quarta-feira, 15 de abril de 2009

E depois de Kim?


Foram recentemente divulgadas pela Agência Central de Notícias norte-coreana novas imagens do presidente Kim Jong-Il. As fotografias dão a entender que Kim está de novo na liderança dos destinos do país depois de ter sofrido uma trombose no Verão passado, mas mostram o líder mais magro, frágil e com um aspecto debilitado. As imagens, de acordo com diplomatas e analistas no Sudoeste Asiático e em Washington, reflectem a realidade.

Duas questões levantam-se agora: Quem vai suceder Kim Jong-Il? E como se vai comportar a Coreia do Norte? É sabido como se está a comportar agora: mal. Discutem-se sanções no plano internacional devido ao lançamento do míssil Taepodong II, duas jornalistas norte-americanas foram detidas o final do mês passado em território norte-coreano e são acusadas de “actos hostis”, e mais recentemente anunciou o abandono das negociações a seis sobre o plano de desarmamento, prometendo reactivar as instalações nucleares que se comprometeu a desmantelar. Apesar da situação humanitária grave que se vive no país, o regime já ameaçou várias vezes preferir rejeitar ajuda internacional do que aceder às condições impostas pelos E.U.A. e pelo Sul de inspecionar se a comida chega ao seu destino, ou seja, à grande fatia da população mais necessitada.

Existem vários indícios que Kim estará a ser ajudado a governar o país pelo seu homem de maior confiança, o seu cunhado Chang Sung Taek, marido da sua irmã mais nova, Kim Kyong Hui. Chang, 63 anos, supervisiona a Agência de Segurança de Estado norte-coreana, onde se inclui a brutal polícia secreta. Este cargo dá a entender que Chang pertence á linha dura do regime. Chang subiu na hierarquia do regime rapidamente; há cerca de dez anos era visto ao lado de Kim a inspecionar unidades militares fulcrais, onde estabeleceu fortes ligações com oficiais superiores. É considerado por muitas fontes como sendo “inteligente e carismático”. No início desta década, organizou vários encontros sociais na sua casa, que atraíram vários membros da elite do país. Aos olhos de Kim, estas festas eram “demasiado populares”. Foi acusado em 2004 de “forjar facções” e colocado em prisão domiciliária. Segundo Yang Moon Jin, professor de estudos norte-coreanos na Universidade de Seul, Kim “teve ciúmes”.

Mas o líder norte-coreano manteve-se próximo da sua irmã, que terá tido um papel preponderante na reabilitação de Chang. Em 2006 apareceu ao lado de Kim numa festa de ano novo, num sinal que tudo terá sido perdoado. Washington e Seul têm indicações que existe algum descontentamento entre as forças armadas da Coreia do Norte. Se Kim conseguiu assegurar a lealdade dos oficiais mais antigos, a crise económica terá prejudicado alguns dos lucrativos negócios ilícitos, directos ou indirectos, de alguns ramos do exército. As trocas comerciais com a China caíram a pique, muito por culpa da queda do preço do zinco e do ferro, que o Norte exporta. Isto gerou “um corte substancial nos rendimentos de alguns oficiais que beneficiam com estas trocas”, assegura uma fonte da inteligência asiática. A decisão do corte da ajuda alimentar dos Estados Unidos irou alguns oficiais, segundo algumas fontes. Uma parte dessa ajuda era desviada pelos militares para venda em mercados privados, que vão tendo um papel cada vez mais importante no alívio da fome entre a população. Rejeitar a ajuda não só expõe o país a mais uma catástrofe humanitária, mas reduziu os rendimentos de oficiais corruptos. Tudo isto leva alguns analistas a crer numa mudança no regime na Coreia do Norte.

Alguns acreditam numa espécie de implosão, como aconteceu nos países de leste há vinte anos. Mas apesar da maioria desejar ver 23 milhões de pessoas libertadas de um regime tirânico, a ideia não agrada a todos. Para começar à própria Coreia do Sul, que poderá não suportar uma reunificação súbita, ainda mais em tempos de crise económica global. Por outro lado à China, que perde um aliado estratégico, um país não-alinhado com os E.U.A. entre eles próprios e a Coreia do Sul. A intervenção militar é uma hipótese casa vez mais remota – Robert Gates, secretário da defesa norte-americano, admitiu que “não tinha nada preparado” para o eventual lançamento do míssil balístico pela Coreia do Norte – e mesmo que os E.U.A. conseguissem o aval da China no Conselho de Segurança, poderia ser incluída alguma contrapartida (Taiwan, por exemplo) que alterasse o frágil balanço geo-político da região. E isto partindo ainda do princípio que não interessa mesmo nada à China qualquer conflito.

Mesmo que Kim morresse amanhã, o que se seguiria na Coreia do Norte não seria muito diferente do que se passa hoje. “Não se confunda o fim de Kim com o fim da Coreia do Norte como país”, diz Andrew Scobell, professor de ciências políticas da Universidade A&M do Texas, que escreveu o ano passado para o Pentágono um ensaio sobre o futuro da Coreia do Norte. Segundo Baek Seung Joo, do Instituto de Análise da Defesa de Seul, “já se passou por uma transição antes”. Quando Kim Il-Sung faleceu subitamente em 1994, Kim Jong-Il sucedeu-lhe sem problemas de maior. “A durabilidade do regime é sempre subestimada”, acrescenta Baek. Prova disso foram as comemorações hoje, dia 15 de Abril, do 97º aniversário do nascimento de Kim Il-Sung, feriado na Coreia do Norte, e mais uma vez bastante concorridas e espectaculares.

A grande fome no Norte deu-se apenas poucos anos depois da tomada de posse por Kim Jong-Il, que tem resistido a implementar reformas importantes, algumas delas sugeridas pela própria China, o seu maior (único?) aliado. Isso não impediu Kim de disfrutar de uma popularidade enorme, muito por culpa do culto da personalidade. Existem no país perto de 30 mil estátuas da família Kim. Para que a sucessão dinástica se concretize, será necessário que um dos filhos do actual líder o queira suceder. Kim Jong-Nam, o tal que visita frequentemente Macau, deu a entender rececentemente que não quer ter nada a ver com a liderança. Restam Kim Jong-Chul e Kim Jong-Un. Este último, de apenas 26 anos, tem parecenças físicas extraordinárias com o seu pai, e é visto por muitos como possível sucessor. Além disso, sendo ainda bastante jovem garante a longo prazo o perpetuar do culto da personalidade. Os dois irmãos estiveram recentemente inscritos na Universidade Militar Kim Il-Sung, num programa de formação criado de propósito para eles.

Kenji Fujimoto, antigo cozinheiro de sushi dos Kim que escreveu um livro de memórias sobre a vida no Norte, descreve Kim Jong-Chul como “fraco e efeminado”, enquanto Jong-Un é “adorado pelo pai”, e como ele tem um feitio difícil e temperamental. Existem dados não oficiais datados do início do ano que confirmam Jong-Un como sucessor oficial de seu pai. Seja quem for, será apenas uma figura de proa, uma vez que o sucessor de facto será muito provavelmente, como já foi dito, Chang Sung Taek. Não se conhece a natureza da relação entre Chang e Jong-Un, mas tudo indica que a era pós-Kim Jong-Il seja mais do mesmo.

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