terça-feira, 7 de outubro de 2008

Macau dos sobreviventes


Crise asiática, SRAS, gripe aviária, crise do leite, crise internacional dos mercados, eis que Macau é como um pequeno alvo onde, por vezes mais que uma ao mesmo tempo, acertam estas maleitas. Mas isso não é nada. A população de Macau até agradece, isto é que é o sal da vida. São sobreviventes natos, a sobrevivência está no sangue. Enquanto em Hong Kong os locais ligam muito ao estatuto e à aparência, e lá se suicidam ou cometem outros tipos de disparates, por causa de quedas na bolsa, insucesso escolar, e outros problemas de lana caprina. São uns finórios mal habituados, descendentes da fina flor da burguesia chinesa. Aqui em Macau levámos com o pessoal da pesada, os camponeses, os cules, os peões. Aqui é tudo man-man. Gente que não se deixa abalar pelas intempérides, que não desanima, que procura fazer do dia melhor que o anterior.

É malta que apanha dez avos do chão, que espreita para dentro de um caixote sem se incomodar com o cheiro, que arranja qualquer coisa que fazer nos feriados. Alguns ganham 5 ou 6 mil patacas por mês mas têm chorudas contas bancárias, duas ou três propriedades em seu nome. É gente que lutava enquanto outros desesperavam. Se um terço da população mundial vive com menos de um dólar por dia, o que é uma tragédia, aqui há quem prove que se consegue viver com pouco mais do que isso, e chama-se "boa gestão". Aqui os sinais exteriores de riqueza que tanto dão que falar no Ocidente transformam-se em sinais exteriores de pobreza, com a riqueza toda interiorizada nas contas de um banco.

Sobrou arroz do almoço? Há jantar. Está calor? Pagamos a electricidade mais cara do mundo? Abre-se uma janela. Ainda está calor? Dizem que suar faz bem à saúde. Não há autocarro? Vai-se a pé. E por falar em autocarro, adoro o pragmatismo com que a populaça encara um autocarro mais cheio que uma lata de sardinhas: cabe sempre mais um. Se os tempos são de crise, como agora, nada como um pouco mais de contenção, menos despesismo. Já aqui contei a história da dona daquela mercearia onde comprei um gelado da marca Dryer's por quinze patacas. A senhora comentou: "quinze patacas...com este dinheiro podia comprar duas caixas de arroz". Não satisfeita ainda por eu lhe estar ali a dar negócio, ainda me deu uma lição de economia "a la minuta". Sabes o que se faz com quinze patacas, seu idiota? Duas caixas de arroz. Uma refeição para uma família de três ou quatro. Ás vezes nem percebo como alguns supermercados conseguem fazer negócio.

Daí que tenha achado graça áquela senhora que se queixou de ter perdido um milhão de patacas em mini bonds da Lehmann Brothers (os tais irmãos Limão, principais responsáveis por este estado de coisas) e que queira que o Governo a compense! Coitada. Aí está um bom exemplo de quem sonhou demasiado alto. Com que então perdeu o milhãozinho porque achou que era seguro investi-lo. Se tivesse duplicado aquela pequena fortuna, ninguém tinha nada com isso e nunca se tinha ouvido falar da senhora. Terá aprendido a lição ou não? Da próxima vez invista o milhão...debaixo do colchão.

3 comentários:

Anónimo disse...

e parece mesmo que o governo vai compensar pelo menos parte das perdas...isto parece cada vez mais comunistas...

Anónimo disse...

Essa senhora da mercearia foi uma porreira.
Noutros sítios tentavam impingir um cabaz de produtos completamente desnecessários...

Anónimo disse...

Ao que isto chegou. Cada vez mais, quem trabalha está desprotegido porque os governos preferem ajudar quem tenta o lucro fácil. É como o Leocardo diz: quando apostam e ganham, está tudo bem; quando apostam e perdem, lá tem de ser o governo chamado ao barulho. Qualquer dia os que perdem dinheiro nos casinos também o vão pedir depois ao governo.