quarta-feira, 14 de maio de 2014

Cavacofobia


O Presidente da República, o Prof. Cavaco Silva, chega este Sábado a Macau no âmbito de uma de sete dias à R.P. China, se teve início na 2ª feira em Xangai, e que é a primeira de um Chefe de Estado Português em mais de dez anos. Com Cavaco Silva em Macau, é natural que haja azáfama entre a comunidade portuguesa, que se organizem recepções, apresentações, comes-e-bebes, que se entreguem comendações, que se exibam números de circo e que apareçam os habituais figurões a fazer aqueles discursos da prache já tão repetidos que penso mesmo que existe uma minuta, e basta preencher os espaços em branco no que toca ao local, à personalidade em causa e à razão da visita.

Mas se há quem não perde uma oportunidade para aparecer nestas ocasiões, há ainda quem aproveita para...desaparecer. Acho óptimo que cada um tenha as suas convicções, que faça o que muito bem entender com o seu tempo livre, porque as únicas obrigações que temos - e pelo menos falo por mim - são as profissionais, as familiares, e as legais. Todo o resto pode ir dar uma volta ao bilhar grande. Agora o que não entendo é o porquê das justificações, quer dos que vão, quer dos que não vão, mas mesmo assim insistem em apresentar um justificativo da sua ausência, não vá o professor - neste caso o professor Cavaco - marcar-lhes falta, e depois chega uma carta a casa e os pais não os deixam brincar com a PlayStation. Mas já que estamos numa de demonstrar o nosso respeito/admiração ou desprezo/reprovação pela figura do actual PR, permitam-me que meta a minha humilde colher nessa sopa - pode ser quando estiver já quase no fim, não tenho pressa.

Não sei se vou à recepção oferecida pelo Sr. Cônsul-Geral de Portugal este Domingo, da mesma forma que não sei se estou vivo amanhã. Agora sendo um pouco mais tácito e menos subjectivo, gostaria de ir, e por dois motivos: 1) o Presidente da República é uma figura apartidária, representa todos os portugueses, e não há lugar para razões de ordem ideológica ou política para menosprezar a visita da figura máxima do nosso Estado; quer dizer, quando não vem, é porque "não nos liga nenhuma, coitadinhos de nós", se vem, inventam-se mil e uma razões para dizer que "não presta". Isto lembra em tudo a fábula da raposa e das uvas. 2) Qualquer razão é uma boa razão para ir ao lindíssimo Hotel Bela Vista, feito desde 1999 a residência do Corpo Diplomático Português, e vedado o acesso nos dias normais.

Agora, entre o ir e o não ir, e o devir filosófico, desde Platão a Nietzsche, passando por Aristóteles e Hegel, há um grande "se". Pode-me não apetecer meter lá os pés, mesmo morando a cinco minutos a pé do local, ou pode-me chegar a "monstruação", que é como a menstruação, só que me deixa num estado semelhante ao de um "monstro", e não me apetece socializar com ninguém, ou posso simplesmente estar num "bad hair day", ou em português, "mau dia de cabelo". Sabem como são aqueles dias em que não conseguimos baixar aquele remoinho de cabelo no alto da tola, nem à força de litros e litros de gel? Ah sim, e se chover a potes, também fico em casa. Quer dizer, portugueses portugueses, calças molhadas à parte. Agora sobre a pessoa do Prof. Cavaco Silva, nada me move contra ela. E passo a explicar porquê.

Vou completar no final deste ano de 2014 a bonita idade de 40 anos, tantos quantos a nossa democracia moderna, que se conta desde o 25 de Abril de 1974. Desses 40 anos, passei 18 em Portugal, e a partir de 1993 passei a residir em Macau, onde me encontro até hoje. Deixando de lado o quando, onde e como, o Prof. Cavaco Silva exerceu o cargo de Primeiro-Ministro entre 1985 e 1995, liderando os X, XI e XII Governos Constitucionais (para quem não sabe numeração romana, são o 10º, 11º e 12º governos), e é Presidente da República desde 2006, reeleito em 2011, e com final de mandato em 2016. Isto vale por dizer que em 40 anos de democracia, tivemos o Prof. Cavaco Silva a ocupar um dos dois maiores cargos da nação durante quase metade desse tempo. É a figura mais eleita, reeleita e consensual da nossa Democracia pós-abrilista. Sim, mesmo mais consensual que o Bochechas, o grão-vizir dos "chuchalistas". O Prof. Cavaco Silva nunca "chupou" com uma votação de 14%, e tenho a certeza que quando tiver perto de 90 anos, vai deixar-nos sossegados, em vez de nos andar a chatear com a sua esclerose múltipla.

Se o Prof. Cavaco Silva foi bom ou mau primeiro-ministro? É difícil dizer; foi o que tivemos num período em que precisámos de uma liderança firme, com a entrada na CEE. Teve o mérito de acabar com a palhaçada dos governos provisórios, obtendo a primeira maioria absoluta em 1987. Benficiou dos dinheiros comunitários? Talvez. Fez bom uso deles? Não sei...dotou o país de infra-estruturas que não existiam, aproximou o norte do sul e o litoral do interior graças ao investimento nas obras públicas, modernizou o país - basta ver o que era Portugal em 1984, e o que era em 1994. Não foi graças à presidência psicodélica do Bochechas que ficou obra feita. Esse era mais conhecido pelo "empata-estradas", especialmente durante o seu segundo mandato na presidência.

Os portugueses têm memória curta na hora de julgar Mário Soares, o responsável pela desastrosa descolonização e pela primeira pedinchice às grandes potências europeias, mas é júri, juíz e carrasco, tudo num só, quando é a hora de falar de Cavaco Silva. É certo que beneficiou dos fundos europeus, e depois? Outro faria o mesmo ou melhor? Essa faz-me lembrar aquela do rapaz que respondeu a um anúncio de uma banda que procurava um vocalista, mas perdeu o autocarro para Liverpool por dois minutos, e quando lá chegou já tinham escolhido o John Lennon. E repito: não simpatizo por aí além com a figura do Prof. Cavaco Silva como primeiro-ministro, mas fiquei surpreso quando cheguei a Macau em 1993 e verifiquei a admiração que os portugueses das comunidades nutriam por ele, quer em Macau, quer nas comunidades, tanto nos PALOP como em Timor-Leste.

O Prof. Cavaco Silva pode ter muitos defeitos. É algarvio, é rústico, um bocado "seco", para não o chamar de arrogante, não olha as pessoas nos olhos quando fala com elas, como disse o Paulo Portas. Este Portas é suspeito; porque carga de água devia Cavaco Silva olhá-lo nos olhos? Para que Portas lhe fizesse olhinhos? O maior defeito de Cavaco Silva será o facto de ser um economista, e não um político. Dá-se melhor com os números do que com as pessoas. E nem isso o impediu de se tornar na figura mais carismática da política nacional. Lembro-me nas eleições legislativas de 1991, quando fez o célebre ultimato ao eleitorado: "não ficarei se não me derem a maioria absoluta". E os portugueses deram-lha. Imaginem o Engº José Socrates, vulgo "o trocas", a fazer o mesmo em 2009, a pedir uma maioria absoluta ao eleitorado português? Ia gerar uma nova secção inteira do anedotário nacional, ao lado das piadas dos alentejanos e das loiras.

Compreendo a posição do meu camarada e amigo Carlos Morais José, que não quer ir, e recusa-se a apertar a mão ao PR - ninguém o obriga nem a uma coisa nem outra, e duvido que o Prof. Cavaco Silva pergunte por ele ou por qualquer outro ausente. Considero é uma desonestidade intelectual associar o PR a indivíduos que fizeram parte do seu elenco governativo que estão actualmente a contas com a justiça, "em cujo rol não falta sequer um homicida". Penso que o direcor do Hoje Macau se refere ao advogado Domingos Duarte Lima, acusado do homicídio de uma cliente em 2009, e mais tarde acusado de fraude no processo BPN. Não me parece que o actual PR esteja obrigado a controlar toda a gente em que depositou confiança no passado, que os leve por uma trela para ter a certeza que se portam bem. É verdade que o PSD tem o Dias Loureiro, o Isaltino Morais, o Major Valentim Loureiro e outros, mas os "chuchas" também tinham lá o Armando Vara dos robalos, a Fátima Felgueiras do saco azul, ou o Paulo Pedroso dos...bem, é melhor nem dizer. A esse é que eu não apertava a mão, garantidamente. Se teve responsabilidade na censura do livro do José Saramago, ou foi indirectamente responsável pela mesma? Bem sei que dois errados não fazem um certo, nem vou branquear esse ou qualquer outro acto de censura, mas assim o escritor sentiu na pele o que sentiram os jornalistas que saneou durante a sua passagem como vice-director do DN durante os tempos do PREC. E Saramago saíu do país porque quis, não foi mandado para o Tarrafal, nem as suas obras passaram a constar do índex inquisitório. Foi uma pedra na engrenagem, assim como foi a censura a Herman José e ao seu "Humor de Perdição" - e nesse caso não só Cavaco Silva não interferiu como ainda demonstrou solidariedade com o humorista.

Portanto, se eu for no Domingo, vou na condição de apartidário, como português, cumprimentar ou não o Presidente da República, a maior figura do nosse Estado e da nossa democracia, o presidente de todos os portugueses. E irei sem qualquer tipo de agenda, nem fazer como aquelas peixeiras que dizem cobras e lagartos dos políticos mas quando os vêem no mercado besuntam-no todo com beijos e urram para toda a gente ouvir: "Ai ganda home, ê vetei em vossemecê". Repito, se eu for. Por outro lado congratulo-me por ele fazer o obséquio de nos visitar, pois assim mostra que não se esqueceu de nós. E assim cada um faz o que quer com o seu Domingo. Não é tão linda, a liberdade?

PS: Mais uma vez insisto: o Cavaquistão não eram "pessoas", mas sim a região do país que compreendia o norte e o interior, de Trás-os-Montes à Beira Interior, onde o PSD de Cavaco ganhava as eleições com larga vantagem.

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