sábado, 25 de abril de 2009

Os críticos de Abril


O dia 25 de Abril era o meu feriado preferido quando era chavalinho. Os tios e os vizinhos eram todos do partido (era moda), a mãe acho que hoje ainda é, e o pai simpatizava. Então lá iamos todos para o piquenique onde não faltavam as febras e os coiratos, a vinhaça para os mais velhos e o Frisumo para os mais novos. Ocorriam senhores de barba e as esposas, de calças e cabelos curtos, e "curtia-se" ao som do Zeca. O "Venham mais cinco" era sempre o mais popular. Era uma coisa saudável, nada de políticas, nada de demagogia. Era comes e bebes, canções e poesia. Era o verdadeiro espírito do 25 de Abril.

Algumas pessoas são alérgicas ao vermelho (não ao "encarnado", cor do Benfica, contudo), aos cravos e às canções do Zeca. Para alguns portugueses, uns saudosistas e outros nascidos depois ou pouco antes do 25 de Abril, acham que Portugal "estaria melhor" sem a revolução. Todos os anos na televisão vemos uns menos bafejados pela sorte a dizer que no tempo da outra senhora é que era bom, que agora lhes falta isto, não têm aquilo, enfim, queriam que a revolução lhes trouxesse o Euromilhões. Algures na secção de comentários do blogue li que "em Portugal vivia-se bem, desde que não se falasse mal do regime".

Apanhando esta última deixa. Quer dizer, que não se falasse mal do regime ponto e vírgula. Que não se falasse de todo. Desde que não se pensasse alto, fosse à igreja todos os Domingos, baptizasse os filhos e depois não colocasse objecções em mandá-los para o Ultramar, tudo bem. Ah sim, e que não se usassem cabelos compridos, roupa da moda, ou que não se tivesse em casa música ou leitura "subversiva". Desde que se batesse a pala aos srs. comandantes e se fechasse os olhos ao nepotismo que grassava entre os "sôtores" do regime. Já sei que muitos estão agora a pensar em exemplos actuais, mas é diferente. E vocês sabem que é diferente. Senão nem estávamos aqui a discutir isto.

Uma revolução como aquela deu trabalho a fazer. Não é assim do pé para a mão que se derruba um regime, que se acaba com uma guerra, que se libertam os presos políticos e de repente se diz às pessoas: "agora são livres, podem falar!". E tudo sem derramamento de sangue. Já sei que vão dizer que o regime estava enfraquecido, que estava a implementar "reformas importantes", que se caminhava para uma "abertura", etcetera e tal. Mas nada disso interessa. Portugal acordou de um pesadelo de 48 anos, e o país que a revolução pariu (perdoem-me o linguajar) até é um rapaz jeitoso, na graça dos seus 35 anos, com muito melhor aspecto que as múmias enfatiadas que hoje temos o desprazer de ver em fotos e arquivos da RTP.

Claro que foram cometidos erros. A descolonização foi um deles, e não há que o negar. Mas foi o que foi, e o que deu para fazer na altura. Às vezes penso o que seria se tivesse sido feita qualquer coisa como se fez em Macau, mas os tempos eram outros, assim como os intérpretes. E é também verdade que Portugal ia caindo na penumbra do socialismo de Moscovo, e que se arriscava a tornar numa Albânia qualquer. Mas demos a volta por cima, mais uma vez pacificamente, e não aconteceu. E no fim ficámos todos amigos. Temos eleições de quatro em quatro anos, e quem não está contente com quem lá está agora, pode sempre mudar. Só não escolha mal e depois ande por aí a lamentar-se.

É preciso não esquecer as duas maiores conquistas desta data: a liberdade e a democracia. Hoje somos um país com a mesma dimensão e os mesmos problemas estruturais de sempre. Não se iludam, nunca foi muito melhor do que isto desde o terramoto. Somos no entanto uns gajos porreiros, não arranjamos brigas com ninguém, não temos bombas atómicas, submarinos nucleares nem um exército de um milhão de gajos. Não temos separatistas, grupos terroristas ou condicionantes de cariz religioso. Somos amigos de todos, e vivemos em paz. O 25 de Abril ensinou-nos uma lição muito importante. Pode estar tudo mal, a malta pode andar tesa, mas se nos tiram a liberdade tiram-nos tudo. E faz hoje 35 anos que isso mudou. E pode mudar outra vez...

2 comentários:

Anónimo disse...

Tem piada, neste blogue ainda não vi referências ao 25 de Novembro, para muitos o verdadeiro dia da liberdade...

Anónimo disse...

[Em 1973, a prestigiosa Time Magazine acenava com a iminência de um "milagre económico português". Quais eram os indicadores de tal milagre? Taxas de crescimento anual nunca inferiores a 5%, surgimento de indústrias metalomecânica e petroquímica de relevo, indústria pesada portuguesa - sobretudo de construção naval - movimento accionista, investimento estrangeiro, com fixação de multinacionais em Portugal e consolidação de uma classe média empresarial e mudança do perfil da população.]

[...]

[A solução existia, em germe, na acção dos deputados da Ala Liberal da Assembleia Nacional, que constituíram uma geração de políticos adeptos de uma forte liberalização do regime do Estado Novo. Coube a personalidades que pontificaram na Ala Liberal do antes do 25 de Abril, (Francisco Sá Carneiro, Francisco Pinto Balsemão, Mota Amaral, Magalhães Mota, Miller Guerra, entre tantos outros), pôr a nu as fragilidades do regime, influenciando algumas decisões e rompendo com os cânones de uma linha mais dura e pouco flexível que aos pouco foi acabando por ceder.]

[Exemplos concretos das acções dos chamados “liberais”, fundamentais na transição da ditadura para Democracia, contam-se , entre outras, medidas apresentadas aquando do projecto de revisão constitucional em 1970. Nelas já constavam “a abolição da censura e a proclamação da liberdade de imprensa, a eliminação dos entraves administrativos à liberdade de associação, a extinção dos tribunais plenários onde se fazia a paródia de julgamento dos presos políticos, a proibição das medidas de segurança sem termo certo, medidas que, aplicadas aos mesmos presos políticos, acabavam por se assemelhar à prisão perpétua, a limitação da prisão preventiva sem culpa formada a um prazo máximo de setenta e duas horas, a inclusão do direito ao trabalho e do direito à emigração na lista dos direitos fundamentais, o reforço dos poderes da Assembleia Nacional e a modernização dos seus métodos de trabalho, a restauração do sufrágio universal para a eleição do Presidente da República, a proibição do veto presidencial às leis de revisão constitucional. Em poucas palavras: a aprovação do projecto da Ala Liberal significaria a substituição do regime ditatorial (Estado Novo) e autoritário por uma democracia de modelo europeu ocidental.] (fonte: Wikipedia)

E agora digo eu: Depois veio Abril de 1974 e a calma transição que se começava a sentir descambou num golpe de estado que, curiosamente, muitos pensaram que fosse da extrema-direita (porque será? Se calhar porque a extrema-direita era aquela que devia estar mais descontente com o rumo que as coisas estavam a tomar).

A alegria daquela altura percebo-a eu bem. Que 35 anos mais tarde não se consiga fazer uma análise mais fria, vendo o caminho que o país tomou e reconhecendo que o 25 de Abril acabou por comprometer o futuro, é que já me admira mais um bocadinho. Já cansa o arraial abrileiro que há 35 anos se celebra em Portugal, como se hoje ainda houvesse razões para festejar o que quer que seja. Foi preciso que se começassem a sentir ventos de mudança, que o regime estivesse enfraquecido, para que surgissem os heróis. Com Salazar (quando a revolução bem se justificava) alguém foi capaz? O tanas!