segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Sodoma, Gomorra, Coloane


A edição de Domingo do jornal Ou Mun é muitas vezes reservada a descargas de moral e bons costumes, ora sobre os imigrantes do Sudoeste Asiático que ocupam o Largo do Senado, ora sobre os africanos que ocupam as lojas do Centro Internacional de Macau. Desta vez o assunto mereceu honras de primeira página: há por aí muita malta a expressar fisicamente o amor, à noite, em locais isolados do território, principalmente nas ilhas. Isto é mau, isto não pode ser, isto é um escândalo, afiança o Ou Mun.

Não se trata de nenhum tipo de crime. É “fazer amor”, se quiserem. Não guerra. Não o fazem por traquinice ou desrespeito pelas leis ou pela autoridade, ou mesmo como diz o Ou Mun, porque “é mais excitante”. Fariam sim, se estivessem a ter relações em lugares públicos em plena luz do dia. E quem nunca fez ou pensou em dar uma queca na floresta ou no campismo, inebriado pelo ar puro do campo? E depois, quem frequenta o reservatório de de Ká-Ho ou o trilho de Coloane a altas horas da noite? Não serão certamente crianças, idosos ou viúvas (nesse último caso, talvez algumas…). Quem por lá anda e, ahem, "vê" isto acontecer não deve ser completamente inocente.

É um local ou locais onde se pode encontrar alguma privacidade, e que se saiba não existem lá monumentos ou qualquer ponto de interesse turístico, serviços públicos, escolas, empresas ou sequer moradias. É o campo. Em qualquer país civilizado existem situações deste tipo, e em nenhum deles se trata isto como um “problema” ou uma epidemia. A não ser que haja alguma espécie protegida que fique assustada com este tipo de actividade noctívaga. Não consigo imaginar que interesse tem a malta do Ou Mun a trilhar a natureza e a contar preservativos ou lenços com langonha. Curiosidade científica? Estatística? Quem sabe.

Claro que deve ser incómodo deparar lá com as camisinhas usadas no outro dia de manhã, mas incomodam-me muito mais as agulhas descartadas por toxicodependentes noutros parques do território, esses sim localizados em áreas residenciais, e onde brincam crianças. Duvido que uma criança veja um preservativo usado ou um lenço sujo de nhanha e se lembre de ir brincar com aquilo, e logo no trilho de Coloane. É um cenário improvável, surrealista até. Já no que toca às seringas ali no chão mesmo à mão de semear o caso muda tristemente de figura. Também não acredito que os joggers ou os ciclistas que por ali passam durante o dia tenham que afastar os preservativos ou os lenços do caminho ao pontapé para continuar o seu exercício. O Ou Mun chega mesmo a achar “chocante” que o caixote do lixo perto do terreno onde se vai construír o novo estabelecimento prisional esteja cheio de preservativos. Desde quando é chocante que se deitem preservativos usados para o lixo?

Não se pense que sou um grande adepto deste desporto radical (quem me tira uma cama ou pelo menos um sofá tira-me tudo), mas daí a avançar com legislação que puna este tipo de actividades, parece-me um pouco exagerado. Que legislação seria esta? “Proibido dar quecas no carro” ou “Proibido frequentar os trilhos e montanhas do território com o intento de praticar o coito”? E se a malta estiver apenas a, sei lá, conversar? Ou a ouvir música? Existem regulamentos administrativos que penalizam o lixo no chão, e existe uma legislação de atentado ao pudor. A legislação está feita, agora só é preciso que uma coruja telefone a denunciar as infrações.

E as causas deste forrobodó nocturno em locais recôndidos? Muitos jovens têm carro, mas ainda vivem com os pais. É difícil levar a namorada para casa e expressar fisicamente o amor. A não ser que o Ou Mun proponha aqui um conjunto de soluções: pensões a preço amigo, tipo com cartão de estudante ou cartão jovem, ou mais radical ainda, que os jovens fiquem virgens até aos 30 anos, quando finalmente casarem ou conseguirem comportar os preços astronómicos da habitação. Depois há os mais velhos, amantizados, cujas infidelidades conjugais são nada mais que contas do seu próprio rosário, e mais ninguém tem nada a ver com isso. Não se tratando de violação, o que vai a lei fazer?

E finalmente que embirração é essa com o preservativo? Ainda bem que as pessoas compram, e ainda bem que nem a famigerada “crise” mexeu com a preocupação dos amantes em se prevenir de doenças sexualmente transmissíveis ou da gravidez indesejável, no caso dos mais novos. O tipo que comprou dez caixas? Fez muito bem. Quiçá é algum bom samaritano que quer distribuir segurança por quem tem menos posses. O que fazer em relação a isto? Apresentar as certidões de casamento e os respectivos bilhete de identidade na compra de uma caixa de preservativos?

É tudo apenas uma questão de civismo. O Ou Mun inicia a reportagem com um alarme: "os tempos mudaram; o sexo deixou de ser tabú". E porque devia ser o sexo tabú? O sexo é algo que cada um carrega consigo: a vontade e o equipamento. Não se põe o sexo na prateleira à espera de ser usado apenas quando os paladinos dos bons costumes acharem apropriado. Paladinos estes que muitas vezes apregoam a moral à porta da frente das saunas, e são depois vistos a sair pela porta das traseiras. E sem a tal da educação sexual é que não vamos lá de certeza. Enquanto se considerar o sexo uma coisa extraordinária e proibida em vez de perfeitamente normal e intrínseca à natureza humana, vamos deparar sempre com estas notícias fantásticas.

5 comentários:

Anónimo disse...

Estes palermas do Ou Mun não devem ter nada sério para noticiar. Mas está bem, jornalistas de sarjeta servem para isso mesmo: para noticiar preservativos na sarjeta.

Anónimo disse...

O jornal não é escrito em chinês? Consegue lê-lo ou tem tradutor?

Leocardo disse...

Tenho tradutor, mas esta notícia vem referida no Ponto Final de hoje.

Curros: os jornalistas do Ou Mun merecem-me o maior respeito, mas por vezes aproveitam-se do estatuto de jornal mais lido de Macau para fazer demagogia e entrar em populismo fácil. Só isso.

Cumprimentos

Anónimo disse...

O Ou Mun está a soldo das saunas, Leocardo! Cada queca nos trilhos de Coloane é menos uma queca nas saunas, essa é que é a verdade! Eles querem é obrigar a malta a ir toda para as saunas aliviar os ditos cujos. E se a nossa amiga preferida não for meretriz? Isso não interessa?

Anónimo disse...

Numa cidade que é mundialmente conhecida por ser a terra dos casinos e das putas estes artigos do jornal ou mun so mostra a HIPOCRISIA de muita gente