numa creche, que seria re-baptizada de “lar da primeira idade”. Os mais jovens deixavam os filhos (velhos) no asilo (agora “jardim geriátrico”), e iam buscá-los à saída do emprego. No Jornal da Tarde iamos passar a ver histórias do tipo “uma menina de 2 anos vive sozinha, consegue tomar conta de si e ainda cuida dos netos com 77 e 78 anos, respectivamente”, ou "jovem de ano e meio nomeado gerente de grande empresa", ou ainda "magnata dos casinos de dez meses de idade prepara sucessão".
O crime de pedofilia era substituído por geritatrofilia. Os jogadores de futebol começavam a carreira aos 40 anos e “penduravam as chuteiras” aos 16, quando fossem “muito novos para jogar”. Um homem de 50 anos, ao voltar do emprego, reclamaria que “hoje vim no autocarro cheio de putos a caminho da praia”. Na escola os sexagenários queixavam-se dos professores: “o raio do puto deu-me nega, só porque lhe disse que já tinha cabelos pretos”. Os adolescentes fantasiavam sobre a mãe dos amigos: “epá a tua mãe é nova e já é bué da gira”. As vizinhas bisbilhoteiras comentavam: “ai aquela mulher já tem uns 20 anos mas ninguém lhe dá menos de 30”.
Parece confuso, mas ia ser muito mais giro, e justo. Ninguém ia ter inveja dos jovens, nem os mais novos iam ter medo de envelhecer. Ninguém ia ser obrigado a respeitar ninguém só pelo argumento da idade mais (ou menos) avançada. Acabavam-se as crises de meia-idade e a solidão, as esmolas da segurança social (qualquer pessoa com 14 anos podia perfeitamente trabalhar), os viagras, as operações às cataratas e toda essa merda. Toda a gente ia curtir andar com os mais novos!
2 comentários:
Eu acho sinceramente que era a mesma coisa, vista de outra forma, uma forma mais sábia aos 80, nunca é tarde para começarmos a viver, o agora! Um bebé de 0 anos ou um bebé de 80 é igualmente adorável quando é cuidada com amor e carinho. Muita gente é que tendem a adiar a viver.
Leocardo, recomendo "Youth without youth", de F.F.Coppola.
Grande filme.
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