quarta-feira, 8 de outubro de 2008

23


Está aí novamente a discussão sobre o artº 23 da Lei Básica, comum às duas mini-constituições das RAE de Macau e de Hong Kong, o tal que diz, na sua versão portuguesa, que "A Região Administrativa Especial de Macau deve produzir, por si própria, leis que proíbam qualquer acto de traição à Pátria, de secessão, de sedição, de subversão contra o Governo Popular Central e de subtracção de segredos do Estado, leis que proíbam organizações ou associações políticas estrangeiras de exercerem actividades políticas na Região Administrativa Especial de Macau, e leis que proíbam organizações ou associações políticas da Região de estabelecerem laços com organizações ou associações políticas estrangeiras".

Em 2003 em Hong Kong fizeram ouvir-se protestos contra o artigo, que chegaram a levar milhares para a rua. Tudo ficou em águas de bacalhau até agora, que a vizinha RAEM se prepara para dar o exemplo, e a discussão tem iníco já este mês. Na edição de hoje do Hoje Macau o presidente da Associação de Advogados, Jorge Neto Valente, desvaloriza a controvérsia, afirmando que “a legislação não terá efeitos práticos em Macau”, enquanto Agnes Lam, auto-proclamada líder da maioria silenciosa que tem andado muito na berra, está preocupada com os eventuais atropelos a liberdades individuais que as leis produzidas pelo artigo possam emanar.

O artº 23 foi introduzido na Lei Básica como forma da China, à luz do princípio “um país, dois sistemas”, assegurar a soberania sobre as RAEs e evitar que estas servissem de base a associações ou movimentos anti-China. As dúvidas que o artº 23 suscita prendem-se sobretudo com o que se entende por “traição à Pátria” , “sedição” ou “subversão”, uma vez que isso da secessão (que entendo por separatismo), subtracção de segredos de estado ou organizações políticas estrangeiras não está ao alcance do cidadão comum. Por um lado a produção destas leis no território como forma de demonstrar a Hong Kong que afinal não há motivos para preocupações poderá ser benéfica para a RAEM, pois pode ver as leis ser apresentadas em versão mais soft, e até convidativa. Como disse, e bem, Neto Valente, é mais provável que a China siga o exemplo de sistemas mais abertos do que o contrário.

Por outro lado há que pesar outro factor. Quem vai produzir esta legislação? E quem vai aprová-la? É muito possível que com a mudança do Executivo já no próximo ano se dê uma autêntica dança das cadeiras, e que a política local tenha novos intérpretes nos dez anos seguintes. A questão é simples: é a legislação feita sensível e conscientemente a pensar no futuro e nas gerações imediatas, ou para quem cá fique pagar o pato? E é preciso não esquecer que alguma legislação na calha pode entrar em conflito com outras na própria Lei Básica.

Não consigo deixar de pensar nas palavras de Au Kam San aqui há uns tempos, quando disse que esta legislação não era urgente, uma vez que não haviam ameaças reais à estabilidade ou razões plausíveis para que fosse aplicada. Além disso a população local e o Executivo têm dado provas de fidelidade à China e ao Governo central, e as demonstrações de que o patriotismo "está bem e recomenda-se" têm sido evidentes. E no fim é preciso ter outro factor em conta. Era bom que Macau conseguisse manter e atraír para cá gente inteligente, independente e criativa – e isso não se consegue só com dinheiro. É que de gente amorfa e obediente temos a nossa conta.

3 comentários:

Nuno Lima Bastos disse...

Caro Leocardo,

Há quem entenda que o problema do artigo 23.º é precisamente a sua segunda parte («leis que proíbam organizações ou associações políticas da Região de estabelecerem laços com organizações ou associações políticas estrangeiras»). É o caso do jurista António Katchi, como pode ler em http://www.hojemacau.com/news.phtml?id=30295&today=08-09-2008&type=politics.
Será interessante ver como decorrerá o debate sobre o assunto nas «Segundas Jornadas de Direito e Cidadania da Assembleia Legislativa de Macau» (http://www.al.gov.mo/seminar/sem-p.htm), a decorrer entre os dias 20 e 22 deste mês. Infelizmente, não estarei em Macau nessa semana, pois muito gostaria de participar nessa sessão.

Um abraço.

Anónimo disse...

Parece q alguém quer uma cadeira em Pequim. Mas Pequim, tal como Roma, não tem fama de gratidão

zeca afonso disse...

muitos parabens pelo seu blog que me surpreende pela positiva. A variedade dos assuntos que fala sem deixar de lado o tema principal "Macau". Estou neste momento a residir em Macau ha cerca de um mes e esta cidade encanta me ao contrario de muita gente
abraco
Mika